O anglo-potiguar Jeff Thomas tem seis
livros publicados, idade declarada de 61 anos, veste-se com apuro, mora em Copacabana e
alimenta dois sonhos: morar em Londres e garantir a imortalidade.
São dois desejos de realização difícil, mas Jeff
é persistente. Conhece a sede da Coroa Britância tão bem quanto o bairro carioca onde
vive há 40 anos, declara cultivar amizades com a nobreza e falar inglês como o príncipe
de Gales - com quem, garante, costuma bater papo enquanto enxugam copos de gin tônica.
Persegue o segundo desejo com a mesma pertinácia.
Pela quarta vez, é candidato ao fardão dos imortais na Academia Brasileira de Letras, à
vaga de Jorge Amado.
No último dia 16, Jeff encaminhou a Tarcísio
Padilha, presidente da ABL, uma carta formalizando sua candidatura à cadeira 23,
lembrando que o jornalista e escritor Austregésilo de Athayde comparou a "literatura
thomasina" (a de Jeff Thomas, claro) aos livros de outro acadêmico, o francês
Marcel Proust.
Uma beer na pérgula
Encontrar Jeff não é difícil. Pode ser
visto quase diariamente na pérgula do Copacabana Palace, e não há como não
identificá-lo. No início da tarde da quarta-feira passada, lá estava ele, cigarro
Benson&Hedges entre os dedos, vestindo um terno inglês com gravata amarela escocesa.
"How are you? Let's drink a beer?", disse,
tão logo avistou o repórter.
Jeff Thomas é Francisco de Assis Veras, nascido no
Rio Grande do Norte. É ou declara ser, porque, aos 21 anos, diz ter enterrado o passado,
renascido em Londres e se rebatizado com o nome invertido de Thomas Jefferson.
Nessa idade debutou no jornal carioca A Vanguarda,
como colunista social inspirado no jornalista Jacinto de Thormes, pseudônimo de Manuel
Bernardez Muller, que, com ar de nobreza, dizia-se primo da rainha Elizabeth. Passou
depois para A Revista da Semana e em seguida para Rio, uma revista de elite criada por
Roberto Marinho.
Começava ali uma carreira calcada em coquetéis,
jantares de gala e importantes amizades. Uma delas, com o embaixador Hugo Goutier, o
levaria a Londres, sua maior paixão, onde passou um ano e voltou com um livro pronto.
Europa sem Vintém, publicado em 1961, é um diário
de viagem no qual Jeff conta como se tornou um bicão internacional, freqüentador de
salões aristocráticos e recepções diplomáticas sem levar a mão ao bolso uma única
vez. "Aristocrata não pega em dinheiro", conta rindo.
A obra tem a orelha assinada pelo humorista Stanislaw
Ponte Preta, o primeiro a alcunhar Jeff de escritor anglo-potiguar e lançá-lo como
candidato ao panteão dos imortais na ABL. "Brevemente teremos na Academia um
escritor que entrou sem convite e cuja glória é justamente penetrar sem convite",
escreveu Stanislaw.
A experiência inglesa, as amizades e rapapés aos
punhos-de-renda da diplomacia brasileira lhe proporcionaram o cargo de adido de imprensa
em Hong Kong. Foi o apogeu, registrado no segundo livro, Confidential Hong Kong, o
Mistério Revelado, de 1967, mais uma vez com apresentação de Stanislaw, que se
auto-intitulara orelhógrafo exclusivo de Jeff.
Àquela altura, os leitores e o próprio prefaciador
se perguntavam quem era Jeff Thomas, autor de um relato fantástico, digno de figurar nos
roteiros dos filmes de James Bond, no qual conta lances de espionagem, um romance com a
filha do governado britânico em Hong Kong e passeios noturnos a bordo de um Rolls Royce
da coroa inglesa.
"Quem ele é, afinal? Um agente secreto do
Itamaraty ou do Foreign Office?", perguntou Ponte Preta. "Um mero playboy
internacional que, nos salões da Government Office, na hora de beijar a mão de uma
milionária, prefere depositar esse beijo sobre o solitário do seu anel? Difícil
responder. Jeff Thomas é mais uma mistura do que um místico".
