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26/09/2001

Lula Queiroga: a volta de quem não foi

Lula Queiroga

O parceiro de Lenine fala de seu novo trabalho e comenta a repercussão de seu álbum Aboiando a Vaca Mecânica

Marco Antonio Barbosa

   Junto com as eventuais odisséias espaciais, o ano de 2001 também trouxe a reboque o pernambucano Lula Queiroga. Não que o homem seja mais uma "novidade" surgida no rescaldo pós-manguebeat do Recife; Lula, parceiro ancestral do hoje conceituadíssimo Lenine, já carrega nas costas pelo menos 20 anos de música, alheio às maquinações da grande mídia do Sulmaravilha. Bom, pelo menos até agora. Após ter lançado em fevereiro deste ano o álbum Aboiando a Vaca Mecânica, seu primeiro disco solo, no peito e na raça - num esquema totalmente indie - Lula prepara um novo trabalho, chamado provisoriamente de Cru. E direto de Pernambuco, o cantor e compositor falou ao Cliquemusic sobre as novidades que estarão incluídas no álbum.

   "Este novo disco já nasce com outro timbre", explica Lula o porquê do título do novo trabalho e sua relação com o álbum anterior. "O nome do disco tem sim uma alusão ao som. Tem menos elementos. É mais econômico nas texturas - pelo menos é o que acontece nas músicas que já estão gravadas", resume o pernambucano, adiantando que o novo trabalho já conta com sete faixas prontas. "Em pelo menos três das músicas novas existe uma atmosfera épica-nordestina nas melodias, mas com levadas ágeis e cruas. O eletrônico tá mais enxuto, não tem nada gratuito, menos feérico que no Vaca Mecânica. Houve uma inclinação natural para que a gente criasse de cara as levadas e a percussão, e que o eletrônico só viesse depois", diz Lula.

   O velho comparsa de Lenine segue tentando definir, a seu modo, a atmosfera peculiar que quer evocar nas novas canções: "As letras continuam naquele clima meio estranho, meio surrealista, sem qualquer laivo de romantismo barato. Na verdade é o meu velho mosaico, o velho painel figurativo, mistura de xilogravura de J. Borges (artista vindo de Bezerros, PE) com o expressionismo alemão. Cru não tem nada a ver com seca, chão rachado, cavalo alazão, caveira de burro. Talvez tenha mais a ver com a tentativa de sobreviver ao cozinhamento final do juízo, a galinha enrijecida tentando escapar da panela, ou algo assim."

   Assim como o disco anterior, Cru está sendo gravado no estúdio caseiro do próprio Lula no Recife. "O que aconteceu foi que pude me dar ao luxo de começar a gravar um repertório que terminou se transformando em outro completamente diferente. Aqui não tem aquela luzinha vermelha escrito gravando. A gente estava liberado para errar e fazer de novo", conta Lula. Outro fator em comum entre o novo álbum e Aboiando a Vaca Mecânica é a profusão de participações especiais. "Já de cara o disco novo tem algumas parcerias com Felipe Falcão, Lucky Luciano e Lulu Oliveira, as mesmas figuras que me deram uma força no Aboiando", fala Lula. Outra presença ilustre é a de um xará - Lula Côrtes, antigo parceiro de Zé Ramalho nos anos 70, definido por Queiroga como "um guru, o protomenestrel da Manguetown."

   E ele segue enumerando: "Vai ter também o Zé Neguinho do Coco, um daqueles gênios populares - ele é fantástico, estamos inclusive produzindo um disco com ele. A rapaziada do Faces do Subúrbio também vem fazer um som junto. Ah, tinha esquecido do Otto, que está chegando daqui a pouco para a gente batucar umas idéias. Tem Escurinho e Alex Madureira, ambos de João Pessoa. Penso também no (grupo Cidadão Instigado, de Fortaleza, Lirinha e Clayton do Cordel (do Fogo Encantado), meu compadre Silvério Pessoa e o Digital Groove que são de casa..." O disco novo deve sair pelo selo "caseiro" Luni, do próprio Lula. "Mas ainda é cedo, não temos idéia de como, onde ou quem vai lançar ou distribuir. Entrei em contato com algumas gravadoras para lançar o Aboiando, mas não fomos muito longe", fala o compositor.

   Lula Queiroga, talvez alguns (muitos?) não saibam, esteve presente na gênese da carreira de Lenine, que hoje é admirado como uma das grandes forças na renovação da MPB. Juntos, L&LQ gravaram em 1983 o álbum Baque Solto, hoje quase um documento histórico, que investia numa tentativa de síntese roqueira de sotaque nordestino. ("É um disco que soa datado", afirma hoje Lula.) Muitas das canções que se tornaram consagradas na voz de Lenine têm a co-assinatura de Lula, como A Ponte, Dois Olhos Negros ou A Balada do Cachorro Louco. Enquanto o parceiro fazia seu nome como compositor e lentamente percorria a estrada que o levaria ao primeiro solo, O Dia em que Faremos Contato, Lula sumiu do mapa, ou quase. Morou no Rio por quase duas décadas e dedicou-se a montar seu estúdio próprio, no Recife, e seguiu trabalhando com música para publicidade.

   Portanto, quem achar que o som praticado por Lula hoje - mescla de regionalismo, do sincrético punch percussivo do manguebeat e influências eletrônicas - parece com o de Lenine, não vai estar enganado. Mas também não vai poder rotulá-lo de imitador, visto que seu DNA está na música do velho camarada. "Lenine é meu irmão, parceiro e ídolo. Ele acompanha todos os meus passos, esteve presente no Aboiando e vai estar também neste novo álbum", diz Lula.

   Lula refaz o trajeto de seu retorno/estréia, que ganhou força há mais ou menos três anos: "Foi quando eu voltei a tocar com mais frequência. Recife estava vivendo uma febre de festivais e grandes projetos. Além do Rec Beat e do Abril Pro Rock, rolou um monte de eventos "mega", sempre mais de cinco mil pessoas, e eu toquei praticamente em todos. Como os shows foram super bem recebidos, no fim a gente estava com uma visibilidade grande na mídia local e sendo chamado para atuar em um monte de lugares. Foi um momento de afirmação da geração manguebeat, pós- Chico Science. Ficou claro para as pessoas a riqueza e a pluralidade de estilos e sons da cena recifense."

   O círculo se fechou com o lançamento do primeiro trabalho solo, Aboiando..., muito bem recebido pela crítica. E pelo público também, pelo menos um determinado público. "O Aboiando está rendendo bons shows, estamos com quase cinco mil cópias vendidas sem grande esforço pelo site (veja abaixo o site de Lula Queiroga), através da Luni (produtora do próprio Lula), distribuindo artesanalmente em lojas de discos que tem afinidade com o som. Só pro Japão foram 250 cópias. Para a Europa quase mil", revela Lula, que esteve recentemente promovendo o último disco pelo Velho Mundo. "A turnê que a gente fez há dois meses por lá foi um sucesso arretado e já tá rendendo frutos; tocamos em Milão, Zurique e Montreux. Foi um tapa", afirma o compositor. (© CliqueMusic.com.br)


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