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Lucas Santtana busca expandir o uso do violão

02/09/2009

 

 

Foto: Fernando Donasci/Folha Imagem
O músico Lucas Santtana, que faz show de lançamento do CD "Sem Nostalgia' na sexta-feira no Sesc Pompeia, em São Paulo
 

Para músico, conceito contemporâneo de canção vai da composição à mixagem final

Antes da carreira solo, Santtana foi instrumentista da banda de Gilberto Gil por três anos e tocou flauta no disco acústico do baiano

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Era o dia 7 de agosto, Lucas Santtana passeava de bicicleta pelo bairro do Leblon, na zona sul carioca, quando o celular tocou. Um amigo ligava para avisar que seu mais recente CD, "Sem Nostalgia", ainda a caminho das lojas, estava recebendo comentários faixa a faixa, naquele instante, no Twitter.

O miniblog, que só aceita intervenções de até 140 caracteres, não é o espaço mais bem bolado para o exercício da crítica musical. Por isso mesmo Lucas gostou ainda mais da notícia. Usar ferramentas e instrumentos de maneira criativa é uma das coisas que admira. E foi o que procurou fazer em "Sem Nostalgia", disco raro, cool e inventivo, já entre os melhores do ano, que terá show de lançamento paulista na sexta-feira, no Sesc Pompeia.

O CD é feito apenas com voz e violões -acompanhados por sons ambientais, programações eletrônicas e "arranjos de insetos". Cinco das 12 canções têm letras em inglês -e três delas são parcerias com Arto Lindsay. O onipresente músico Curumin e Ricardo Dias Gomes, da banda Cê, estão entre os convidados.

O responsável pelas "tuitadas" foi o jornalista Pedro Alexandre Sanches, ex-crítico da Folha, que mantém um blog e escreve sobre música para diversas publicações. Seus comentários sobre o CD atraíram fãs e propiciaram uma troca de posts entre ele e Lucas.

"Estabeleceu-se um acontecimento raríssimo. Artista e crítico conversaram quase em tempo real e publicamente sobre esse encontro -em geral um desencontro- da produção com a análise da produção", conta Sanches.

Ao final de uma hora, tempo que durou o divertido experimento, o crítico havia acrescentado mais de cem seguidores à sua lista- "provavelmente gente que seguia Lucas no Twitter". Provavelmente. O músico é assíduo frequentador da blogosfera e responsável pelo diginois.com.br, lançado em 2006, que oferece músicas e CDs para ouvir, baixar e remixar. "Sem Nostalgia" inclusive.

Na banda de Gil

Nascido em Salvador, em 1970, Lucas é filho de Roberto Sant'Anna, importante produtor musical, que criou, em 1961, o lendário espetáculo "Nós, Por Exemplo", com participação de Tom Zé, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Djalma Corrêa. Na Polygram, em fase áurea, produziu diversos LPs, entre os quais "Refavela", de Gil.

Aos 13 anos, Lucas foi ter aulas na AMA, a Academia de Música Atual, escola particular criada em Salvador por professores universitários que haviam estudado na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Anos depois, ingressou na faculdade de música da Bahia, conhecida pela herança renovadora de Hans Joachim Koellreutter e Walter Smetak.

No período em que trabalhou como instrumentista (tocou flauta com Gil no "Acústico" e participou de sua banda durante três anos), Lucas usou o tempo ocioso das turnês para compor. Em 1998, o produtor Chico Neves o convidou para fazer um disco. Lançado em 2000, "Eletro Ben Dodô" teve uma mãozinha de Peter Gabriel, que gostou das canções e ofereceu gratuitamente seu estúdio londrino para a finalização do trabalho. Depois vieram "Parada de Lucas" (2003) e "3 Sessions in a Greenhouse" (2006), o primeiro a ser lançado na internet não apenas para download mas também para remix.

"Nesse quarto disco, eu já tinha a vontade de gravar só com voz e violão, mas achava que fazer isso de maneira tradicional não acrescentaria nada." O que faltava era encontrar o que Lucas chama de "textura" musical, aquilo que vai além da melodia e da harmonia -mas não é exatamente um "arranjo".