De volta ao Brasil com a fama de Príncipe Consorte
Colonial, Jeff atravessou as décadas de 70 e 80 escrevendo crônicas sociais para as
revistas Manchete e Fatos & Fotos, da Bloch, e passou a observar e a se inquietar com
o surgimento de uma nova espécie de milionários: os emergentes.
Logo a inquietação deu lugar à indignação,
levando-o a escrever uma série de livros-denúncia contra "a falta de classe daquela
turma cafona da Barra", referindo-se ao bairro carioca preferido dos novos ricos.
Em 92, disparou o primeiro petardo: Soçaite
Bóia-fria, o Livro Maldito dos Colunáveis. Três anos depois surgiu Soçaite no
Ventilador, a CPI dos Colunáveis, seguido por Emergente Não É Gente e O Crepúsculo dos
Socialites.
Jeff promete encerrar a "tetralogia" até o
fim do ano, com A Fogueira dos Emergentes.
O próprio colunista admite que melhor que seus
livros são as noites de autógrafos. Os dois últimos foram lançados no Chico's Bar, na
Lagoa Rodrigo de Freitas. Jeff os autografa em inglês, of course. E cobra quase R$ 100
por exemplar. "Escrevo para as elites e as festas reúnem gente fina e champanhota à
vontade. Já faturei R$ 10 mil numa noite."
Ele diz que a falência de tradicionais famílias
como os Mayrink Veiga e os Guinle gerou um vácuo preenchido pelos milionários de
primeira geração: "Essa classe é formada por padeiros, marmiteiros e borracheiros,
que têm como meca Miami. São bregas e cafonas. Os emergentes não têm classe. O
negócio deles é barbecue. Além disso, falam mal e se vestem pior ainda.
Estão ocupando o espaço dos bicheiros, que nunca
tiveram vez nas colunas sociais".
Os colunistas sociais também são responsáveis,
segundo ele, pelo exagerado destaque dado aos novos ricos. "O Brasil é o país que
mais tem colunista social no mundo. E a região em que eles mais se concentram é o
Nordeste. Lá é uma verdadeira praga."
Jeff considera-se uma espécie em extinção, assim
como as famílias grã-finas de classe com as quais diz ter convivido. Temendo o
desaparecimento dessa linhagem, tomou duas atitudes. A primeira foi fundar a dinastia
Thomas no Brasil. Casou com uma misteriosa suíça chamada Brigitte, com a qual teve um
filho e herdeiro, Patrick Thomas.
A outra providência foi pleitear a imortalidade com
a candidatura à Casa de Machado de Assis, a qual freqüenta há mais de 30 anos e onde
diz possuir vários amigos.
No problems
O segundo passo tem sido dificultado pelo peso
das candidaturas adversárias: Roberto Marinho, Antônio Callado e Raymundo Faoro.
"No problems", disse Jeff, que terá pela
frente a quase unanimidade da eleição de Zélia Gattai. "Sou jovem e outras vagas
surgirão."
Enquanto adia a encomenda do fardão, Jeff Thomas
dedica-se ao jornalismo especializado. É colunista da Pólo Magazine, esporte inglês,
naturalmente, cuja paixão começou, segundo ele, pela proximidade com a família real
britânica.
"Sempre vou ao torneio de Windsor, em que o
príncipe Charles joga." A amizade com o herdeiro da coroa começou no fim da década
de 70 nos salões do Copacabana Palace e valeu a Jeff um convite para o disputado
casamento do século, entre Charles e Diana. "Fui o único jornalista do continente a
participar."
Outra amizade cultivada com desvelo é com Lula. Jeff
o conheceu em 1979, durante as greves no ABC paulista lideradas pelo então líder
sindical. O jornalista da Manchete levou o futuro político para jantar no restaurante
Gallery, em São Paulo. Escreveu a matéria com o seguinte título: A Classe Operária Vai
ao Paraíso.
A partir desse encontro, Jeff diz ter se convertido
ao socialismo. Lula teria lhe sugerido candidatar-se ao senado pelo Rio Grande do Norte,
no início da década de 80. Jeff saiu candidato, mas renunciou antes das eleições.