Foto: Júlio Serra
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Raimundo
Fagner |
Músico afirma que baixa "um pouquinho" a qualidade para
atrair grandes plateias
No novo CD "Uma Canção no Rádio", Fagner assina só 2 das 10 faixas; prefere
se dedicar a "cantar bonito", em fórmula popular-romântica
MARCUS PRETO
DA REPORTAGEM LOCAL
"Está faltando homem que cante bonito." Grave, quase soturna, a frase veio
do Ceará, por telefone. Do outro lado da linha estava Raimundo Fagner, 59, e
seu vozeirão, que pareciam ter acabado de sair da cama.
Autor de clássicos incontestáveis como "Mucuripe" e
"Canteiros", ele tem composto pouco. Prefere cantar -bonito- as músicas dos
outros. É basicamente o que faz em "Uma Canção no Rádio", que acaba de
lançar. Das dez faixas do álbum, apenas duas -parcerias com Chico César e
Fausto Nilo- levam sua assinatura.
"Ninguém recusa uma voz que venha com beleza. Está aí esse
horror de mulher cantando porque, apesar de tudo, elas têm certa doçura na
voz", diz. "Tem artista famoso que se sustenta há anos na parada de sucesso
por causa de produção, tecnologia, modernidade, uma série de outras coisas.
Mas voz que é bom você não identifica."
"Povão"
O título do álbum novo não tenta esconder: Fagner se
orgulha de ser popular. Se isso nem sempre foi assim (quem duvida que trate
de ouvir o experimental -e arrebatador- "Orós", gravado por ele em 1977),
assim ficou desde que Roberto Carlos lhe deu a dica.
Fagner conta que, na virada para os anos 80, encontrou
Roberto em Miami e foi puxado para um canto: "Bicho, suas músicas são boas,
mas quando é que você vai cantar para o povão?". A pergunta ecoou em sua
cabeça como um sino de igreja. "O que fiz [a partir de então] foi baixar um
pouquinho a qualidade. Diminuir um pouquinho a intensidade da inteligência",
diz. "Para o grande público não precisa inteligência demais. E ficar todo o
tempo cantando só para público cabeça cansa, cai o cabelo.
Se você tem capacidade, consegue fazer para os dois [tipos
de público]." Graças a essa ideologia, tem lotado todos os seus shows desde
então, onde quer que os faça. E enche a boca para dizer que nunca precisou
usar leis de incentivo para mantê-los assim.
Defende que artistas consagrados como ele não deveriam
usar esse tipo de recurso, pois estariam tirando o benefício dos novatos,
que poderiam precisar mais. Usa Caetano Veloso, seu eterno desafeto
predileto, como exemplo. "Caetano está fazendo um show experimental, do
disco novo. Fazer show experimental usando lei é uma mamata", ataca. "Mas
esse pessoal aí só vive de lei. Desde que botaram o ministro lá, usam lei
adoidado. É o que eu chamo de "uma mão suja a outra"."
Ainda que traga lampejos políticos -como a faixa
"Martelo", que conta com a participação de Gabriel, o Pensador-, "Uma Canção
no Rádio" é um disco de amor. O conceito "música de protesto" saiu de moda?
Fagner afirma que sim. "Esse discurso ficou datado. Poucas vezes eu fui
censurado nem por isso sou um alienado. Por formação, uso a arte na forma de
música romântica."
UMA CANÇÃO NO RÁDIO
Artista: Fagner
Gravadora: Som Livre
Quanto: R$ 26, em média
(©
Folha de S. Paulo)
Roberta Pennafort, RIO
Gonzaguinha está no centro do palco e puxa o pai pela mão. Gonzagão entra e
solta o vozeirão para cantar Légua Tirana, parceria sua com Humberto
Teixeira. O filho fica de lado, acompanhando, com expressão de admiração e
ternura. A cena é linda, e as que se seguirão são ainda mais: os dois, que
sempre tiveram uma relação extremamente difícil, dividindo músicas, de mãos
dadas, dançando, se abraçando, se acarinhando. O reencontro familiar, que
pouco depois iria se consolidar na turnê conjunta Vida de Viajante, é o
ponto alto do DVD Luiz Gonzaga do Nascimento Junior, programa da série
Grandes Nomes, da TV Globo.
