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03/08/2001

Lenine vai atrás da beleza

Toni Marques
Correspondente NOVA YORK

   Segundo o músico americano Will Calhoun, “a cultura brasileira é muito forte, mas também é aberta, muito convidativa. Não é defensiva”. São palavras de um fã transformado em parceiro de Lenine. Baterista do grupo Living Colour, ele gravou esta semana três faixas do novo disco do brasileiro, “Falange canibal”. Na abertura da música de Lenine, estão Calhoun e o reagrupado Living Colour, que deverá se apresentar no Brasil em janeiro do ano que vem, e ainda Ani diFranco e Steve Turre; Regis Gizavo, Richard Bona, e Fabulous Trobadors; e Dudu Falcão, Bráulio Tavares, Lula Queiroga, Carlos Rennó, Sérgio Natureza e Paulo Sergio Pinheiro. A abertura é tamanha, que Lenine ainda não sabe quantas canções entrarão em seu quinto disco, “que é para ontem”.

   — Fui o Frankenstein, botando no computador as canções, e agora estou no Ivo Pitanguy — disse Lenine ao GLOBO na última terça-feira, antes de mais uma sessão com Calhoun num estúdio do SoHo, em Nova York. — Essas pessoas todas estão me ajudando a procurar beleza.

   Sua idéia, antes de viabilizar o encontro de amigos em Nova York, era gravar as bases do disco em Moscou, com a banda Farlanders participando da faixa “Encantamento”, composta depois que ele ouviu o som dela e o apresentou ao parceiro Sérgio Natureza. Para ele, Farlanders tem um trabalho muito familiar, aparentado da música brasileira, e foi apenas por questão de agenda que a Rússia não entrou no esquadrão sonoro de Lenine, que tem França, Madagascar, Camarões e Estados Unidos, além do Brasil.

   O diálogo com tão distintos parceiros se dá, é claro, pelas afinidades que ele tem com cada um — “são todos músicos, antes de qualquer outra coisa”, diz — mas Lenine percebe mais um encontro de semelhantes que um amálgama de diferenças. Recusa a concepção modernista de canibalismo cultural para explicar o porquê do título: “Falange canibal” era como ele e amigos se denominavam tocando em festas no Rio. Tem a ver com paixão pelos amigos, e não com a incorporação da virtude dos inimigos.

   — Termino achando que não é diferente — diz, relacionando sua música e a de seus convidados, para acrescentar em tom maroto: — Procurando, a gente acha argumentos para qualquer coisa.

   Gizavo, Bona, os Trobadors e Ani são artistas com quem ele já dividiu o palco, no Brasil ou nos EUA. Turre entrou no seu repertório de afinidades quando da mixagem do disco “Olho de peixe”, também em Nova York. Já Will Calhoun e por extensão o Living Colour são parceiros que se namoram desde que Calhoun conheceu o trabalho de Lenine com Marco Suzano e, no Brasil, fez uma viagem que culminou em Recife, onde ele rodou um documentário sobre maracatu.

   — Sempre quis conhecê-lo e trabalhar com ele — disse Calhoun. — Lenine faz uma música que é orgânica.

   O baterista do Living Colour chamou-o para participar da turnê brasileira. Lenine tanto poderá participar como convidado quanto se apresentar com banda.

   — Tenho de fazer também um disco acústico — Calhoun acrescentou — e quero ver se, depois dos shows no Brasil, fico mais duas semanas lá para gravar com ele. Ou, se der tempo, chegarei antes do Living Colour e trabalharemos até a turnê começar.

   Calhoun compara a música brasileira como um todo à água, completando a descrição da força e da permeabilidade da cultura que conheceu num percurso iniciado em São Paulo e encerrado no Nordeste:

   — O Brasil é um país muito aberto no que diz respeito à música. Entretanto tem um sabor distinto , como o da água. Você pode botar açúcar, sal, gelo, álcool. Mas a água sempre vai estar ali, você vai sentir isso.

   Ele acredita que a melhor música “se liberta dos muros que a aprisionam, tenham estes o nome de rock, hip hop ou jazz”. O mesmo vale para a eletrônica — ele lançou, com o baixista Doug Wimbish, também do Living Colour, e o percussionista e vocalista Vinx, o CD de drum’n’bass “Jungle funk”, que é também world music e pop. Se um garoto brasileiro passa a gostar de samba por causa de um DJ francês, isto é bom para o garoto e melhor ainda para o samba. A melhor música não tem território mas precisa sempre de embaixadores, e Lenine está viajando com eles. (O GLOBO)


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