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Recife descobre os encantos de Volpi

22/10/2002

Composição com "bandeirinhas": um signo, não uma representação

Primeira exposição do pintor na capital pernambucana reúne uma série de estudos encantadores, que revelam a originalidade e poesia de sua obra, além de permitir uma releitura crítica de seu trabalho ao mesmo tempo rigoroso e intuitivo

   São Paulo - A exposição de Alfredo Volpi (1896-1988), que pode ser vista no Recife por mais alguns dias, não é apenas a primeira exposição do pintor em terras pernambucanas, é uma oportunidade única de revisitar a obra desse grande mestre, que soube como poucos desenvolver uma linguagem absolutamente pessoal, intuitiva e coerente com seu tempo. A mostra, que pode ser visitada no Espaço Aria, no Bairro da Piedade, não pretende ter um caráter retrospectivo nem tampouco percorrer os principais momentos da rica trajetória de Volpi. Trata-se mais de pequena homenagem criada por meio da reunião de uma série de preciosidades garimpadas em várias coleções particulares, de uma exposição pequena, composta majoritariamente por pequenos estudos, mas que juntos compõem um panorama de grande impacto, que permite ao público sentir toda a grandeza poética de sua obra.

   A exposição começa praticamente vazia. À entrada, o público depara-se com apenas dois desenhos a lápis, de pequenas dimensões, mas que parecem resumir o pensamento espacial do pintor, sua capacidade de síntese e abstração, transformando a paisagem em forma e ritmo. Na sala à esquerda foram colocadas as telas (12 delas, majoritariamente da década de 70). Na da direita foram instalados os maiores tesouros da mostra, uma seleção de 40 pequenos trabalhos em têmpera, que perfazem a trajetória de Volpi entre as décadas de 40 e 70. Lá estão ainda as pinturas figurativas dos anos 40, quando o artesão Volpi, que decorava os casarões dos ricos paulistanos, começa a dar lugar ao pintor que durante muito tempo foi apontado como o maior artista vivo do Brasil (não que esse tipo de comparação provinciana tenha grande importância). Estão também belíssimos estudos que exemplificam a passagem da figura à abstração. Da fachada tortuosa em tons de vermelho, pintada em meados dos anos 50, aos estudos de bandeirinhas e à composição de triângulos vermelhos sobre fundo branco (realizados no fim da mesma década) torna-se evidente o que Olívio Tavares de Araújo chama de "evolução interna de sua linguagem".

   O crítico, que foi amigo pessoal de Volpi e é uma das pessoas que mais se dedicaram a compreender sua obra, é autor de um belo ensaio publicado no catálogo da exposição, provando que a mostra tem o mérito de não ser apenas um evento social restrito no tempo. Realizada em parceria por Cecília Brennand, bailarina e proprietária do Espaço Aria, e pelo marchand Sylvio Nery, a exposição - que ocorre num momento de ebulição do circuito artístico na capital pernambucana, ocorrendo simultaneamente à grande exposição do pintor seiscentista holandês Albert Eckhout - sobrevive no tempo por meio das palavras ao mesmo tempo apaixonadas e lúcidas de Tavares de Araújo.

   Em nenhum momento ele esconde sua profunda admiração pelo pintor. E um dos aspectos que mais o encanta em sua produção é sua absoluta originalidade, sua capacidade de criar uma linguagem própria, não contaminada por estrangeirismos. "Pela idade, poderia até ter participado da ´Semana´ de 22, mas pela classe social, não. A ´Semana´ foi um movimento patrício, de elite, gestado em palacetes da Avenida Paulista e apoiado por barões do café", conta. Sua posição social acabou permitindo-lhe "percorrer sozinho, degrau por degrau, sem modelos nem atalhos, todo o percurso que, no século 20, foi da pintura figurativa à pintura abstrata, abandonando a representação mimética em benefício da arte absoluta", resume Araújo, numa conclusão referendada de forma incontestável pelas obras e pela história de vida do pintor.

   Nascido na Itália, Volpi chegou ao País com apenas 2 anos de idade. Aos 14, começa a trabalhar como pintor-decorador. Quase paralelamente passa a dedicar-se também à pintura de cavalete, realizando sua primeira paisagem em 1914 e realizando sua primeira exposição (coletiva) em 1925. Mas só no final da década de 30 - ainda segundo Araújo - sua obra adquire uma qualidade merecedora de atenção.

   As famosas bandeirinhas (que são na verdade signos compositivos e não elementos figurativos como muitos pensam), que se tornaram sua marca registrada, têm uma importância menor na exposição. Evidentemente há estudos com esses elementos, assim como vemos vários trabalhos com outros elementos retirados das fachadas e paisagens, como mastros e triângulos. Mas o que importa realmente nessa seleção é sua vontade de refletir a grande capacidade de experimentação de Volpi, seu curto mas profícuo namoro com o concretismo e sua profunda ligação com o lirismo da paisagem brasileira.

   Também encantam graças a outra característica importante do trabalho de Volpi: sua impressionante capacidade de exprimir-se por meio das cores, criando combinações absolutamente encantadoras, como a que vemos numa pequena fachada em tons do vinho ao rosa, com pequenos detalhes em verde e azul, do início dos anos 70. Maria Hirszman

(© estadao.com.br)

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