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27/08/2001

ABL: um chá com sabor de pimenta

Flávia Varella

Na caricatura de Dálcio, Joel Silveira e Zélia Gattai lutam pelo fardão da Academia, enquanto João Ubaldo Ribeiro, Lêdo Ivo, José Sarney e Lygia Fagundes Telles assistem

Viúva de Jorge Amado deve suceder a ele como imortal. Mas nem todo mundo gosta da idéia

   Desde a introdução do suflê de goiabada diet no cardápio de seu chá das quintas-feiras, os imortais da Academia Brasileira de Letras não se empolgavam tanto na discussão de um assunto. A questão é: quem vai suceder a Jorge Amado, morto no começo do mês? A cadeira vaga, a de número 23, é uma das mais nobres da instituição. Não houvesse ela sido ocupada até agora pelo popularíssimo e renomado Jorge, ainda seria preciso levar em conta outros antecedentes: seu patrono é José de Alencar e o primeiro ocupante foi ninguém menos que Machado de Assis, o maior escritor brasileiro. No fundo de cada coração imortal, calava o desejo de assentar ali uma figura de peso da literatura contemporânea. Fernando Sabino, Rubem Fonseca, Dalton Trevisan e Moacyr Scliar eram alguns dos autores sonhados. Os candidatos que se apresentaram, no entanto, são de estirpe bem diferente. Primeiro veio Paulo Coelho, o ex-mago que resolveu aspirar à respeitabilidade literária. Em seguida, o apresentador Jô Soares anunciou suas pretensões na televisão, durante um diálogo constrangedor com a imortal Nélida Piñon. Tendo os dois desistido da idéia, quem se apresentou em seguida foi Zélia Gattai. Uma candidatura inatacável, à primeira vista. Ela foi a companheira inseparável de Jorge Amado e, caso seja eleita, será a primeira viúva a suceder ao marido. Durante alguns dias, tudo pareceu estar resolvido. Até que o jornalista Joel Silveira, de 82 anos, lançou-se às armas. "Zélia não quer ser eleita, quer ser aclamada", fuzila Silveira. "Sua arrogância, como se tivesse herdado a cadeira por direito divino, irritou-me tanto que me tornei candidato." Além da goiabada diet, o chá das quintas ganhou uma boa pimenta.

   Ex-correspondente de guerra e autor de 38 livros, entre os quais o volume de memórias Na Fogueira (1998), Silveira não está sozinho em sua candidatura. "Isto aqui não é capitania hereditária nem condomínio de viúvas", esbraveja Lêdo Ivo, um dos poucos acadêmicos que revelam abertamente sua opinião. O que incomoda os simpatizantes de Silveira é o ar de chantagem emocional da candidatura Zélia. Votar nela teria se tornado, mais do que uma escolha, uma maneira de homenagear Jorge Amado. Não votar nela seria uma espécie de ofensa. "Acho até que ela vai ganhar, mas será nesse clima de tributo ao marido", diz Carlos Heitor Cony, que se declara eleitor da escritora. Outra eleitora de Zélia que preferiria vê-la concorrer em ocasião menos delicada é a ex-presidente da Academia Nélida Piñon. "Se ela vencer, vai ficar parecendo que não é por mérito, mas por sucessão", lamenta Nélida.

   A própria Zélia já identificou o problema. Na primeira entrevista que deu como candidata, tratou logo de afirmar que só se sentiria confortável se fosse escolhida com base em sua trajetória de escritora. Essa trajetória, diga-se de passagem, não é nem muito melhor nem muito pior do que a de boa parte dos imortais – entre eles, lembremos, há personagens como Ivo Pitanguy, que como escritor é um ótimo cirurgião plástico, ou o ilustre desconhecido Tarcísio Padilha. Zélia é autora de doze livros publicados e mais um escrito, pronto para edição. Sua obra mais conhecida é Anarquistas Graças a Deus, transformada em minissérie pela Rede Globo no começo dos anos 80. Recentemente, ela voltou a freqüentar as listas de mais vendidos com outro volume de memórias, Città di Roma. Sem ir tão longe quanto Joel Silveira, que qualificou a autora de "subliterata de terceira categoria", pode-se dizer com tranqüilidade que a literatura de Zélia é simpática – e nada mais.

