Por pouco, habitantes de
municípios cearenses não caíram na fogueira da Santa Inquisição Católica. Os
''desvios da fé e da moral'' em moradores de Quixeramobim, de Icó, da região
do Cariri e da Serra da Ibiapaba foram atentamente observados pela Igreja,
que chegou a julgar bígamos, sodomitas e feiticeiros no Estado
Débora Dias
da Redação
Mandingueiros,
pedófilos, bígamos, homossexuais, judeus. Todos julgados em nome da Santa Fé
Católica. Não tão distante da imagem de bruxas queimadas em fogueiras,
alguns habitantes da Capitania do Ceará chegaram a cair nas garras dos
Tribunais do Santo Ofício da Inquisição de Lisboa (Portugal) durante a
colonização. Inocentes ou não, acusados de práticas profanas, impuras e
pecados mortais, eles não chegaram a perecer no fogo (até onde se sabe).
Poucos acusados que habitavam em municípios cearenses foram deportados para
responder pelos atos impróprios em Portugal. Viajavam aqueles cujos crimes
eram mais sérios e o castigo era certo, quer fosse a execração pública,
deportação ou até a morte.
Apesar do tema exercer fascínio para
leigos e contar muito sobre a presença dos colonizadores na formação da
sociedade nordestina, a ação do Santo Ofício no Estado não foi alvo de
pesquisas por cearenses nos últimos 107 anos. No livro História do Ceará
(1896), Guilherme Studart, o barão de Studart, faz relatos sobre dois
habitantes dos municípios de Icó (Centro-Sul) e Quixeramobim (Sertão
Central), condenados ao degredo (expulsos do País) por bigamia em 1761. Eles
se casaram pela segunda vez estando viva a primeira esposa.
Outro raro estudo que trata do tema é
do antropólogo e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Luiz
Mott, publicado pela Revista da Sociologia, da Universidade Federal do Ceará
(UFC), em 1985. O artigo ''A Inquisição no Ceará'' se baseia em documentos
inéditos guardados na Torre do Tombo, o maior arquivo português, que guarda
manuscritos originais do Brasil Colônia. Com apenas dez páginas, o texto
traz registros sobre a história, os habitantes e os hábitos cearenses de
outros tempos. E faz um apelo para que mais estudiosos procurem as muitas
informações que ainda estão guardadas no arquivo português e que ficaram
para trás.
''Com o material que levantei em
Portugal (durante seis meses), fiz artigos sobre a presença da Inquisição em
muitos estados brasileiros, como Maranhão, Sergipe, Goiás, São Paulo. O
objetivo era despertar o interesse de pesquisadores locais para irem lá em
busca de mais informações. Infelizmente, do Ceará não soube de ninguém que
se interessou'', lamenta Mott. A pesquisa dele foi realizada em 1983 através
de uma bolsa de pós-doutorado do CNPQ.
O professor localizou outros sete
episódios de pessoas denunciadas no Ceará entre os anos de 1746 e 1778.
''Comprovando que a Inquisição esteve bastante informada sobre os 'desvios'
na fé e na moral dos moradores do Ceará'', analisa ele. Histórias de sodomia
(conjunção sexual anal entre homem e mulher ou entre homossexuais
masculinos), bigamia, pedofilia e solicitação. Este último ''crime'' era
caracterizado quando um religioso usava da função de sacerdote para obter
favores sexuais, muitos obtidos até no confessionário.
Mott lembra que o Tribunal da Santa
Inquisição foi fundado em 1536, mas imperou soberano durante todo o Período
Colonial (século XVI a XVIII). Apenas em 1821 foi extinto. ''O último
inquisitor, para nosso desdouro, foi um nordestino: o bispo pernambucano
Azeredo Coutinho, fundador do Seminário de Olinda'', relata o antropólogo.
Como a colonização cearense foi tardia (1603), se comparada a outros estados
brasileiros, ele destaca que a atuação do Santo Ofício foi mais intensa nas
capitanias da Bahia, de Pernambuco e da Paraíba.
O antropólogo destaca que, de 1536 a
1821, foram enviados do Brasil para Portugal quase duas centenas de réus.
Desses, 20 pessoas morreram queimadas na fogueira, sendo 17 cristãos-novos
(judeus convertidos ao cristianismo), dois padres e um feiticeiro. Ele
indica que não encontrou registros de cearenses entre os condenados à morte.
Mas ressalta: ''Essa não é uma pesquisa conclusiva, fechada. Há outros
documentos, e não fui buscar apenas dados do Ceará. Esse trabalho é uma
pesca de linha e anzol, não é de arrastão'', compara. Para Mott, essa é
apenas a dica para futuras revelações.
