09/08/2001
Compositor revela que cedeu
parcerias de canções a Luís Gonzaga
Aos 82 anos, Nelson Valença, o mais
antigo parceiro vivo de Luís Gonzaga, relembra o seu encontro com o Rei do Baião. E
revela, sem mágoa, que as composições assinadas pela dupla são, na verdade, de sua
única autoria.
Entrevista a Marcos Cirano e Carlos Sinésio
P - O senhor começou a compor com que idade?
NV - Com 17 anos, mais ou menos. Eu não sabia música, não sabia nem o que era um tom
maior, um tom menor, não sabia nada disso.
P - Foi influenciado por alguém?
NV - Eu comecei a fazer na época de um cantor que estava em evidência aqui na nossa
região e no Brasil todo, que era Augusto Calheiros. E eu, quando rapazinho, cantava as
músicas dele. Aí comecei a fazer músicas, mas eu não tinha coragem de mostrar a
ninguém. Ninguém sabia, nem aqui em casa, porque eu não acreditava muito nas minhas
músicas.
P - E quando foi que o senhor conheceu Luiz Gonzaga?
NV - Ele passou por aqui uma vez, passeou pela cidade, encontrou um rapaz que trabalhava
na rádio (Rádio Difusora de Pesqueira), conversou com ele, disse que estava sem
compositor, aí o rapaz disse: "pois eu conheço uma pessoa aqui que faz
músicas..." Mas eu não fazia baião; fazia samba-canção, valsas, que era o que se
tocava no tempo em que eu comecei a compor. E ele andou me procurando. Eu dava aulas de
matemática no colégio. Aí, ele foi lá, eu não estava. Veio aqui em casa, eu não
estava. Aí ele me encontrou no Clube 50. Aí eu disse: bem, eu nunca fiz baião, não,
mas... Ele disse: "Faça, que eu vou passar aqui tal dia..."
P - Isso foi em que época?
NV - O ano eu não me lembro, não. Sei que ele tava na campanha de Ermírio de Morais
(NR. Foi em 1970, quando José Ermírio de Morais disputou e perdeu a eleição ao Senado
Federal por Pernambuco). Aí, eu fiz cinco músicas, gravei numa fita e deixei aí. Quando
ele passou, tava lá embaixo no coreto, gente como o diabo, discursos, aquele comício.
Aí eu disse: eu vou descer pra entregar essas músicas a Luiz Gonzaga. Mas, quando eu
cheguei lá, eu não tive coragem, era tanta gente, tão difícil, né! Aí eu disse: eu
vou desistir. Aí um amigo meu falou com Luiz Gonzaga e ele disse: "Diga a ele que
vá me esperar lá na casa do prefeito". Eu fui. Aí, Luiz Neves (o prefeito) abriu
lá um quarto que não tinha ninguém e entrou eu e ele (Gonzaga) e estava também
Eurivaldo Jatobá (músico e professor de violão conhecido por Eurivinha). Aí eu cantei
três músicas, eu tinha cinco mas só mostrei três: "Coronel Pedro do Norte",
"Lulu Vaqueiro" e "O Urubu é um Triste". Aí Luiz Gonzaga disse:
"Eu vou gravar essas músicas, eu vou gravar todas três". No início, eu estava
pensando que ele tava me gozando. Mas, ele tava dizendo de verdade, mesmo. Quando eu saí,
o prefeito veio falar comigo e disse: "Eu não disse a você?!" Sei que depois,
uma tarde, eu tava aqui em casa meio adoentado (na minha juventude eu tive uma enxaqueca
de lascar), aí um rapaz conhecido meu que trabalhava no cinema me telefonou e disse que a
revista Veja trazia uma reportagem com Luiz Gonzaga onde ele falava das minhas músicas,
que tinha encontrado um compositor em Pesqueira e outras coisas lá. (NR: As três
composições de Nelson Valença fazem parte do LP lançado por Luiz Gonzaga em 1971).
P - Depois desse primeiro encontro com Luiz Gonzaga,
como foram seus contatos com o Rei do Baião?
NV - Aí ele ficou vindo sempre. Toda vez que ele passava pra Exu, ele vinha aqui em casa.
Ele até me levou para o Rio de Janeiro, eu passei nem sei direito quanto tempo lá, acho
que uns dois meses. Ele me levou...levou não, eu fui por minha conta, ele queria que eu
fosse. Eu fui de avião, cheguei lá e ele não queria que eu voltasse de jeito nenhum.
Disse que era pra eu ficar, que ele arranjava um emprego pra mim na televisão (porque eu
sou produtor, fui produtor de rádio, tinha facilidade de escrever). Ele disse: "Eu
arranjo um emprego pra você na televisão, você fica compondo, eu gravando, eu mando
buscar sua família..." Aí eu disse: Luiz... engraçado que nessa época eu gostava
muito mais de caçar do que de música, eu fazia música sem nenhuma pretensão... eu
perguntei: Luiz, aonde é que a gente mata lambu aqui? Ele disse: "Aqui, ninguém
mata, não". Aí, eu disse: ah, então eu vou é embora! Ele ainda disse: "Esse
matuto dá um trabalho danado; você fica aqui, você vai ser conhecido..." Eu disse:
olhe, eu não quero ficar, não. Ele queria pagar minha passagem de volta, mas eu não
quis, paguei a ida e paguei a volta. E vim embora.