   No final da semana passada, a quatro meses da votação, uma enquete entre os imortais dava a Joel Silveira cerca de 10 votos, num total de 39. Ao mesmo tempo, corria a notícia de que o ex-ministro da Educação Eduardo Portella, patrono da candidatura de Zélia, controlava o voto da metade de seus confrades. "Cada um é dono de sua cédula", desconversava ele. "Isto aqui é uma casa de vedetes." Mas, seja qual for o resultado do pleito, quem se importa de verdade, além dos imortais e daqueles que cobiçam uma cadeira na vetusta instituição? Há muito tempo a Academia Brasileira de Letras não produz nada de relevância cultural. Gera no máximo algumas fofocas curiosas, como a atual. E mesmo assim só de vez em quando. (VEJA)

Jeff, o amigo do príncipe, quer ser imortal

Maria Elisa Franco/AE ‘QUEM É ELE, AFINAL?’: nem Stanislaw Ponte Preta, autor da pergunta e de orelhas de dois dos seis livros de Jeff Thomas, soube responder

Escritor, ex-colunista social, ex-bicão internacional ,que se diz íntimo de Charles, o de Gales, Jeff Thomas, ou Francisco de Assis Vera, quer a vaga de Jorge Amado na ABL

   O anglo-potiguar Jeff Thomas tem seis livros publicados, idade declarada de 61 anos, veste-se com apuro, mora em Copacabana e alimenta dois sonhos: morar em Londres e garantir a imortalidade.

   São dois desejos de realização difícil, mas Jeff é persistente. Conhece a sede da Coroa Britância tão bem quanto o bairro carioca onde vive há 40 anos, declara cultivar amizades com a nobreza e falar inglês como o príncipe de Gales - com quem, garante, costuma bater papo enquanto enxugam copos de gin tônica.

   Persegue o segundo desejo com a mesma pertinácia. Pela quarta vez, é candidato ao fardão dos imortais na Academia Brasileira de Letras, à vaga de Jorge Amado.

   No último dia 16, Jeff encaminhou a Tarcísio Padilha, presidente da ABL, uma carta formalizando sua candidatura à cadeira 23, lembrando que o jornalista e escritor Austregésilo de Athayde comparou a "literatura thomasina" (a de Jeff Thomas, claro) aos livros de outro acadêmico, o francês Marcel Proust.

Uma beer na pérgula

   Encontrar Jeff não é difícil. Pode ser visto quase diariamente na pérgula do Copacabana Palace, e não há como não identificá-lo. No início da tarde da quarta-feira passada, lá estava ele, cigarro Benson&Hedges entre os dedos, vestindo um terno inglês com gravata amarela escocesa.

   "How are you? Let's drink a beer?", disse, tão logo avistou o repórter.

   Jeff Thomas é Francisco de Assis Veras, nascido no Rio Grande do Norte. É ou declara ser, porque, aos 21 anos, diz ter enterrado o passado, renascido em Londres e se rebatizado com o nome invertido de Thomas Jefferson.

   Nessa idade debutou no jornal carioca A Vanguarda, como colunista social inspirado no jornalista Jacinto de Thormes, pseudônimo de Manuel Bernardez Muller, que, com ar de nobreza, dizia-se primo da rainha Elizabeth. Passou depois para A Revista da Semana e em seguida para Rio, uma revista de elite criada por Roberto Marinho.

   Começava ali uma carreira calcada em coquetéis, jantares de gala e importantes amizades. Uma delas, com o embaixador Hugo Goutier, o levaria a Londres, sua maior paixão, onde passou um ano e voltou com um livro pronto.

   Europa sem Vintém, publicado em 1961, é um diário de viagem no qual Jeff conta como se tornou um bicão internacional, freqüentador de salões aristocráticos e recepções diplomáticas sem levar a mão ao bolso uma única vez. "Aristocrata não pega em dinheiro", conta rindo.

   A obra tem a orelha assinada pelo humorista Stanislaw Ponte Preta, o primeiro a alcunhar Jeff de escritor anglo-potiguar e lançá-lo como candidato ao panteão dos imortais na ABL. "Brevemente teremos na Academia um escritor que entrou sem convite e cuja glória é justamente penetrar sem convite", escreveu Stanislaw.

   A experiência inglesa, as amizades e rapapés aos punhos-de-renda da diplomacia brasileira lhe proporcionaram o cargo de adido de imprensa em Hong Kong. Foi o apogeu, registrado no segundo livro, Confidential Hong Kong, o Mistério Revelado, de 1967, mais uma vez com apresentação de Stanislaw, que se auto-intitulara orelhógrafo exclusivo de Jeff.

   Àquela altura, os leitores e o próprio prefaciador se perguntavam quem era Jeff Thomas, autor de um relato fantástico, digno de figurar nos roteiros dos filmes de James Bond, no qual conta lances de espionagem, um romance com a filha do governado britânico em Hong Kong e passeios noturnos a bordo de um Rolls Royce da coroa inglesa.

