04/12/2002
Caetano, Gal, Gil e
Bethânia se reagrupam no palco para reproduzir projeto de 1976
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Os palcos ao ar livre do parque Ibirapuera
(SP) e da praia de Copacabana (Rio) estarão pesados neste final de semana. Dois shows
gratuitos colocarão em cima deles, tudo ao mesmo tempo, as músicas, a história, a
estatura artística e os egos dos baianos Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil e Maria
Bethânia.
Trata-se da volta, 26 anos mais tarde, do
quarteto Doces Bárbaros, formado em 1976 por idéia e inspiração de Bethânia
(justamente a única dos quatro que nunca se filiou ao tropicalismo).
Em várias e rápidas ocasiões eles estiveram e cantaram juntos depois, mas pela primeira
vez se reagruparão no palco quase o tempo todo, num show conjunto.
Suas gravadoras já se assanham. A Universal
(de Caetano) e a independente Biscoito Fino (de Bethânia) entraram em acordo: o show
virará, em 2003, CD da Universal e DVD da Biscoito.
Segundo o gerente artístico da Universal, Ricardo Moreira, o acordo está selado, sem
objeções das gravadoras que ficaram de fora, Warner (de Gil) e MZA/Abril (de Gal).
"Só não digo que é certeza que os produtos saiam porque só quem pode decidir e
dizer sim ou não são os artistas", diz.
Devido à complexidade de gravar um show na
praia e/ou na praça e considerado o dado de apenas sete ensaios ao longo desta semana
reunirem os quatro artistas até o show final, pode-se até duvidar da concretização do
projeto gravado. Mas Caetano, 60, recém-chegado de turnê internacional, trata de
dissipar a dúvida, brincalhão: "O grupo que teve coragem de lançar aquele primeiro
show gravado ao vivo, em 76, não deve temer lançar este de agora". Gal, 57,
intercepta o colega, concordando: "É, o som daquele disco não é bom, não".
Se a versão 1 aconteceu espontaneamente, os
quatro admitem agora a profissionalização de suas vontades. "Nos reunimos por
convite do Grupo Pão de Açúcar", simplifica Gil, 60.
"Da primeira vez sugeri porque sentia
saudade de nosso começo, quando fazíamos juntos na Bahia o show "Nós, por
Exemplo". Aqui, foi um convite de fora, que inclui a alegria do reencontro. É muita
emoção. Todo mundo está mais velho, mas o tempo não passa só para o mal",
descreve Bethânia, 56 anos.
A apoteose dos Doces Bárbaros encerra o
projeto 2002 da empresa, que ao longo do segundo semestre levou aos megapalcos do Rio e de
São Paulo shows individuais dos quatro baianos. Os artistas aceitaram o convite e
assinaram o contrato, somente.
Eles admitem que encontros grupais são
raríssimos para eles. "É mais comum nos encontrarmos de três a três, mas
coincidirem os quatro é raro", diz Gil, ao que Gal atalha, rindo: "Sempre foi
três a três".
O roteiro não deve incluir surpresas.
"Um dos conceitos da reunião foi que iríamos recuperar o repertório histórico da
gente, não só dos Doces Bárbaros, mas principalmente deles", diz Gil.
Diretor musical do reencontro (como em
1976), ele fornece a única canção inédita prometida, "Outros Bárbaros". O
núcleo da banda de apoio vem de Gil também, com acréscimo de dois músicos de
Bethânia. A de Caetano, que acompanhava Caetano em sua turnê mundial até outro dia,
estará ausente.
"Eu preferia que houvesse mais
inéditas, mas saí do show com Jorge Mautner para o avião e do avião para o ensaio dos
Doces Bárbaros", lamenta Caetano.
Política, festa, ego
Se em 76 os Doces Bárbaros foram
recebidos com críticas pelo tom escapista que adotavam, na contracorrente da resistência
da MPB ao regime militar, hoje eles se reencontram no clima de festa política popular da
chegada de Lula à Presidência.
"Vou fazer tudo para que o Brasil dê
certo. Nós, cantores, temos chance de fortalecer isso, é o que pode nos salvar",
diz Bethânia, que em seu show individual no projeto Pão Music incluiu, em tom de prece,
a canção "Sonho Impossível", usada pela campanha de Lula sob sua
autorização. "Com Lula no poder, o povo se sente no poder", concorda Gal.
"Os Doces Bárbaros eram muito festa e
celebração, no tom, nas roupas, nas músicas. A gente já se considerava bastante
medalhão na época, agora somos mais ainda", afirma Caetano, que teve episódio de
conflito com o comando petista quando apareceu cantando "Amanhã" na campanha,
sem tê-la autorizado.