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''Oração forte'' também era proibida
Crendices, amuletos e feiticeiros.
As mandingas em solo cearense também foram denunciadas à Inquisição, segundo
dados do antropólogo Luiz Mott. O pesquisador encontrou registros que, no
ano de 1765, um tal Pedro Alvares Correia, ''valentão que se gaba de beber
chumbo e balas derretidas'', havia adquirido uma ''oração forte'' do Padre
André Sepúlveda, do Apodi (região na divisa entre Ceará e Rio Grande do
Norte), para não morrer nem de chumbo nem de bala. O valentão deu sete bois
para receber a dica do padre.
Segundo o pesquisador, a oração
chamava-se provavelmente ''Justo Juiz'' ou ''São Cipriano''. O denunciador
foi outro padre, José de Freitas. Este completou o serviço informando
''estarem esses sertões infestados de feiticeiros e feiticeiras, que têm com
seus malefícios levado à morte muitas pessoas, sobretudo negros e índios,
inclusive um seu escravo que ficou doente de feitiço''.
O professor lembra que o mau exemplo
das superstições vinha do próprio clero. ''Ganancioso, negociando a preços
exorbitantes não só indulgências, relíquias, mas inclusive orações fortes
proibidas pelo próprio Santo Ofício. O que esperar de um rebanho tão
amestiçado e heterodoxo, quando os pastores têm tanta culpa no cartório
inquisitorial?, questiona.
Outro caso levantado pelo antropólogo
é uma denúncia de pedofilia que remonta o ano de 1749. O negro ''Luis
Frasão'', escravo da Araticuns, na ribeira do Acaraú, forçara para ato
''sodomítico'' o filho de Domingos de Souza, ''um rapagote'' (os relatos não
dizem a idade). O crime foi caracterizado na época como ''cópula
inter-geracional''.
A mãe da vítima fez queixa à dona do
escravo que o prendeu no tronco até que o marido chegasse. Este, tratou de
vender logo o escravo, provavelmente para não ficar no prejuízo caso o negro
fosse vingado pelos parentes do garoto ou ''seqüestrado pelo Santo Ofício''.
De acordo com Mott, há registros de outros escravos no Brasil que ficaram
presos pela Santa Inquisição.
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Atuação menos intensa
no CE
Os
habitantes de municípios cearenses foram denunciados à Inquisição através
dos muitos agentes que a Igreja tinha espalhados por todo o Brasil. O
antropólogo Luiz Mott explica que o Santo Ofício enviava comissários
(sacerdotes que se encarregavam dos processos) e familiares (leigos) para
reunirem as denúncias. ''Funcionavam como pontas de lança do Santo Ofício
para denunciar e prender'', explica o antropólogo.
Não consta na história visitações de
inquisitores portugueses ao Estado. Estes teriam realizado quatro visitações
ao Brasil nos estados da Bahia (1591-1593), Pernambuco (1593-1595), uma
restrita a Salvador (BA, de 1618 a 1621) e a última ao Pará (1763 a 1769). O
advogado Virgílio Maia destaca que, apesar de menor, a Paraíba teve presença
forte da Inquisição, tendo inclusive uma mártir enviada à Portugal para
queimar na fogueira, a cristã-nova Branca Dias.
Para Maia, as causas para o Ceará ter
sofrido menos a interferência do tribunal estão ligadas à colonização tardia
do Estado (1603), com um século de atraso. ''Até o Rio Grande do Norte, a
terra é fértil e aqui não tem Zona da Mata. O Sertão vai até a praia. A
costa também era de difícil acesso pelos ventos e correntes marítimas'',
lista. Ele considera ainda que a presença de judeus no Ceará não foi
documentada. ''É tudo de ouvi dizer, faltam documentos'', diz.
O sociólogo Diatahy Bezerra de
Menezes confirma que não há muitas referências de estudos sobre a Inquisição
no Ceará. Ele atribui muito desse silêncio ao fato do Estado ter tido pouca
presença de inquisitores, se comparado a outras Capitanias, além de outro
fator: ''Passa por uma idéia de se esconder os componentes judaicos na
formação do Ceará'', defende.
Diatahy lembra que foi Capistrano de
Abreu, historiador cearense, quem trouxe contribuições sobre o tema a partir
de documentos sobre a Inquisição na Bahia. Nas palavras de Capistrano, a
Inquisição era um monstro de muitos olhos, a maioria deles virados para a
intimidade dos fiéis. Diatahy ressalta que Capistrano viu nos relatos a
importância da documentação dos costumes e hábitos do Brasil Colônia.
