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Bethânia independente apela para a mesmice

18/10/2002

 

Cantora estréia na gravadora Biscoito Fino

DA REPORTAGEM LOCAL

   "Maricotinha ao Vivo" é um marco histórico na carreira de Maria Bethânia, 56, e na da própria música popular brasileira. É a estréia no mercado independente da cantora baiana (e, por tabela, da MPB de ponta).

   Ela saiu da multinacional BMG e se lança agora, com um disco duplo ao vivo, pela Biscoito Fino, gravadora exclusivamente nacional e de porte pequeno, embora ligada ao poderio do banco Icatu.
O significado dessa transição ainda é pouco claro, mas, colado às eleições, faz voarem pensamentos em duas direções distintas. O fenômeno seria comparável ao dos apuros de caciques "eternos" da política brasileira nas urnas? Ou seria equivalente ao processo de ganho de cacife eleitoral de nacionalistas e "pequenos"?

   Os conceitos divergentes se confrontam, mas parecem conviver em certa harmonia nas linhas musicais de Bethânia. A pulsão libertadora fornece ânimo à sua voz e confirma um tônus que ela sempre teve -de ser combativa e enfrentar com peito aberto as oscilações sociais/políticas/musicais do Brasil.

   É o que transforma em festa épica algumas das 50 (!) faixas: o rito migrante nordestino "Pau-de-Arara", a messiânica "Festa" (de Gonzaguinha), a "Opinião", de Zé Keti, as buarquianas "Apesar de Você" e "Rosa dos Ventos"...

   Mas a força contrária está ali agindo, também. Este é o 13º disco ao vivo de que Bethânia participa. Remete-se diretamente ao anterior "Maricotinha" (2001), da BMG. Fica atrelado a ele, como um CD independente indeciso, que ainda não o é plenamente.

   O disco-show tem direção do homem de teatro Fauzi Arap, um mestre na arte do encadear repertório com Bethânia. O brilho de encadeamento se avulta, aqui, na sequência em que Bethânia fala da época em que cantava em boates, sobrepondo a recente "Se Eu Morresse de Saudades" (Gilberto Gil) com pilares do maltratado, mas resistente samba-canção.

   Acontece que são muitos e frequentes seus discos ao vivo. Soam exuberantes em geral, caso deste também. Mas, um após o outro, vão evidenciando o que nos saberes da cantora e do diretor há de cacoete ou estratagema renitente.

   Por mais que ânimo e vida extravasem da voz, a ladainha vai ficando abusiva, porque reutilizada demais. E aí Bethânia periga evocar, mesmo sem querer, os velhos caciques que repetem discurso decorado em toda eleição -e hoje convencem menos o eleitorado.

   Música não é (só) política, é claro, e por seu conteúdo "Maricotinha ao Vivo" é ainda um CD caloroso de Bethânia. Mas não tem muito a contar além daquilo tudo da MPB "de ouro" que segue em desgaste contínuo. Maria minimiza o momento histórico de sua viagem corajosa ao mundo "indie". Em vez de entregar a seu público cativo e a eleitorados emergentes um passo realmente novo, inédito, prefere, por prudência ou dúvida, estrear batendo ponto.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)

Maricotinha ao Vivo
Artista: Maria Bethânia
Lançamento: Biscoito Fino
Quanto: R$ 30, em média

(© Folha de S. Paulo)

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