Para ele, a ideia de textura nos remete à pintura. "É a maneira como as tintas serão usadas, se serão adensadas ou não, se vão refletir essa ou aquela luz, se comporão esse ou aquele plano." Lucas considera que o conceito contemporâneo de canção se estende da composição básica à mixagem final.

Aos poucos a textura de "Sem Nostalgia" foi se desenhando. A ideia era expandir o uso do violão com samples de clássicos brasileiros, percussão no próprio instrumento e programações. Quanto a isso, "Super Violão Mashup", a faixa que abre o disco, é exemplar. Depois, vieram os sons de insetos, que ele havia ouvido no Museu de História Natural, em Londres.

Finalmente, diz o músico, "quis imprimir o som das salas de gravação, que está ali mas a gente não ouve porque é um som quase "invisível". Só as máquinas nos permitem obter esse superouvido, assim como usamos binóculos para obter um superolho".

LUCAS SANTTANA & SELEÇÃO NATURAL

Quando: sexta-feira, 4/9, às 21h
Onde: Sesc Pompeia (r. Clélia, 93, tel. 0/xx/11/3871-7700)
Quanto: de R$ 4 a R$ 16
Classificação: 18 anos

(© Folha de S. Paulo)

 

 


Crítica

Músico declara amor ao avesso pela tradição

MARCUS PRETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Os insetos são o de menos. O que Lucas Santtana discute neste seu quarto e melhor álbum é a desgastada relação entre a canção feita no Brasil e seu instrumento essencial, o violão.

Tudo já foi inventado nas cordas de náilon de Dorival Caymmi, João Gilberto, Baden Powell, Jorge Ben, Gilberto Gil. Tudo já foi replicado -e diluído- à exaustão pelos que vieram depois deles. E agora, esgotaram-se as possibilidades?

Santtana comenta o enfraquecimento da "tradição violonística da canção brasileira" sampleando justamente ícones dela. É quase o que Caetano fez com a bossa nova quando arquitetou o projeto tropicalista.

No fim dos anos 60, a invenção transgressora de João Gilberto já estava diluída e, em seu nome, muito nhenhenhém era produzido. Para que as ideias iniciais de João não se perdessem nisso, Caetano se valeria de elementos dela própria para implodi-la. João, ele sabia, sobreviveria ao estrondo.

O violão também sobreviverá, sempre, como espinha dorsal da canção brasileira -e Lucas grita isso em seu disco. Mas o grito é dado para dentro, escondendo os nomes dos gênios "orgânicos" do instrumento -Caymmi, João, Baden etc.- por trás da liquidificação promovida pelos computadores.

É uma declaração de amor às avessas. Não à tradição, simplesmente -mas ao caráter subversivo que ela carregava em seus tempos iniciais, antes de se chamar "tradição". E uma declaração desse quilate só funcionaria dessa maneira, com boas doses de subversão.

SEM NOSTALGIA

Artista: Lucas Santtana
Gravadora: YB Music; R$ 18, em média
Avaliação: ótimo

(© Folha de S. Paulo)


Formato voz e violão em releitura virtual

Lucas Santtana liquidifica o instrumento acústico

Leandro Souto Maior

"Toca aí Lucas..." Assim Gilberto Gil dava a deixa para seu violão brilhar, ao final do CD Unplugged. O disco do ex-ministro trazia o instrumento em primeiro plano, o mesmo que Lucas Santtana empunhou naquela ocasião e é o fio condutor de seu novo trabalho, Sem nostalgia. Não apenas as suas cordas, mas também as tocadas por Dorival Caymmi, Jorge Ben, Baden Powell e o próprio Gil. Tudo sampleado, claro, em trechos mais identificáveis que outros, mas, no final, gerando algo original.

Como não poderia deixar de ser, o violão é o único instrumento no álbum. Porém, nem sempre identificável, liquidificado pelos mais diversos efeitos nas mixagens. Conectadíssimo, o tradicional formato voz e violão ganha outras leituras em sua concepção.

