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16/11/2002
Banda pernambucana quer evitar regionalismo no CD "O Palhaço do Circo sem Futuro", lançado hoje em Santo André VALMIR SANTOS O cordel estradeiro sobrevoou os céus da Europa e viu, de longe, que a Arcoverde do sertão pernambucano é como uma fresta na lona-mãe que cobre o mundo. Após apresentações em vários Estados e miniturnê por Alemanha e França, a banda Cordel do Fogo Encantado assumiu o plano de vôo na produção independente do segundo disco, "O Palhaço do Circo sem Futuro" (selo Rec Beat), que chega às lojas este mês. Foi o compositor Naná Vasconcelos, produtor do inaugural "Cordel do Fogo Encantado" (2001), quem convenceu os cinco rapazes de que tinham potencial para a investida. Segundo o vocalista e compositor Lirinha, o novo disco é um recorte do rito de passagem da banda de Arcoverde para o mundo. O CD de estréia traz canções compostas ainda em solo pernambucano. Já as 17 faixas de "O Palhaço do Circo sem Futuro" refletem a fricção com culturas metropolitanas ou estrangeiras. Não é por acaso que a vinheta de abertura do CD traz a fala de um homem num metrô de Berlim. Gravada, soube-se depois, por meio de tradutor, que ele pedia esmola e discorria sobre o pai assassinado numa guerra. O trabalho anterior tinha como vinheta inicial uma gravação do aboiador Zé do Né, colhida em Lagoa de Dentro (PB). Emblemático. "A idéia é falar mais aos sentimentos humanos universais do que regionais", diz Lirinha, 26. "Reagimos a esse contato com o olhar de quem já não tem a segurança da terra de origem, desterrados com sentimento de luta, de guerra, de manutenção de sonho", versa o vocalista. A percussão ganhou mais peso. Se os tambores do Cordel já não ficavam na "cozinha", evoluem ainda mais como complemento melódico nas canções, compara Emerson Calado, 22. Ele partilha ilu, djambê, caixas, pratos, conga, bombo de macaíba e outros instrumentos com Rafa Almeida e Nêgo Henrique. Há até efeitos de sampler em meio a aboios. "Temos liberdade de se deixar influenciar, mas não apenas para reproduzir. Nosso desejo é ser cada vez mais autorais", afirma o violonista Clayton Barros, 26. Para o Cordel, CD é complemento de espetáculo. O rito da representação cênica, que está no berço da banda, é aprofundado no show que tem única apresentação hoje, no Sesc Santo André (SP), e na sequência estréia no Sesc Pompéia (29 e 30/11). Os músicos contracenam com iluminação e cenário que expõem ícones presentes no CD: Nossa Senhora da Paz, a matadeira (como os jagunços apelidaram a bala de canhão "withworth" na Guerra de Canudos), o candeeiro e a imagem de um homem, um profeta do "circo sem futuro". "Não espero da profecia mais do que da poesia. A viagem é a mesma. Leio a Bíblia como leio um livro de textos poéticos", diz Lirinha, que, entre quadras e sextilhas, volta a invocar poetas como João Cabral de Melo Neto, Laiet Lial, Manoel Filó, Jó Patriota e Manoel Chudu, a maioria com mirada na cultura popular. Sobre o título do CD, diz Lirinha: "Assumimos o palhaço como símbolo, com suas pinturas de guerra, seu passado ridículo, sua loucura fingida, sua alma impaciente". Mesmo com a guerra na porta, com a lona rasgada e sob a tempestade sem fim, o espetáculo vai começar. O PALHAÇO DO CIRCO SEM FUTURO. Show do Cordel do Fogo Encantado. Onde: Sesc Santo André (r. Tamarutaca, 302, tel. 0/xx/11/4469-1200). Quando: hoje, às 19h. Quanto: R$ 12.(© Folha de S. Paulo)
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