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Cordel cada vez mais encantador

15/10/2002

 

Grupo surgido em Arcoverde ganha o mundo e transforma em lírica suas viagens para longe da cidade natal. Segundo CD da banda já está pronto e reflete sobre essa partida

MARCOS TOLEDO

   O Palhaço do Circo sem Futuro. Este é o título do novo CD da banda pernambucana Cordel do Fogo Encantado, que acaba de ficar pronto. O grupo, que atualmente reside em São Paulo, gravou por lá seu segundo álbum, no famoso estúdio Bebop, onde recebeu a reportagem do Caderno C e apresentou o trabalho numa audição exclusiva.

   Sumaré (bairro paulistano), tarde de terça-feira, 8 de outubro. Na Sala Azul do estúdio Bebop – no qual gravam algumas das principais estrelas do mainstream musical do patropi – são realizadas as mixagens. Lirinha (voz), Clayton Barros (violão e viola), Nego Henrique (percussão) dão suas consideração iniciais sobre o trabalho, antes que o técnico de som da banda, Bolinho, rode a cópia finalizada do disco. Os outros percussionistas, Emerson Calado e Rafa Almeida, estavam em outro lugar, trabalhando no novo cenário.

   O produtor, Guty, que chega logo depois, reforça o discurso de que o Cordel optou por gravar em São Paulo devido a agenda de compromissos do grupo estar concentrada atualmente no Sudeste do País.

   A primeira explicação de Lirinha é sobre a escolha do título. Os nomes provisórios ‘Guerra’ e ‘Tempestade’ foram abolidos por causa dos ataques de 11 de setembro de 2001 e da referência ao álbum A Tempestade, da Legião Urbana.

   Prevaleceu, então, a terceira idéia, O Palhaço do Circo sem Futuro. Segundo o vocalista, o ‘circo’ é o mundo, o ‘palhaço’ é o povo e está ‘sem futuro’ pela ausência de perspectivas. Ainda assim, ele acha que não se trata de uma idéia pessimista. “É apenas ficção”, diria mais tarde.

   Nesse mundo de invenções, o Cordel do Fogo Encantado – que surgiu como um grupo de teatro, em Arcoverde – tem um processo de criação que sofre forte influência da experiência nos palcos. Nesse segundo CD não foi diferente.

   O Palhaço..., para seus integrantes, é uma continuação dos ‘causos’ contados pelo grupo. Assim como o Cordel narrava a origem do Fogo Encantado, a nova saga detalha as impressões de seus autores sobre as transformações pelas quais passaram desde que deixaram sua cidade e ganharam o mundo.

   “Um disco completa o outro, com certeza”, garante o cantor. “Quando terminamos o primeiro, o segundo já começou a ser feito”, completa Clayton. De acordo com Lirinha – principal letrista –, em vários momentos O Palhaço... faz referência ao Cordel, missão que ele prefere deixar para os fãs identificarem.

   As duas primeiras faixas formam um único tema, Os anjos caídos (ou A construção do caos) – outra característica desse segundo CD: dez nomes possuem subtítulos. A abertura é uma vinheta com um homem pedindo esmola numa estação de metrô em Berlim (Alemanha) – que faz um paralelo com o aboiador do primeiro CD – seguido de recitações de Lirinha que versam sobre Gênese. “É uma visão poética. Não tem nada a ver com religião ou à criação do mundo”, adianta. “É ficção.”

   Segue-se, sem interrupção, a performance com toda a banda, revezando trechos narrativos com outros bem melódicos. Algo que chama a atenção, de imediato, é a harmonia das vozes de seus integrantes, que cantam juntos, dando uma concepção atual ao formato de grupo vocal. E, segundo seu intento, com a percussão como estrela melódica e não apenas rítmica das composições.

   Para aumentar o volume dessa percussão – e até suprir a ausência do contrabaixo, como fica evidente em A árvore dos encantados (ou Recado da ororubá) –, o grupo experimenta aparelhos avançados, a exemplo do pad eletrônico utilizado na faixa seguinte, Nossa Senhora da Paz (ou O trapézio do sonho). Mas, segundo os músicos, apenas como efeito. A execução é toda manual, na batida do instrumento.