"Fiz questão de dizer que estava
neutro nessa eleição. Minha voz foi usada sem autorização, mas depois José Dirceu me
ligou, se desculpou e explicou que foi uma confusão", contemporiza.
Os figurinos hippies de 76 não serão
repetidos, eles prometem. "Isso vai ser livre. Gal até brincou, perguntou se ia ter
farda", ri Bethânia. "Os figurinos eram fantasiosos, eu tinha uma roupa amarela
linda. Algumas eram bonitas, outras eu achava feias já na época", diz Caetano.
"Eu usava um collant branco", evoca Gil, levando os quatro às gargalhadas.
Reagem instantaneamente à pergunta sobre se
discussões há de pintar por aí, já que são quatro egos avantajados reunidos no mesmo
espaço.
"Não, não, não. Estamos
harmônicos", sentencia Gal. "Quando um não quer, quatro não brigam",
dita Gil. "Este grupo de pessoas não é muito de briga, não", exagera Caetano.
Citada a palavra ego, Caetano se inflama,
eleva o tom de voz e interpreta o solo exasperado de toda entrevista: "Esse negócio
de ego é uma coisa muito cafona. Pensam que porque o cara é artista tem ego enorme, quer
derrubar o outro. Não, isso é burrice, ignorância, cafonice intelectual".
Gil tenta discordar: "O ego é um pouco
um elemento, um Red Bull [bebida energética] do "star system'". Caetano
captura: "Ego é só para vender disco e jornal. Não serve para nada".
O palco dirá, no fim de semana.
(© Folha de S. Paulo)
Canções trocam política por festa e hippismo
DO ENVIADO AO RIO
Doces Bárbaros foi o nome que Caetano
Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil e Maria Bethânia adotaram ao se reunirem em turnê
nacional que se transformou no álbum duplo homônimo de 1976.
O tom era de revisitação à tropicália,
oficialmente encerrada em 68 com o exílio de Caetano e Gil, e de absorção da estética
hippie a que Gal, especialmente, havia se entregado na ausência dos parceiros. Hippies,
festivas e metafóricas, as canções evitavam qualquer menção política, contrariando
nesse ponto o espírito tropicalista de nove anos antes.
Os discos ao vivo ainda eram raros na
época, e o registro sonoro deficiente era compensado por farto material inédito. Havia
releituras como a do clássico antigo "Atiraste uma Pedra" e uma maioria de
canções compostas especialmente por Caetano e Gil, sozinhos ou em dupla.
Caso raro, Bethânia e Gal apareciam como
autoras -uma dividindo "Pássaro Proibido" com o irmão e a outra homenageando
Rita Lee em "Quando", composta com Caetano e Gil. A lista de canções que devem
ser relidas trazia "Chuck Berry Fields Forever", "Esotérico",
"Um Índio" e o hino hippie/tropicalista de (re)tomada de poder "Os Mais
Doces Bárbaros".
A excursão original do quarteto teve uma
interrupção imprevista, em Florianópolis: os quatro artistas foram revistados no hotel
por suspeita de consumo de drogas; Gil foi preso, julgado e condenado por porte de
maconha.
Os quatro se contradizem quanto a lembrarem
do episódio durante os reencontros. "A gente fica lembrando...", divaga Gal.
"Que horror, ninguém fica lembrando, não. Aquilo foi horrível", protesta
Bethânia, ao mesmo tempo em que Gil desmente: "Nos lembramos, sim, conversamos sobre
aquilo".
Caetano, que estava viajando, dá o veredicto: "Bethânia não estava presente quando
conversamos sobre isso". E encerra, em tom de blague: "Mas pode ter certeza de
que esse episódio não vai acontecer de novo". (PAS)
(© Folha de S. Paulo)
Os Doces Bárbaros, juntos
26 anos depois |
Caetano, Gil, Gal e
Bethânia se reúnem para duas únicas apresentações, uma em São Paulo, outra no Rio.
Os shows serão gravados e podem virar CD e DVD
São Paulo - Vinte e seis anos depois de sua criação - e de seu fim -, o
conjunto Os Doces Bárbaros volta à cena, para duas únicas apresentações. No sábado,
o grupo, formado por Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa e Maria Bethânia, canta na
Praça da Paz do Parque do Ibirapuera, em São Paulo, a partir das 18 horas, com entrada
franca. No domingo, sempre de graça, os quatro baianos reprisam o espetáculo no Rio de
Janeiro, no Posto 3 da Praia de Copacabana, com o espetáculo começando às 19h30.