– Meu trabalho está todo no computador, em softwares para produzir música, redes sociais, e-mails, fotos, projetos – descreve Lucas. – Mas meu barato é a música e quero que ela chegue ao maior número de pessoas por todos os canais possíveis.

Sua plataforma virtual está em www.diginois.com.br, o site que chama de extensão de sua cabeça, onde coloca seus discos para download.

– Disponibilizo também as faixas abertas, para as pessoas remixarem. O Sem nostalgia em breve também estará lá dessa forma, só faltam algumas mudanças estruturais no site.

"Não vou ficar como o Lobão"

Mesmo a bordo do quarto CD de sua carreira, de já ter emplacado música em novela e lançado discos por grandes gravadoras, ainda assim há quem nunca ouviu falar de Lucas Santtana. Ou, no mínimo, ainda não escutou suas canções. Sua música não segue regras ou tendências, mas ele até chegou a namorar o mainstream, numa releitura bossa nova de Mensagem de amor, do Herbert Vianna, que foi parar numa trilha de novela. Pode ser que o ouvinte é que esteja meio desligado: já faz tempo que ele se dedica a fazer e acontecer num meio que precisa realmente de gente propondo novidades: a internet.

– O mais importante não é o veículo, seja novela, rádio, TV ou blogs, mas sim o que vai nele, ou seja, a música – decreta. – Não vou ficar como o Lobão, levantando cada hora uma bandeira, de mainstream ou de independente.

Esta migração para o virtual, garante, está ao alcance de todos.

– Acho que os artistas têm que aprender a se organizar. Não é uma coisa difícil de fazer, é apenas um vício antigo, um conforto em relação a uma situação de gerações passadas, de achar que sempre precisam de alguém para resolver as coisas para você.

Só quem ainda não se jogou totalmente nas maravilhas da internet vivenciadas e propagadas por Lucas é seu pai, o produtor musical Roberto Santana – o cara que tem o mérito de ter apresentado o Gil para o Caetano.

– A gente se fala pouco, porque ele mora em Salvador e não usa internet. Mas já conversamos muito sobre tudo isso. Ele está atualizado com as mudanças e vibrou bastante quando criei o site diginois.

(© JB Online)


Ótimas canções e ideias descontraídas

Ricardo Schott

Considerado por muitos críticos uma revelação da geração da MPB do fim dos anos 90 (ao lado de Otto e Max de Castro), Lucas Santtana confirma em Sem nostalgia que, disco após disco, privilegiou um lado de experimentação musical mais acurado e "difícil" do que boa parte de seus pares. Passou a construir universos eletrônicos que rumam além do pop de sua estreia (EletroBenDodô, de 2000) até atingir a realidade dos mash-ups. Na dicotomia entre a captação acústica e as batidas eletrônicas (cujo contraste dá vigor a músicas próprias como Cira, Regina e Nana e Who can say which way e ao carimbó instrumental Recado para Pio Lobato), ele insere novidades na MPB com heranças da Bahia.

Em Sem nostalgia, une ótimas canções, como Cá pra nós (parceria com Ronei Jorge) e Ripple of the water a ótimas e descontraídas ideias, como a bossa-nova de videogame O violão de Mario Bros, em parceria com João Brasil (o mesmo criador de pérolas como Pau molão e Baranga) e o "arranjo de insetos" de Natureza #1 em mi maior. Relembra, inspirado pelo violão de Gilberto Gil em Aquele abraço, Amor em Jacumã, do baterista de jazz e bossa nova Dom Um Romão e de Luiz Ramalho, cuja letra alude a um estado de espírito que vai além das palavras ("lá em Jacumã ninguém conversa não") e que também permeia seu novo disco. Cujo entendimento vai além do fato de ser repleto de letras em inglês, o que pode torná-lo distante do grande público, mas não o atrapalha ao conectá-lo a um esquema novo de realizar e entender música. Em Sem nostalgia, tudo parece pronto para ser consumido e reaproveitado pelo ouvinte, ao alcance de um clique de computador, como já acontecia no audível e sampleável 3 sessions in a greenhouse (2006).

(© JB Online)


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