Diana Moura
A artista plástica Tereza Costa Rêgo é uma mulher como poucas. Sua vida é
marcada por idas e vindas de todos os tipos. De moça finamente educada na
aristocracia pernambucana, ela passou a clandestina política durante a
ditadura militar, refugiando-se na Argentina, no Chile e, por fim, na
França, de onde só retornou depois da anistia política. Este ano, a pintora
completou 80 anos de idade, em abril. Agora, o Museu do Estado de Pernambuco
inaugura Tereza todos os tempos, uma grande retrospectiva de sua trajetória
artística, com 52 quadros. Tão impressionantes quanto sua história, os
trabalhos apresentados são apaixonantes e revelam o seu amadurecimento
ímpar.
As obras que compõem a retrospectiva cobrem seis décadas de pintura. As
primeiras datam de 1948, as últimas são de 2009. Neste percurso, Tereza
mudou pelo menos duas vezes. No começo, ela assinava Terezinha. Era a fase
da menina-moça, que viva cercada de mimos e muros por todos os lados. “Eu
tinha tudo. Era a filha única numa família de vários irmãos, que cuidavam de
mim. Possuí todos os brinquedos, todo o conforto, mas o portão era sempre
fechado. Era a barreira do inferno. Por isso casei cedo”, lembra a artista.
“Eu tinha 11 empregados quando saí de casa para o exílio.” Deste momento
em diante, Terezinha não existe mais. Ela dá lugar a Joana, nome que assina
as telas durante todo o período da clandestinidade, quando largou o
casamento para viver um amor verdadeiro com o comunista Diógenes Arruda e
descobrir a política. “Quando cheguei em Paris, inicialmente, as pessoas
estranhavam a minha figura delicada nas reuniões do partido, mas logo fui
adotada por todos. Eles gostavam de mim.”
De volta ao Brasil, ela perde seu companheiro ao desembarcar no
aeroporto. Logo, essa mulher que sempre foi protegida por inúmeras figuras
masculinas, viu-se sozinha. “Foi preciso aprender tudo de novo, mas eu
percebi que era querida e comecei a ganhar a vida com as minhas mãos. Até
hoje, vivo do meu trabalho.”
Surge então Tereza Costa Rêgo, a mulher que assina os quadros daí por
diante. É dela a maior parte das obras presentes em Tereza todos os tempos,
exposição que tem como maior mérito revelar seu caminho por inteiro e
mostrar ao público obras que, de outra forma, seriam conhecidas apenas por
parentes e amigos.
Há algo que antecipa Tereza Costa Rêgo em todas elas. Desde as primeiras
obras, suas telas já traziam as marcas que lhe caracterizam, como a
delicadeza dos traços, a sinuosidade das figuras femininas, o encanto pelos
animais e o uso predominante das cores quentes – que se tornou ainda mais
marcante ao longo dos anos. Para facilitar a leitura do público, a
retrospectiva é dividida em quatro blocos. No primeiro, estão quadros de
diversas épocas, que cobrem um período que vai dos anos 1940 a 1990. É aí
que encontra-se Partida (1981), uma das telas mais emocionantes de seu
acervo, que retrata Diógenes morto, pintado sobre as correspondências
trocadas pelos dois.
Depois, em ordem cronológica, estão as pinturas da mostra Sete luas de
sangue, realizada no ano 2000. Feita para celebrar os 500 anos do Brasil, a
série apresenta um ponto de vista crítico sobre diversos momentos da
história do País, incluindo a Batalha dos Guararapes, a luta de Zumbi dos
Palmares e o Arraial de Canudos.
De 2003, são as peças integrantes da mostra Bordel imaginário – O parto
do porto, que retrata as cenas imaginadas por Terezinha, a menina, em
relação às histórias que seus irmãos contavam dos bordéis do porto do
Recife. Por fim, encontram-se as telas de Pintar é libertar-de, série de
obras recentes, a maioria inédita, que apresenta Tereza tal como é hoje, a
mulher que descobriu seu jeito próprio de viver e de pintar. E que cultiva o
belo, apesar das provações que a vida lhe impôs: “Eu nunca me tornei uma
pessoa amarga”.
A obra mais impressionante desta parte da exposição é Apocalipse, uma
cobra de12m de comprimento por 1,6m de largura, que traz o fim do mundo
segundo Tereza, rico em detalhes, irônico e imprevisível. Sedutor, enfim,
como a autora.