24/10/2002
Eduardo Simões
Guel Arraes subiu o fogo da mistura e
sua versão para o cinema de “Lisbela e o prisioneiro” ganhou mais ação,
suspense, sensualidade na trama e as cores vibrantes do conceito
o-Nordeste-é-pop no visual. Sem perder o principal: o humor. Durante as
filmagens em Recife — que terminam esta semana e seguem por mais três no Rio
— Selton Mello faz um Leléu menos pueril, Bruno Garcia torna seu Douglas um
rival mais forte e Marco Nanini deixa o matador Frederico Fernando bem mais
temível.
— O filme vai ficar um tom mais baixo do que a peça, menos
farsesco — contou Guel. — O triângulo amoroso entre Inaura, Leléu e Lisbela
cresceu. E os encontros de Inaura e Frederico Fernando estão mais
melodramáticos.
Quinquilharias de plástico colorido compõem visual
No set de filmagem no Largo de Santa Cruz, centro de Recife,
onde a maioria das externas do filme foi feita, vê-se que a direção de arte
de Cláudio do Amaral Peixoto segue à risca a orientação de Guel. Lojas
cenográficas vendem todo tipo de quinquilharia colorida. As araras com
roupas de cores berrantes completam o visual Nordeste pop sugerido pelo
diretor, inspirado nas suas incursões ao Mercado de São José, na capital
pernambucana.
— É uma mistura de artesanato e indústria típica do universo
nordestino suburbano que se vê em Pernambuco, em Madureira ou na periferia
de São Paulo — disse Guel, referindo-se às flores e às inúmeras vasilhas de
plástico nos seus cenários.
Microfone na mão, Guel tem pressa para cumprir o plano de
filmagem. Sem perder o bom humor, o diretor dá instruções ao elenco, pede
silêncio aos figurantes e aos fãs que cercam a locação e evita repetir
muitas vezes uma tomada. Mesmo quando o diretor de fotografia Uli Burtin não
fica contente com uma cena.
— É só um trisquinho — apelou o diretor depois de uma cena, que
acabou sendo refeita. — Sou considerado lento na televisão. No cinema sou
rápido.
Para Paula Lavigne, que divide com Virginia Cavendish a
produção do filme, a aceleração de Guel é mais do que bem-vinda.
— Ele está acostumado a trabalhar com o orçamento limitado na
TV. Para um produtor, é ótimo, porque ele sempre nos traz soluções — disse
Paula.
Na grande tela, “Lisbela e o prisioneiro” ficará com 1h45m de
duração, mais do que um episódio da minissérie de TV. Com mais tempo,
algumas histórias puderam ser mais bem contadas, como os biscates de Leléu
como astrólogo e camelô antes de chegar a Vitória de Santo Antão, onde ele
conhece Lisbela. E a relação de Frederico e Inaura ganha um passado mais
explicadinho.
— A perseguição do matador a Leléu ganhou mais suspense. E o
personagem ganhou um tratamento em que se compreende melhor sua ligação com
Inaura e como isso se modifica com o tempo — explicou Nanini.
Agora com um passado, o Leléu de Selton Mello no cinema perdeu
a inocência. Para Guel, o personagem ganhou mais picardia e tem ares de
band leader nordestino, menos para o picaresco João Grilo, mais para o
Vadinho, de Jorge Amado.
— Fiquei estimulado para fazer um cara mais velho. Faço 30 anos
em dezembro e até agora só fiz garotos — contou Selton, que fez musculação e
deixou a barba crescer para dar um quê de caminhoneiro a Leléu.
Para o cinema, atores foram remanejados de papéis
Estreante no papel, Débora chegou a Recife antes do início das
filmagens para aprender o acelerado jeito de falar do pernambucano.
— Minha preocupação é não fazer um sotaque caricatural — disse
a atriz.
Agora na pele de Inaura, Virginia Cavendish parece se divertir
mais do que como Lisbela, que fez no teatro.
— O estereótipo da mocinha é mais limitado.
Remanejado do papel de Leléu para o de Douglas, o noivo traído
por Lisbela, Bruno Garcia era o nome mais gritado pelos fãs durante a
filmagem.
— Muitas pessoas sabem que eu sou daqui e têm um certo orgulho
disso — contou Bruno, apontando as mudanças do novo personagem na versão
para o cinema. — Na peça, o Douglas era mais manipulável. Agora ele é uma
ameaça real para Leléu.
(© O Globo On
Line)
A
trilogia nordestina
Em 1993, “Lisbela e o prisioneiro”, baseado no romance do
escritor pernambucan Osman Lins, ganhava minissérie na Globo, adaptada
por Jorge Furtado e Pedro Cardoso, dirigida por Guel e com Diogo Vilella
no papel de Leléu. Já a peça ficou dois anos em cartaz, sempre com casa
cheia, primeiro com Bruno Garcia como Leléu e Virginia Cavendish como
Lisbela, e já com Selton Mello na pele do herói conquistador na segunda
temporada.
Comédia tipicamente nordestina, como diz Guel, “Lisbela e o
prisioneiro” acompanha as peripécias do herói Leléu para conquistar a
romântica Lisbela, e ao mesmo tempo se livrar de seus dois inimigos:
Douglas, de quem ele rouba a noiva Lisbela, e o matador Frederico
Fernando, de quem ele tira Inaura.
As versões para a TV e para o teatro se passavam em algum
momento dos anos 60. No cinema, Guel preferiu não situar a trama no
tempo. Com ares mais contemporâneos, o filme brinca com o humor
nordestino das periferias. Um riso que, disse o diretor, vem do jeito de
falar de barraqueiros, feirantes ou biscateiros em geral. Como o
malandro Leléu, que, numa das cenas, chega de caminhão à cidade de
Vitória de Santo Antão. Na porta do veículo lê-se em letras garrafais:
“tem um corno me olhando”. Por aí, tira-se o resto.
(© O Globo On Line) |
Com relação a este tema, saiba mais
(arquivo NordesteWeb)
|
|