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13/08/2001 Josué de Castro mostra o paradoxo mais gritante e obsceno do país(GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS) Não há
entre nós assunto mais baixo astral do que a fome. A miséria da fome. É o paradoxo mais
gritante e mais obsceno da civilização brasileira. Médico, marxista, terceiro-mundista, filiado ao PTB vargojanguista, perseguido pelo golpe de 64, Josué de Castro nasceu no Recife, "Hong Kong da América com sua miséria acumulada", escreve neste livro memorialístico e romanceado sobre a promiscuidade dos homens e caranguejos passando fome na lama dos mangues: um engolindo o outro. Parafraseando a linguagem dos sociólogos e economistas, Castro fala em "ciclo do caranguejo" ou em "sociedade dos caranguejos". Mocambos. Polis dos mocambos. Vindo de família abastada, o Engels de Pernambuco, que em 1935 escreveu "As Condições de Vida das Classes Operárias do Recife", conceitua a fome pelo ângulo da qualidade, ou seja: a carência dos alimentos indispensáveis ao equilíbrio da saúde. Não é a falta de alimento que leva o indivíduo à morte. Nesse sentido a totalidade da sociedade no Brasil é marcada pela condição esfomeada. Foi nos mangues do rio Capibaribe que Castro tomou consciência do drama da fome, que é uma praga criada pelos homens e cujas raízes encontram-se no processo da colonização, de modo que o colonialismo é que engendra o fenômeno da fome: latifúndio, monocultura e mercado externo. A forte impregnação visual e aderência à geografia tem a sua explicação biográfica nesta narrativa dos anos de infância de Castro: "Foi o rio o meu primeiro professor de história do Nordeste, da história desta terra quase sem história. A verdade é que a história dos homens do Nordeste me entrou muito mais pelos olhos do que pelos ouvidos". O autor sublinha que compreendeu a angústia da fome, não na Sorbonne parisiense, mas nos mangues e bairros inóspitos do Recife. Pobres coitados alimentados com caranguejo e farinha de mandioca. Mais nada. Nesse livro aparece a grande loucura da sociedade brasileira, loucura que nos persegue ainda hoje: um povo faminto que não sabe de onde vem a fome e quer ocultá-la ou senão disfarçá-la. E mais: os alimentados não entendem os famintos e vice-versa. E mais: o chamado público letrado não aprecia os intelectuais e artistas que denunciam a irracionalidade da fome popular brasileira. (Folha de S. Paulo) Homens e Caranguejos Com relação a este tema, veja também:
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