15/08/2001
Baú de ex-mulher revela o poeta Jorge
Amado
Folha localiza no Rio um livro de
versos escrito a mão que o autor dedicou, em 1933, a Matilde Garcia Rosa, com quem foi
casado por 11 anos
CYNARA MENEZES
ENVIADA ESPECIAL AO RIO
Uma parte da biografia do escritor baiano Jorge
Amado, morto há uma semana aos 88 anos, não ficou nem na casa do Rio Vermelho, onde
morou com Zélia Gattai por mais de 30 anos, nem na fundação que leva o seu nome, em
Salvador.
A Folha localizou no Rio os familiares de Matilde
Garcia Rosa, a primeira mulher do escritor, morta em 1986, e descobriu uma relíquia: um
livro de versos escrito à mão por Amado em homenagem àquela que se tornaria mãe de sua
primeira filha, Lila. Com Zélia, o escritor teria outros dois filhos, João Jorge e
Paloma.
Mais do que o valor estritamente literário dos
poemas de juventude, porém, a descoberta do livro tem a virtude de lançar alguma luz
sobre um período desconhecido da vida do escritor: os 11 anos -entre 1933 e 1944- em que
esteve casado com Matilde.
Nos pertences da primeira mulher de Amado também
aparecem fotos da filha do casal, nascida em 1935 e que recebeu o nome da mãe do
escritor, Eulália. Lila, como era chamada, morreu aos 15 anos -segundo a família,
vítima de leucemia.
Jorge e Matilde se conheceram bem jovens. Ele tinha
21 anos, ela, 17. "Minha avó contava que eles tiveram de fugir para se casar, porque
meu avô era contra", conta o sobrinho de Matilde, Osiris Garcia Rosa, que herdou a
casa na Urca, zona sul do Rio, onde morou o casal, e, junto com ela, alguns documentos,
fotos e o livro.
Osiris nasceu na casa de quatro quartos onde moravam
Jorge, Matilde, os pais e a irmã dela, Ivone, com o marido (pais de Osiris). Em uma das
poucas menções que faz à primeira mulher em suas memórias, no livro "Navegação
de Cabotagem", Jorge Amado conta que a casa da Urca também serviu algumas vezes de
refúgio para os amigos comunistas.
Sobre a filha, diz apenas: "Mal a conheci, não
houve tempo e ocasião". Quando Lila nasceu, os avós dela construíram para a
família Amado uma casinha nos fundos da propriedade.
Muita coisa se perdeu das lembranças de Matilde, mas
foi preservado o manuscrito intitulado "Cancioneiro", com pequenos poemas que
Amado dedicou à então pretendente. São poemas juvenis e apaixonados, divididos em 14
capítulos e com os textos escritos sempre ao pé das páginas, em caligrafia caprichada.
A sensualidade característica no escritor já está
presente nas declarações de amor que Amado, então com 21 anos, faz a Matilde:
"Vejo os teus seios pequenos de menina", escreve. Ou: "Eu gosto de ti por
interesse /para possuir o dote do teu corpo".
Sedutor, mostra saber também ser romântico: "O
teu beijo purifica os meus lábios", diz, no capítulo intitulado
"Purificação". Em "Poesia", escreve: "A poesia vem de ti".
No final, chama: "Companheira: Vem/ eu te amo".
Não foi um livro feito para posterior publicação. Nas primeiras páginas, Jorge Amado
escreve que é uma edição "de um único exemplar manuscrito", que dedica a
Matilde Garcia Rosa. À guisa de esclarecimento, diz também que havia sido feito para ser
lido "unicamente" por ela, "em honra de um grande e puro amor".
Durante o tempo em que estiveram juntos, Amado
publicou alguns romances importantes, como "Cacau" (1933), "Jubiabá"
(1935), "Mar Morto" (1936) e "Capitães da Areia" (1937). A fase mais
politizada se intensificaria depois da separação, já com Zélia.
Matilde não se casou novamente, e, após a morte da
filha do casal, só voltou a ter algum contato com o escritor em 1978, durante o processo
de divórcio que possibilitou a Jorge e Zélia oficializarem sua união. Na época, chegou
a dar uma entrevista ao extinto jornal "Última Hora", na qual mostrava certo
ressentimento em relação à separação, mas tudo acabou sendo feito amigavelmente.
Na entrevista, a mãe dela, Dalila, criticava Jorge
Amado porque não teria comparecido ao enterro da filha. A menina morreu em 1950, dois
anos depois de Amado, eleito deputado federal pelo PCB, ser cassado e ter ido viver na
Europa, primeiro na França e depois na então Tchecoslováquia.
A família de Matilde diz que não pretende doar o manuscrito ou os outros documentos para
a Fundação Casa de Jorge Amado, que reúne a maioria dos originais do escritor. Mas não
descarta que a relíquia se torne atração de um futuro leilão, a exemplo do que vem
acontecendo com manuscritos deixados por autores famosos. (Folha de S. Paulo)
Autor
não tem biografia completa DA ENVIADA ESPECIAL
Ainda não existe uma
biografia definitiva sobre Jorge Amado. Sua vida pessoal é conhecida apenas a partir de
1945, quando passa a morar com Zélia Gattai.
Em muitos dos
trabalhos publicados até agora sobre ele, não há detalhes sobre o período anterior,
quando já era um escritor famoso, a partir de 1935. Os 56 anos de vida em comum com
Zélia foram descritos pelo próprio casal em obras como "Navegação de
Cabotagem" (Amado) ou "A Casa do Rio Vermelho" (Zélia Gattai).
Mas, mesmo nas
cronologias dedicadas ao escritor, muitas vezes o nome da filha Lila nem chega a ser
mencionado. Matilde aparece apenas como a primeira mulher, com quem se casou em 1933 e de
quem se separou em 1944. Na biografia dedicada ao escritor no site da Fundação Casa de
Jorge Amado, nenhuma das duas é citada e há um salto de dez anos no tempo.
Já na página dedicada a Zélia aparecem os nomes de seu primeiro marido, Aldo Veiga, e
de seu primeiro filho, Luis Carlos -ela era casada quando conheceu Jorge, em um Congresso
de Escritores, em 1945.
Entre os poucos
trabalhos biográficos publicados sobre o autor baiano está "Jorge Amado: Retrato
Incompleto", de Itazil Benício dos Santos, esgotado nas livrarias e que, como o nome
já diz, tampouco é definitivo.
No exterior, há
pequenos ensaios, como "Jorge Amado", de Bobby J. Chamberlain, ou "Jorge
Amado: O Homem e a Obra", de Álvaro Salema (Portugal). Está prevista para fevereiro
de 2002 a publicação de uma biografia de Amado pelo tradutor e especialista em
literatura latino-americana Thomas Colchie. (CM) (Folha
de S. Paulo)
POEMA INÉDITO
"Meus olhos vêem no copo de whisky a tua miragem
Quando virás derramar a taça de whisky e me dar o vinho bom dos teus lábios e o gosto
saboroso do teu corpo?"
"Bar", do livro "Cancioneiro", dedicado por Jorge Amado à sua
primeira mulher, Matilde Garcia Rosa (Folha de S. Paulo) |
Com relação a este tema, veja também:
Veja sites da Casa de JORGE AMADO e
de outros escritores nordestinos, inclusive Cordel, na seção LITERATURA |
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