Os espetáculos
serão gravados ao vivo - imagem e som. Pretende-se que resulte num CD (com selo da
gravadora Universal) e num DVD (que sairá pela gravadora Biscoito Fino, juntando o
espetáculo original e o de agora). Não é garantido que saiam CD e DVD. Vai depender da
qualidade das apresentações. "Se bem que para um grupo que lançou aquele elepê
(do show original dos Doces Bárbaros, em 1976, gravado ao vivo, no Canecão, no Rio) não
pode ser muito exigente", brincou Caetano Veloso, durante entrevista coletiva do
grupo, na segunda-feira.
O registro do show
original dos Doces Bárbaros é, de fato, precário. Até pelas condições técnicas da
época, a qualidade da gravação ao vivo não ficou tão boa quanto poderia. Mas foi um
sucesso. O elepê duplo bateu recordes de venda. O show lotou casas de espetáculo em São
Paulo, Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre, Rio e Salvador. Mais apresentações
houvessem, mais casas ficariam lotadas. No entanto, o grupo se desfez para que seus
integrantes seguissem com as respectivas carreiras.
A idéia de juntar os
quatro foi de Maria Bethânia - logo dela, que não gosta de participar de grupos,
movimentos. "Pois é, nem no disco da Tropicália ela entrou, por ser avessa a esses
rótulos", lembrou Caetano Veloso. "É, mas cada um de nós tinha já sua
história definida e eu tinha saudade do tempo em que tocávamos juntos, em
Salvador", Bethânia explica.
"Aqui, agora,
há a alegria do reencontro, e é bom, diferente, emocionante", prossegue Bethânia.
Gil aparteia: "Nos ensaios, tenho sentido muita emoção" - e Bethânia confessa
que, no primeiro ensaio da atual temporada, chegou a ficar nervosa, como uma iniciante:
"Depois, não, foi tranqüilo."
Serão, ao todo, oito
ensaios, com Gilberto Gil assumindo a responsabilidade dos arranjos - um diretor musical.
"Como sempre foi, desde o nosso início, lá na Bahia", diz ele. "Eu sou o
que mais transita nesse campo específico de músico." Bethânia explica: "Ele
sabe traduzir muito bem o que nós queremos, sabe transformar nossas intenções musicais
em realidade."
Esse é um dos
motivos pelos quais a banda que vai acompanhar o grupo nos dois shows do fim de semana é,
basicamente, a de Gilberto Gil, formada por Jorge Gomes (bateria), Arthur Maia
(contrabaixo), Gustavo de Dalva e Leonardo Reis (percussões), Claudinho Andrade
(teclados), Sérgio Chiavazzoli (guitarra) e Carlos Malta (sopro). Dois músicos da banda
de Maria Bethânia também participam - o violonista Jaime Alem e o pianista João Carlos
Coutinho. Por lembrança de Bethânia, completa a formação a percussionista Mônica
Millet. Vem a ser a única instrumentista que participou da banda de 1976.
Para o reencontro,
Gilberto Gil compôs uma canção nova, chamada Outros Bárbaros. Caetano Veloso
gostaria de ter composto, também, música nova. "Mas não tive tempo", diz ele.
"Queria que houvesse umas quatro ou cinco novidades; queria compor uma canção
sozinho, escrever outra em parceria com o Gil... mas estive gravando o disco (o CD
recém-lançado Eu não Peço Desculpa) e fazendo shows com o Jorge Mautner, depois
fui para Nova York e não consegui nem voltar a tempo para o primeiro ensaio dos Doces
Bárbaros." E Bethânia faz questão de cantar uma música que não estava no roteiro
original, Santo Antônio, de seu sobrinho J. Velloso - mas a música não foi feita
especialmente para o show e não é inédita.
A idéia, de fato,
era resgatar o repertório original. "Eu até achei, quando vi o roteiro, que todas
as canções, e quase só elas, fossem do primeiro show dos Doces Bárbaros", diz
Caetano. Mas, ao longo dos últimos anos, os quatro músicos, dois a dois, fizeram vários
trabalhos juntos - Gal e Bethânia, Gil e Caetano, Caetano e Bethânia e assim por diante.
Alguma coisa desses encontros deverá ser mostrada no espetáculos. Ainda assim, Gil
explica, na maior parte do tempo, os quatro estarão em cena.
Juntos, como poucas
vezes estiveram desde aquele 1976. Nos anos 90, reuniram-se, em Londres; depois,
desfilaram juntos - na qualidade de homenageados - na Mangueira. Há três anos, subiram
ao trio elétrico que, no carnaval baiano, fazia homenagem a Jorge Amado. "Não era
um trio elétrico, era um trio alegórico", Gil brinca. "Nós nos vemos sempre,
mas não os quatro", continua ele. "Encontro mais Caetano; Gal é minha vizinha
em Salvador, vai sempre à minha casa" - e os irmãos Caetano e Bethânia
encontram-se na cidade natal, Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo baiano.