''Gilberto Freyre usou isso no livro Casa Grande e Senzala (obra que se
transformou em uma das maiores referências sociológica do País), quando
contava os costumes e imoralidades do Brasil'', observa.
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Bígamo foi preso e
enviado para a África
O
último episódio levantado pelo antropólogo Luiz Mott na Torre do Tombo,
referente ao Ceará, implicou na prisão e degredo (obrigação de viver em
outro país) do culpado. O réu era um português natural da Ilha da Madeira
(África), José Luiz Pestana, ''que em momentos de bonança chegou a ser Juiz
Ordinário e Juiz dos Órfãos do Ceará''. Tornou-se comerciante em Recife e
casou-se com Maria Nazaré com quem teve três filhos. Após dez anos no
Brasil, sofreu a bancarrota dos negócios.
''Falido de bens e fugindo às
vexações dos seus credores'', foi se esconder na Bahia para depois se fixar
no distrito de Sobral do Acaraú (Região Norte do Ceará), onde assumiu o nome
falso de Polinardo Caetano Cesar de Ataíde. Foi parar na fazenda Quitéria
''a 18 léguas da vila de Sobral, a segunda vila da Província em grandeza,
comércio e população''. Comprovando ser solteiro a partir do juramento falso
de dois amigos, e como era branco puro (produto valorizado pelos fazendeiros
também brancos) conseguiu casar com a filha do Sargento-Mor da vila, João
Pinho de Mesquita, em 1770.
Por nove anos, o bígamo viveu sob o
anonimato, período em que teve três filhos. Até que um dia, um religioso,
Frei Antônio, do Convento da Boa Vista do Recife, espalhou a notícia que
Polinardo havia se casado com falsa identidade. O boato se espalhou até
chegar ao Comissário do Santo Ofício do Recife, que conferiu o livro de
Casamento da Igreja onde se realizou o primeiro sacramento e foi checar a
informação com o vigário que celebrou o segundo matrimônio.
Fizeram ainda comparação entre uma
carta escrita de José Luiz Pestana, em Recife, com a de Polinardo, em
Sobral. A constatação foi óbvia: se tratava da mesma pessoa. A descrição dos
dois também era a mesma, ''desembaraçado na fala e pouco cuidadoso em pagar
o que deve''. Para o professor, o relato era claro: ''Desbocado e
caloteiro''.
Polinardo, ou José Luiz, foi preso e
embarcado para os ''cárceres secretos'' da Inquisição em Lisboa. Após quase
dois anos de processo, em 20 de junho de 1780, teve a sentença publicada em
praça pública: seis anos de degredo para Angola (África) e mais a dívida de
11.502 reis com o gasto do processo. O professor explica que o processo não
informa se o bígamo morreu na África ou retornou ao Brasil. Mas com a
anulação do segundo casamento, os três filhos cearenses, netos do
Capitão-Mor, passaram à infame condição de bastardos. A esposa, dona Isabel
Pinto, de matrona se transformara em reles mãe solteira.
De acordo com Mott, só no caso da
morte da primeira esposa é que se podia regularizar a situação da família.
''Infeliz família que teve sua pacata trajetória bruscamente infelicitada
pela Inquisição, guardiã da moral e dos bons costumes'', trecho da pesquisa
de Mott.
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Judeus perseguidos pela
Inquisição
A Inquisição forçou todos os judeus
de Portugal, em 1497, a se converterem ao catolicismo, sendo chamados de
cristãos-novos. A proibição do judaísmo durou até o ano de 1821, quando o
tribunal foi extinto em Portugal. Segundo o pesquisador do judaísmo,
Vinícios Barros, muitos dos judeus que moravam em Recife migraram para o
Ceará quando o tribunal da Santa Inquisição de Portugal foi a Olinda (PE) em
1594.
''Quase todas as famílias têm origem
judaica, sobretudo em Aracati. Hoje, pouca gente sabe'', identifica Barros.
Ele cita uma família paraibana onde 29 pessoas foram presas e enviadas a
Portugal, sendo queimadas duas mulheres. Uma remanescente do grupo conseguiu
se mudar para o Ceará e casar com um cristão-velho (cristão autêntico).
''Achavam que a descendência judaica era transmitida pela parte materna. Mas
como ele era cristão-velho, não mexiam com ela'', destaca.
Segundo ele, era intensa a paranóia
anti-semita. Como os cultos não eram abertos, as pessoas investigavam
indícios, umas das outras, para comprovar a prática religiosa proibida.