   Esses e outros recursos fazem de O Palhaço... o disco mais criativo do grupo. Faixas como Na veia e Quando o sono não chegar são comparáveis – em termos de som e inventividade, mas de forma intuitiva – aos melhores momentos dos Mutantes e do Luiz Melodia dos anos 70, respectivamente. O que repercute positivamente, porque comunica bem a diferentes gerações de ouvintes e, com eles, imagina-se, cria uma boa empatia.

(© Jornal do Commercio)


Cantadores populares participam do CD

   Com um gravador portátil na mão e muitas idéias na cabeça, Lirinha colhe arranjos que tomam formato dentro do estúdio. Esse hábito do cantor é responsável pela vinheta de abertura (do pedinte de Berlim) e do riso solto da filha do letrista (Elvira, de apenas três anos), no início da faixa-título O palhaço sem futuro (ou a trajetória da Terra): “(...) E a lona rasgada no alto/ no globo os artistas da morte/ e essa tragédia que é viver/ e essa tragédia/ tanto amor que fere e cansa”. A música conta com o saxofonista Emerson Boy, do grupo de teatro de perna-de-pau Tiroteio, numa das participações desse disco.

   Duas da canções-chave de O Palhaço... são Devastação da calma (ou A tempestade) e Tempestade (ou a dança dos trovões). A primeira, composta por Clayton em homenagem à mãe (recém-falecida num acidente), ganhou letra do poeta popular Cancão, de São José do Egito. “Achei que tinha a ver”, justifica Lirinha.

   Sons de chuva e trovões – captados pelo tal gravador – encerram a faixa e abrem a seguinte. Tempestade marca a estréia do percussionista Emerson como letrista. Perto do final, traz citações à peça A Tempestade, de William Shakespeare: “Se eu pudesse parar os elementos/ se eu pudesse trazer paz ao mau tempo (...)”.

   Além de Cancão, outros poetas populares (alguns já falecidos) assinam textos no disco: o aboiador  Laiet Lial, de Pesqueira, como parceiro na letra de Quando o sono não chegar (“É mais dele do que minha”, diz Lirinha), que tem participação do cantor Ortinho, e, em O espetáculo, citações de Manoel Filó (de Ingazeira), Jó Patriota (São José do Egito) e Manoel Chudu (Pilar, PB).

   Fecha o rol de participações a presença de Pedro Angeli, baterista da banda 69 Centavos e filho do cartunista Angeli, em Jetir xenupre jucrêgo (ou espírito índio negro). O álbum chega à apoteose na faixa Vou saquear a tua feira, que começa com um protesto simulado (em estúdio) e sons de protestos de rua (gravador portátil de novo).

   A música, que faz referência aos saques no interior em época de seca, fecha com uma pausa (a primeira do disco), que antecipa o fim do trabalho. A 17ª faixa, O fim do segundo ato, é composta por vários fragmentos das faixas anteriores e de pessoas recitando.

   O Palhaço do Circo sem Futuro foi produzido pela própria banda, que diz haver aprendido muito com Naná Vasconcelos, mentor do primeiro trabalho. As gravações e mixagem aconteceram entre os dias 1º de agosto e 15 de setembro. “Isso sem contar a pré-produção, que foi tão importante quanto a produção”, lembra Lirinha. “A gente mexeu nas músicas e já chegamos aqui (no Bebop) para gravar com tudo pronto.”

   O álbum, que tem apoio do Sistema de Incentivo à Cultura de Pernambuco, deve chegar às lojas em meados de novembro, com distribuição independente. Até lá, a banda já cai na estrada. Primeiramente, numa turnê por Fortaleza, Aracaju e Salvador, no projeto MPB Petrobras, depois, por Brasília, Goiania, Belo Horizonte, São Paulo, Marechal Deodoro (AL) e, a confirmar, Rio de Janeiro e Natal.

   O Recife só entra na agenda em 28 de novembro. Para os integrantes, algo bom, pois já estarão mais do que afiados. “Queremos que as pessoas já estejam cantando”, espera Lirinha. Na mesma época, também deve estar disponível o novo site da banda, que contará com uma lista de lojas de todo o País onde o CD estará sendo vendido. (M.T.)

(© Jornal do Commercio)

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