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05-06-2008 Escritor sergipano, autor de obras consagradas pela crítica como 'Coivara da Memória' e 'Desvalidos', está prestes a lançar um novo livro no qual reflete sobre os desmandos culturais e políticos do País MARIA HIRSZMAN Francisco José Costa Dantas, um dos candidatos ao Prêmio Multicultural Estadão deste ano, é um desses casos raros no Brasil.Conseguiu construir uma sólida carreira literária, que conta com a admiração dos principais críticos literários do País, sem ceder ao apelo das facilidades que a fama costuma trazer. Vive com a mulher, Maria Lucia Dal Farra, que também é escritora, entre a fazenda em Riachão do Dantas - onde cria cabras e cuida dessas coisas do mundo rural, desde sempre presentes em sua vida. Os períodos na capital, para visitar a mãe viúva, tornaram-se um pouco mais raros nos últimos anos, depois que ele se aposentou da Universidade Federal de Sergipe, onde ensinava literatura brasileira e portuguesa. A importância da vida rural nordestina, com seu ambiente agreste e atávico, fazem parte da literatura de forte caráter memorialístico e elaborada construção verbal de Dantas. É não apenas o pano de fundo, mas personagem central de sua ficção. Indo na contramão do senso comum, de que a literatura regional brasileira já tinha esgotado suas possibilidades, Dantas surpreendeu com uma literatura que o crítico José Paulo Paes recebeu como algo "providencialmente fora de moda", como algo capaz de "resgatar fios históricos cortados pelo açodamento da tesoura da moda", a exemplo do que já havia sido feito anteriormente por Guimarães Rosa. Rosa, aliás, é bastante lembrado quando se fala da obra de Dantas, não apenas pelo tema (o sertão) ou pela linguagem (rica, musical e profundamente elaborada), mas por uma liberdade bastante solitária, por uma viagem bastante particular. "Guimarães foi um escritor das raízes; nunca se desprendeu delas, mesmo quando a literatura se bandeava para posturas ideológicas. Ele fala do tempo pré-histórico brasileiro, jamais se desprendeu do chão", afirma Dantas sobre a obra de Rosa, ajudando a elucidar a relação de proximidade muitas vezes estabelecidas entre os dois. Outros dois mestres da literatura brasileira também são muito citados quando o tema é a obra de Dantas: José Lins do Rego e Graciliano Ramos. "Quer no memorialismo indireto porque fictivo de Menino de Engenho ou de Angústia, quer no memorialismo direto porque confessional de Meus Verdes Anos ou de Infância, salta aos olhos o primado do rememorativo", afirma Paes na crítica já mencionada e publicada no Estado por ocasião do lançamento de Coivara da Memória, primeiro livro de Dantas. Hoje já são três romances e o quarto está a caminho, com o sugestivo título de Sob o Peso das Sombras, que depende ainda de alguns poucos retoques e de um acerto com alguma editora. Ao contrário de Coivara, que se passava num ambiente fechado, claustrofóbico, de um quarto num velho casarão e na memória do personagem central - preso, à espera de um julgamento -, os títulos posteriores de Dantas parecem ter ido caminhando um direção a uma maior abertura para o mundo externo e real. É o caso, por exemplo, de Desvalidos, lançado em 1993 com grande sucesso. O livro mostra a impossibilidade de se viver no País a não ser de favor; mostra um Lampião que não é nem herói nem monstro. É um desvalido, como os outros personagens do livro. "Um dos dramas de Os Desvalidos concerne à legendária fome, à miséria mais descarnada, à injustiça e à violência que nunca foram erradicadas do Nordeste. E ao colocar personagens no interior de Sergipe, estou também falando do Brasil e de qualquer País onde haja a mesma miséria ou alguma indagação sobre a literatura", definiu com precisão o autor em entrevista concedida há exatos dez anos para Hamilton dos Santos. Em Sob o Peso das Sombras, Dantas retoma a estratégia já utilizada em Cartilha do Silêncio (1997), de usar a vida dos protagonistas para tratar de um período amplo de tempo, usar a memória para refletir sobre o presente, desvendando nexos poéticos e reais que estão na base de nossa sociedade injusta e desigual. No caso de Cartilha são cinco personagens, que o permitem tratar quase por todo o século 20, já que o livro abrange os anos entre 1915 e 1974. O novo romance tem uma estrutura mais simples, um único e mesmo personagem-narrador e uma forte dose de ironia, garantida pela tarefa um tanto impensável exercida pelo protagonista, um secretário do departamento de mitologia de uma universidade nordestina. Por meio da sua história é feito um balanço do descaso, do desmando. "Minha visão do mundo não é nada exemplar", responde ele, acrescentando ter a sensação de o horizonte se fecha cada vez mais, que o poder mantém uma relação cada vez mais promíscua com o poder financeiro e se pauta por critérios artificiais, midiáticos. "Parecem mais preocupados com a aparência do que com as necessidades de fato. É muito triste, parece uma coisa sem convicção", diz, lamentando a decepção sentida por muitos que viam na eleição de Lula uma possibilidade real de mudança. Uma visão autobiográfica? Evidentemente que sim, como toda literatura que admira, conclui. Para exemplificar essa afirmação, Dantas conta que está aproveitando o fato de ter mais tempo em decorrência da aposentadoria para reler os grandes momentos da literatura, brasileira e mundial. "Os autores que cultuo estão densamente agarrados à memória, principalmente à infância", completa Dantas em entrevista ao Caderno 2. No momento está relendo toda a obra de Faulkner. "Tudo ali é biográfico. Vejo isso tudo como um espelho", afirma o autor que vem mostrando que a reflexão nem sempre caminha de mãos dadas com a ambição acadêmica. Uma prova disso é que só aos 30 anos fez o madureza, completando o 2.º grau. Em seguida realizou mestrado e doutorado (este último dedicado a Eça de Queiroz, eleito em parte porque os orientadores de literatura brasileira de São Paulo não tinham como absorver na época um aluno desconhecido, vindo do Sergipe), aliando com tranqüilidade reflexão teórica e criação poética. Mesmo assim diz ter recebido com surpresa sua indicação para o Prêmio Multicultural Estadão. Recentemente, quando estava dando um curso em Berkeley (EUA) teve uma surpresa semelhante ao ser agraciado com o prestigiado Prêmio da União Latina. "Não tenho relações, não tenho agente; nenhuma ligação pelo sul", afirma. Uma exceção que nos permite lembrar de nossas raízes, ao invés de continuar olhando para fora, para os grandes centros em busca de efeitos fáceis e aparições histriônicas. (© O Estado de S. Paulo)
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