Barros conta táticas como a de pessoas que se convidavam para almoçar nas
casas de cristãos-novos e pediam para serem preparados pratos proibidos aos
judeus, como porco. Se o patriarca não comesse, poderia ser uma informação
usada para um processo. Outros foram pegos por se negarem a trabalhar aos
sábado. ''Naquele tempo, a pessoa só bastava ter uma raivazinha de outra que
denunciava para à Inquisição'', diz ele.
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Padres também eram
delatados
Duas
das sete denúncias à Inquisição contra moradores do Ceará, levantadas pelo
antropólogo Luiz Mott, são referentes a outro crime de comportamento
considerado imoral. Dois sacerdotes do Ceará são acusados de
''solicitação'', isto é, ''aproveitando-se da intimidade do confessionário,
solicitam suas penitentes a atos sexuais''. Mott destaca: ''Era no
confessionário onde muitas e muitas de nossas donzelas tiveram a
oportunidade única de falar e manter um contato 'tête-a-tête' com um homem
estranho a sua parentela''.
De acordo com ele, ''o Santo Ofício
considerava muito grave tal indisciplina pois ameaçava a confiabilidade de
um sacramento que a duras-penas a cristandade aceitou (a confissão), e cuja
finalidade era justamente lavar a alma dos pecados e não oferecer ocasião
para o representante de Cristo (padre) levar as ovelhas para o abismo''.
O pesquisador encontrou, nos
''Cadernos dos Solicitantes'' da torre do Tombo e da Biblioteca Nacional de
Lisboa, nomes de sacerdotes envolvidos com ''imoralidades no
Confessionário''. Um destes foi o padre Antônio José de Miranda, da
freguesia de Aracati, ''maior vila e mais populosa, comerciante e
florescente do Ceará'', segundo relatos da época. Em 1752, o padre foi
acusado de ter solicitado Tomásia Francisca, escrava solteira.
A negra, após ter recebido recado do
padre, ''esculhambou o sacerdote'' em altas vozes, ''dando publicidade ao
seu indecoroso convite''. O padre se limitou a chamar a escrava de atrevida.
Mas a ousadia da negra tinha razão de ser. O antropólogo localizou em outro
Caderno dos Solicitantes uma confissão do mesmo sacerdote em 20 de agosto de
1762. Ele declarou que, no Sertão do Acaraú, entre 1759 e 1760, ''por
tentação do demônio, disse à parda Antônia Bezerra, in loco confessionis,
que me quisesse bem''. Miranda alegou que não havia Comissário próximo a
quem confessasse suas faltas. ''Os inquisitores tratavam com maior
indulgência os que se acusavam espontaneamente, mesmo depois de
denunciados'', explica Mott.
No mesmo ano da confissão, outro
vigário, agora da ''Freguesia de Nossa senhora da Conceição da Amontada do
Acaracu'', teve o nome incluído no Caderno dos Solicitantes. O pecado:
''Tratos ilícitos e tocamentos com os pé em Maria Monteira, escrava do
Tenente João Fernandes, em abril de 1762''. Mott ressalta que, além do crime
de solicitação, muitos padres eram delatados pelo crime de sodomia. ''Um
terço dos sodomitas presos e queimados eram do clero'', destaca.
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Sete séculos de inquisição no
mundo
O escritor Elias Lipiner explica que a Inquisição foi instituída pelo
papado no século XII e abolida apenas no XIX, por Napoleão Bonaparte. Depois
de um longo período de acusações, injustiças, arbitrariedades e mortes em
todo mundo, as marcas que ficaram na história da humanidade desse período,
assim como os avanços das civilizações, são apontadas por estudiosos.
O advogado Virgílio Maia observa que
uma das características da Inquisição era atribuir ao réu a tarefa de provar
a inocência, sem ter acesso às informações do processo. ''A prova era obtida
através da confissão do réu sob tortura. Este não sabia quem acusa e quem
testemunha'', destaca. Maia lembra que hoje vale o princípio do direito em
que a prova cabe a quem alega. ''Foi uma conquista da civilização o
princípio da presunção de inocência, isto é, todos são inocentes desde que
se prove o contrário. A humanidade percorreu séculos para essa conquista'',
defende.
O sociólogo Diatahy Bezerra de
Menezes compara a Inquisição com o período de ditadura militar brasileira,
que perdurou de 1964, com o golpe de Estado, até o início da década de 1980.
''Iam os visitadores do Santo Ofício para abrir os processos. Como nos
tempos da ditadura, haviam os dedo-duros'', indica.