Gravado em 1981, no auge do sucesso e prestígio de Gonzaguinha, foi
remixado, teve as imagens restauradas e está sendo lançado pela EMI e a
Globo Marcas - a Trama já havia lançado Elis Regina Carvalho Costa, Rita Lee
Jones e Paulo Cesar Baptista de Faria (Paulinho da Viola). A série fez
grande sucesso. À época, o elenco da Globo disputava convites para assistir
aos maiores artistas da MPB cantarem seus hits. Com roteiro coassinado por
Gonzaguinha, o especial foi dirigido por Daniel Filho e teve produção e
direção de Guto Graça Mello.
Já faz 28 anos, e Graça Mello não se recorda de muita coisa da experiência.
Mas uma lembrança ficou: a da reaproximação de pai e filho, ali, no palco do
Teatro Fênix. "Foi bonito ver aquilo, emocionante. Gonzaguinha sabia que o
pai ia, mas havia uma tensão. Ele só chegou na hora. O Luiz Gonzaga estava
muito tenso, suando. Dali eles foram conversar no camarim", rememora o
produtor.
Wagner Tiso foi convidado pelo amigo Gonzaguinha - tocou com sua banda, Jota
Moraes, Frederico Oliveira, João Cortez, Paulo Maranhão, Ary Pissarolo,
Pascoal Meirelles -, e também ficou comovido. "Gonzaguinha estava muito
entusiasmado; cantar com o pai foi uma felicidade. Ele tinha adoração pelo
Gonzagão."
Depois de Légua Tirana, Gonzaguinha passa a mão em sua cabeça e canta,
olhando em seus olhos, Eu Apenas Queria Que Você Soubesse - um momento
tocante: "Eu apenas queria que você soubesse/ Que aquela alegria ainda está
comigo/ E que a minha ternura não ficou na estrada/ Não ficou no tempo presa
na poeira." Em seguida, os dois apresentam juntos Vida de Viajante
(Gonzagão/Hervê Cordovil).
Eles estão vestidos de forma parecida: blusa social aberta até o peito e
calça social (o pai não está com o chapéu de couro nem carrega a inseparável
sanfona).
O pernambucano Gonzagão morreria em 1989, aos 77 anos; o carioca
Gonzaguinha, dois anos depois, aos 46, num acidente de carro. A origem dos
problemas entre os dois estava na ausência, desde cedo, do pai, que viajava
o País fazendo shows. Gonzaguinha foi criado pelos padrinhos, Dina e Xavier,
no Morro de São Carlos (a mãe morrera quando ele tinha apenas 2 anos). Havia
também a dúvida sobre sua paternidade, jamais dirimida.
No DVD, está o Gonzaguinha rasga-coração de canções como Não Dá Mais pra
Segurar (Explode Coração), que abre o show, Começaria Tudo Outra Vez, que
fecha, Ponto de Interrogação e Sangrando.
O Gonzaguinha político, de Fala Brasil, E Vamos à Luta (as duas com
participação do sambista Roberto Ribeiro, também falecido), Achados e
Perdidos, Pequena Memória para Um Tempo Sem Memória, A Cidade Contra o Crime
e Pacato Cidadão predomina. Dois números, com Simone e As Frenéticas,
ficaram de fora por questões jurídicas.
Para os fãs, que seguem ouvindo seus discos e se contentam com homenagens
aqui e ali, é pena que acabe logo (são só 45 minutos, 19 músicas) e não tem
extras. Vale seu apelo no fim: "Por favor, eu só peço que vocês que gostam
de mim, assim como eu aprendi a gostar de mim, assim como nós devemos
aprender a nos gostar e nos respeitar, me ajudem no sentido de que eu não
perca jamais aquela sujeira da minha simplicidade."
(©
Estadão)
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