P - Nunca mais o senhor quis saber do Rio de Janeiro?
NV - Não, eu fui ao Rio duas vezes. Fui só, fui muito bem tratado lá. Luiz Gonzaga era
uma pessoa muito boa, ajudava muita gente, ele era um sujeito muito caridoso. A mim ele
só reclamava de uma coisa: "Olhe, eu comprei leite, porque aqui nós não tomamos
leite, e você nunca abriu o refrigerador. Ele morava num apartamento muito bom, que era
do filho, Gonzaguinha, na Ilha do Governador. Ele fazia muita caridade. Eu levei uma bolsa
de queijo e outra de doce de Pesqueira. Eu com vergonha de mostrar, mas você não queira
saber como o presente foi valorizado! A mulher de Luiz Gonzaga gostou tanto que passou a
guardar o doce e o queijo no quarto dela, para as empregadas não comerem tudo.
P - Depois dessas primeiras músicas suas, quais foram
as próximas que Luiz Gonzaga gravou?
NV - Foi num disco dele que tem cinco músicas minhas (NR: LP 1973): "Catarino",
"Juvina", "O Bom Improvisador", "Mulher de Hoje" e "O
Fole Roncou". Todas essas cinco músicas eu compus sozinho, mas ele pediu pra botar o
nome dele, disse: "olhe, eu tô um tempo aí sem compor nada, você se importa?"
Eu disse: não, tudo bem. Ele até disse pra um camarada lá que era pra botar o meu nome
na frente, disse: "Bote assim: Nelson Valença e Luiz Gonzaga, porque nessas eu
entrei pela janela". Eu nunca liguei pra isso, não, mas as músicas são só minhas,
mesmo.
Seu professor de música foi um sapateiro
Filho de uma família classe média
(seu pai foi prefeito do município de São Bento do Una por duas vezes), Nelson Valença
nasceu a 22 de agosto de 1919, em Pesqueira, agreste de Pernambuco. Como alguns dos seus
dez irmãos, tinha uma certa queda pela música e na adolescência decidiu ser cantor,
embalado pelas canções de Augusto Calheiros (seu maior ídolo) que ouvia no rádio.
Mas a carreira do intérprete Nelson Valença não iria muito longe. Depois
de animar festas na sua cidade e de participar, no Recife, de alguns programas de rádio,
uma cirurgia na garganta frustrou os seus planos. Naquela época, ele já escrevia algumas
canções (que, por vergonha, não mostrava a ninguém) e, para conservar sua paixão pela
música, só lhe restou uma opção: seguir compondo.
E foi exatamente o que fez. Hoje, aos 82
anos de idade, Nelson Valença é autor de mais de 200 canções, uma dezena delas
transformadas em grandes sucessos nas vozes de Luiz Gonzaga, Baby Consuelo e outros astros
da música brasileira. Arranjador, maestro e professor aposentado, um detalhe interessante
é que seu Nelson nunca frequentou uma escola de música.
É ele quem conta: "Meu único professor foi Balbino Mendes, um
sapateiro que tocava na banda de São Bento, a quem eu pedi e ele me ensinou umas oito
lições de música. Depois, eu continuei estudando sozinho, a maioria das vezes em
quartos de hotel aqui em Pesqueira, em Caruaru e em outras cidades onde morei durante
minha trajetória em busca de trabalho."
Viúvo, dois filhos e alguns netos, Nelson Valença já ganhou dinheiro com
suas canções ("comprei até um carro"), mas diz nunca ter encarado a música
como uma atividade profissional. "Nunca levei a música a sério, sempre ganhei a
vida trabalhando em outras coisas". Alguns exemplos: ele foi bancário, caixa da
Fábrica Peixe, professor colegial e produtor de rádio.
O compositor desconhecido (ou famoso apenas entre os seus conterrâneos)
começou ganhar notoriedade em 1971, quando Luiz Gonzaga incluiu no seu disco anual três
composições de autoria de Valença: "Coronel Pedro do Norte", "Lulu
Vaqueiro" e "O Urubu é um Triste". Novas gravações viriam depois mas,
nem por isso, ele quis seguir a carreira artística.
Após duas passagens pelo Rio de Janeiro, onde permaneceu pouco mais de dois meses,
retornou à Pesqueira (onde mora até hoje) e prosseguiu sua carreira de compositor e
animador cultural interiorano. Sua composição de maior sucesso ("O Fole
Roncou"), depois de lançada por Luiz Gonzaga, já teve cerca de trinta novas
gravações, inclusive em inglês.
Mas, ainda assim, ele continua afirmando: "música, para mim, é apenas
um grande prazer". Por nunca querer deixar Pernambuco para procurar a fama no eixo
Rio-São Paulo, certa ocasião Nelson Valença ouviu de um amigo: "desse jeito, você
vai morrer desconhecido". O compositor respondeu: "ora, pra morrer, não faz
diferença se o sujeito é conhecido ou não". (PERNAMBUCO DE A/Z)
Com relação a este tema, veja
também:
Site
PERNAMBUCO DE A/Z na seção MÍDIA - Jornais e Revistas
Sites de Luiz Gonzaga e outros artistas nordestinos na seção
MÚSICA (ELES) |
|