Para o antropólogo Luiz Mott,
enquanto alguns réus já foram perdoados pela Igreja, como judeus, religiões
afro-brasileiras e mouros, continua a repressão contra bígamos, atualmente
os divorciados, e homossexuais.
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Três denúncias de
sodomia
O
''abominável pecado da sodomia'' foi responsável por três denúncias à
Inquisição de um mesmo habitante cearense, levantadas pelo antropólogo
baiano Luiz Mott. ''Herdeira da moralidade sexofóbica do judaísmo, a Igreja
Católica opôs-se tenazmente a todas as expressões da sexualidade não
reprodutiva, os chamados 'pecados contra a natureza', prendendo e queimando
centenas de homens de todas as idades e de diferentes condições sociais e
étnicas praticantes do homo-erotismo'', explica o pesquisador.
A Igreja recriminava a conjunção
sexual anal tanto em mulheres quanto em homens. Em 25 de maio de 1746, em
visita a Ibiapaba (Região Norte), o missionário Frei Miguel da Vitória
recebeu a delação ''de um tal de Manuel Lopes'', branco e casado. Alguns
índios da serra confirmaram a denúncia que Manuel cometera o ''pecado'' com
um moleque do lugar chamado Cabouqueira, além de ter mantido ''relações
proibidas'' com outros jovens. De acordo com a pesquisa de Mott, os relatos
da inquisição registraram o depoimento de um dos rapazes, Leandro: ''O
chamara para parte esquisita e lhe pusera um vintém de cobre na mão, dizendo
que queria ser seu camarada, desatando-lhe as ceroulas''.
Para escapar da fogueira, Manuel
alegou que ''estavam convolando (combinando) para ir chamar uma mulher'' e
que o contato não foi para ''ato suldímico''. Como a Inquisição só
considerava crime perfeito de sodomia quando havia ''penetração do membro
viril desonesto no vaso traseiro com derramação de semente'', os jogos
eróticos não eram crime, apesar do praticante garantir lugar no inferno
depois da morte. Segundo Mott, a inquisição perseguia sobretudo a cúpula
anal. A homossexualidade feminina, deixou de ser considerada crime, sendo
excluída da categoria de sodomia pelo Santo Ofício a partir de 1646.
Duas outras denúncias de
homossexualidade ocorreram na paróquia de Nossa Senhora da Conceição, na
''Ribeira do Acaraú'' (Região Norte) no ano de 1749. Mais uma vez o
envolvido é Manuel Lopes, que agora trabalhava na fazenda do Capitão-Mor do
lugar chamado Eibiri-Açu. A acusação era de que ele estava cometendo o
pecado de sodomia ''com um negro atrás do curral, tendo fama de ser
acostumado nesse vício''.
Apesar dos indícios, Manuel não
chegou a ser punido severamente. Segundo o antropólogo, em via de regra, o
Santo Ofício só mandava prender os suspeitos quando havia muitas provas dos
atos sodomíticos, consumados com depoimentos dos próprios cúmplices. ''Caso
contrário, arquivava-se a denúncia'', diz ele. Se não chegassem mais provas,
o fogo do inverno ou do purgatório se encarregavam de queimar os
''pecadores''.
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ALGUMAS PUBLICAÇÕES SOBRE O TEMA
- História do Ceará
Autor: Guilherme Studart
Edição: 1896, Tipografia Studart (Ceará)
- Revista de Ciências Sociais - Artigo ''A Inquisição no Ceará''
Autor: Luiz Mott
Edição: 1985/1986, volume 16/17
- Santa Inquisição: terror e linguagem
Autor: Elias Lipiner
Edição: 1977, Rio de janeiro, editora Documentário
- Os judaizantes nas Capitanias de cima (estudo sobre cristãos-novos do
Brasil nos séculos XVI e XVII)
Autor: Elias Lipiner
Edição: 1969
- A Inquisição no Brasil: um capitão-mor judaizante
Autor: Rachel Mizrahi Bromberg
Edição: 1984, S. Paulo, SP
* Vínculos do Fogo - Antônio José da Silva, o Judeu e outras histórias da
Inquisição em Portugal e no Brasil
Autor: Alberto Dines
Edição: São Paulo, SP: Companhia das Letras, 1992
- ''Capítulos de História Colonial''
Autor: J. Capistrano de Abreu.
Ano: 1998. Coleção Biblioteca Básica Brasileira
Edição: Reedição da obra pelo Senado Federal/Conselho Editorial.
- A Inquisição Portuguesa e a Sociedade Colonial
Autor: Siqueira, Sonia A.
Edição: Editora Ática, São Paulo, 1978
(©
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