Dessa vez, a idéia
do reencontro não foi deles, mas do grupo Pão de Açúcar, que promoveu shows
individuais de cada um, sempre no Ibirapuera e em Copacabana, ao longo do ano, para
culminar com a reedição do grupo. "Aceitamos o convite", diz Gil. "Mas eu
não sabia que haveria um DVD; fiquei sabendo há pouco." Caetano acrescenta:
"Eu não sabia nem do CD. Acabo de saber."
Em 1976, quando os
Doces Bárbaros excursionavam, houve episódios menos alegres do que a música no palco
faria pressupor. No pior deles, a polícia invadiu os quartos de hotel onde os integrantes
estavam hospedados, pretensamente em busca de drogas. Vivia-se, ainda, tempo de repressão
política, e os baianos - Caetano e Gil haviam voltado do exílio cinco anos antes - eram
olhados com muita, muita desconfiança.
Quando alguém lembra
o episódio, Gal Costa reage: "Que horror, a gente não lembrou disso, não" -
eles estão em festa. E Caetano não vê o primeiro encontro como uma manifestação
política: "Já naquela época nossa idéia era de celebração, já era uma
brincadeira sobre nós mesmos, nós já éramos medalhões."
Os tempos políticos
são outros, também, e Gil os comenta: "Hoje, de fato, o encontro é mais festivo,
pelo fato de o País ter manifestado sua vontade de ter um rosto, de ser percebido" -
o rosto seria o de Lula, presidente eleito, que veio do povo? "A gente percebe a
alegria nas ruas e deve fortalecer essa alegria", diz Bethânia. "É importante
o fato de o País querer estar contente" - "Ter sua personalidade",
acrescenta Gil. "É precisamos fortalecer isso, mas com juízo", repõe
Bethânia que, no show que fez, no Ibirapuera, em novembro (um dos quatro espetáculos que
preparavam a volta dos Doces Bárbaros), pediu ao público que cantasse, pelo País, a
canção Sonho Impossível, de Chico Buarque.
"É, mas agora
vou cantar Viramundo, que é música um pouco mais arretada", ela diz. Viramundo
é canção de Gil ainda dos anos 60, uma composição que pode ser enquadrada no modelo
da então chamada música de protesto: "Sou viramundo virado/ Na roda das maravilhas/
Cortando a faca e facão/ Os desafios da vida/ Gritando para assustar/ A coragem da
inimiga/ Pulando pra não ser preso/ Pelas cadeias da intriga/ Prefiro ter toda vida/ A
vida como inimiga/ A ter na morte da vida/ Minha sorte decidida" - para terminar
assim: "Ainda viro esse mundo/ Em festa, trabalho e pão."
Gente que sempre se
pronunciou politicamente - com grande repercussão, principalmente quando a fala vinha de
Caetano e Gil -, o quarteto declara-se tranqüilo e esperançoso com o governo que terá
início em janeiro. Gil fez campanha de Lula. Caetano preferiu permanecer neutro e chegou
a pedir ao PT que tirasse uma música sua do programa eleitoral. "Mas porque eles
não haviam solicitado a minha autorização, e eu fiz questão de parecer neutro",
disse. "O Zé Dirceu (presidente nacional do PT) me ligou, pediu desculpas, não
houve briga", acrescenta.
"Eu já pedi
para participar de campanha", lembra Caetano. "Foi em 1989, quando os candidatos
eram Brizola, Lula e Collor. Eu pedi para participar da campanha do Brizola e, no segundo
turno, votei no Lula" - mais tarde, votaria em Fernando Henrique Cardoso. Bethânia
acrescenta: "Eu sempre votei no Lula." Gal Costa não se manifestou.
Os figurinos do
encontro original dos Doces Bárbaros eram coloridos e desafiadores - Gil usava um collant
branco com um pano na cabeça: "Um super-Xangô", como define. Os outros, de
barriga de fora, sentiram frio em algumas cidades por onde passaram - mas tudo era festa.
"Cada um fazia o seu figurino", diz Bethânia. "Eu tinha seis roupas
diferentes... que exagero!" Como será, agora? Bem, de novo, cada um bolou sua roupa.
E quem assistir aos shows, saberá.
Caetano Veloso, Gal Costa,
Maria Bethânia e Gilberto Gil. Sábado, às 18 horas. Entrada franca. Praça da
Paz/Parque do Ibirapuera. Avenida Pedro Álvares Cabral, s/n.º, São Paulo, tel.
0800-115060. Patrocínio: Grupo Pão de Açúcar. (Mauro Dias)
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