   "Quem ele é, afinal? Um agente secreto do Itamaraty ou do Foreign Office?", perguntou Ponte Preta. "Um mero playboy internacional que, nos salões da Government Office, na hora de beijar a mão de uma milionária, prefere depositar esse beijo sobre o solitário do seu anel? Difícil responder. Jeff Thomas é mais uma mistura do que um místico".

   De volta ao Brasil com a fama de Príncipe Consorte Colonial, Jeff atravessou as décadas de 70 e 80 escrevendo crônicas sociais para as revistas Manchete e Fatos & Fotos, da Bloch, e passou a observar e a se inquietar com o surgimento de uma nova espécie de milionários: os emergentes.

   Logo a inquietação deu lugar à indignação, levando-o a escrever uma série de livros-denúncia contra "a falta de classe daquela turma cafona da Barra", referindo-se ao bairro carioca preferido dos novos ricos.

   Em 92, disparou o primeiro petardo: Soçaite Bóia-fria, o Livro Maldito dos Colunáveis. Três anos depois surgiu Soçaite no Ventilador, a CPI dos Colunáveis, seguido por Emergente Não É Gente e O Crepúsculo dos Socialites.

   Jeff promete encerrar a "tetralogia" até o fim do ano, com A Fogueira dos Emergentes.

   O próprio colunista admite que melhor que seus livros são as noites de autógrafos. Os dois últimos foram lançados no Chico's Bar, na Lagoa Rodrigo de Freitas. Jeff os autografa em inglês, of course. E cobra quase R$ 100 por exemplar. "Escrevo para as elites e as festas reúnem gente fina e champanhota à vontade. Já faturei R$ 10 mil numa noite."

   Ele diz que a falência de tradicionais famílias como os Mayrink Veiga e os Guinle gerou um vácuo preenchido pelos milionários de primeira geração: "Essa classe é formada por padeiros, marmiteiros e borracheiros, que têm como meca Miami. São bregas e cafonas. Os emergentes não têm classe. O negócio deles é barbecue. Além disso, falam mal e se vestem pior ainda.

   Estão ocupando o espaço dos bicheiros, que nunca tiveram vez nas colunas sociais".

   Os colunistas sociais também são responsáveis, segundo ele, pelo exagerado destaque dado aos novos ricos. "O Brasil é o país que mais tem colunista social no mundo. E a região em que eles mais se concentram é o Nordeste. Lá é uma verdadeira praga."

   Jeff considera-se uma espécie em extinção, assim como as famílias grã-finas de classe com as quais diz ter convivido. Temendo o desaparecimento dessa linhagem, tomou duas atitudes. A primeira foi fundar a dinastia Thomas no Brasil. Casou com uma misteriosa suíça chamada Brigitte, com a qual teve um filho e herdeiro, Patrick Thomas.

   A outra providência foi pleitear a imortalidade com a candidatura à Casa de Machado de Assis, a qual freqüenta há mais de 30 anos e onde diz possuir vários amigos.

No problems

   O segundo passo tem sido dificultado pelo peso das candidaturas adversárias: Roberto Marinho, Antônio Callado e Raymundo Faoro.

   "No problems", disse Jeff, que terá pela frente a quase unanimidade da eleição de Zélia Gattai. "Sou jovem e outras vagas surgirão."

   Enquanto adia a encomenda do fardão, Jeff Thomas dedica-se ao jornalismo especializado. É colunista da Pólo Magazine, esporte inglês, naturalmente, cuja paixão começou, segundo ele, pela proximidade com a família real britânica.

   "Sempre vou ao torneio de Windsor, em que o príncipe Charles joga." A amizade com o herdeiro da coroa começou no fim da década de 70 nos salões do Copacabana Palace e valeu a Jeff um convite para o disputado casamento do século, entre Charles e Diana. "Fui o único jornalista do continente a participar."

   Outra amizade cultivada com desvelo é com Lula. Jeff o conheceu em 1979, durante as greves no ABC paulista lideradas pelo então líder sindical. O jornalista da Manchete levou o futuro político para jantar no restaurante Gallery, em São Paulo. Escreveu a matéria com o seguinte título: A Classe Operária Vai ao Paraíso.

   A partir desse encontro, Jeff diz ter se convertido ao socialismo. Lula teria lhe sugerido candidatar-se ao senado pelo Rio Grande do Norte, no início da década de 80. Jeff saiu candidato, mas renunciou antes das eleições.

   O motivo? "Não ia a Cristma's City (Natal) há muitos anos. Não dava". This is Jeff. (André Nigri, O Estado de São Paulo)

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