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16/07/2001 João Gilberto retorna de forma magistral a Paris Véronique Mortaigne O homem é uma lenda. Dizem que é imprevisível, ultra-sensível, capaz, com freqüência, de ficar invocado com o público por um sim ou por um não; intransigente em relação ao som, ele pode se tornar terrível no que diz respeito à cor de um terno; exigente com os horários, ele é famoso por ser tacanho sobre as condições - todas as condições, quais quer elas sejam. Além disso, ele é sempre capaz de cancelar tudo. Resumindo, João Gilberto, que completou 70 anos em meados de abril, é um pesadelo do ponto de vista do marketing. O público sabe disso. De fato, sempre aparecem turistas nos concertos de João Gilberto, os quais estão lá por um acaso, ou porque ouviram o famoso álbum "Getz / Gilberto", no qual se destaca "The Girl of Ipanema" - os refrões tocados pelo saxofone voltam imediatamente a assombrar a mente. Mas há, sobretudo, os malucos por João, que vieram por vezes de muito longe. Estes, mobilizados no domingo (8), dia do primeiro dos dois concertos de João Gilberto em Paris, continuaram discutindo firme na calçada muito tempo depois do fechamento da sala, comentando os acordes que deslizavam em "Chega de Saudade"; a diminuição do andamento dos ritmos no momento da dor em "Felicidade"; a inflexão quebrada da voz e as cordas deixadas livres numa interpretação excepcional de "Garota de Ipanema" - o clássico que o mundo inteiro conhece, mas a partir do qual João Gilberto, um intérprete magnífico, sempre consegue criar algo novo, imprimindo acelerações repentinas, diminuições de velocidade imprevisíveis, ligeiros desvios e transposições com uma precisão de ourives. Tudo aqui é magistral. Quase duas horas de concerto mal conseguem esboçar o repertório de João Gilberto, que nunca compôs, exceto algumas músicas em forma de onomatopéias, tais como "Bim Bom". O baiano nascido nas bordas do Rio São Francisco apodera-se do que passa por perto. Primeiro, o samba tradicional, depois os textos de Vinícius de Moraes e as músicas de Tom Jobim. João Gilberto inventa esse batimento rítmico muito peculiar, esses sussurros sensuais - a bossa - que ele não se cansa de divulgar, sempre com seu terno azul e sua gravata de funcionário de escritório, sempre com a mesma inspiração metafísica. Exigência rigorista Um concerto de João Gilberto é, portanto, uma pesca dentro de baú onde estão centenas de suas músicas prediletas, começando pelo samba, um gênero popular que mescla nostalgia, humor, tristeza e apetites carnais. Chico Buarque, tio de sua filha Bebel Gilberto, Wilson Simonal, Noel Rosa, Caetano Veloso, Ary Barroso, João do Vale, todos tiveram a honra de ser um dia fagocitados por João Gilberto, assim que suas músicas apresentavam um mínimo de condições poéticas, isto é, dentro da exigência rigorista de João Gilberto, um máximo. Ao experimentar novos acordes, uma nova maneira de tocar, trancado durante semanas inteiras no seu quarto, o violonista de Juazeiro da Bahia inventou um estilo. Na sua volta aos palcos parisienses, ele submete ao moedor "gilbertiano" um clássico da "chanson" francesa, "Que Reste-t-il de Nos Amours?", de Charles Trenet, que ele já gravou no álbum "João", e ainda "Estate", belíssima balada italiana, também registrada no disco precedente, "Amoroso". João Gilberto está sozinho com seu violão, depurado, clássico, rigoroso. Ele demora até subir ao palco. O público, que conhece seus caprichos, não sabe ao certo como se comportar, hesitando entre o silêncio, o murmúrio e os aplausos. Uma cadeira vazia, dúvidas, enigmas: João Gilberto entrega-se ao descomedimento. Ele impõe seu tempo, esticado, seus questionamentos e suas afirmações - é impossível ser feliz sozinho. Ele não gosta de agradar por agradar. Os aplausos poderiam lhe dar um certo prazer, mas ele prefere o pecado, o pudor e a vertigem do canto levado aos seus limites mais extremos. (Tradução: Jean-Yves de Neufville) (Le Monde) |
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