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Bienal recria fábrica de idéias de Paulo Bruscky

05-06-2008

Paulo Bruscky em seu ateliê em Recife, que fará parteda Bienal de São Paulo, em 2004

Mostra integral do acervo de Paulo Bruscky na Bienal de São Paulo, em 2004, tenta fazer justiça à carreira de um pioneiro das artes

FABIO CYPRIANO
ENVIADO ESPECIAL A RECIFE

   Em um apartamento de menos de 60 m2, no bairro do Torreão, em Recife, o artista Paulo Bruscky reúne, há 17 anos, um dos mais importantes acervos do país de arte postal, livros e documentos da história da arte, além de suas próprias obras.

   A miscelânea reunida nesse ateliê será transportada em sua íntegra para o parque Ibirapuera, numa sala da 26ª Bienal Internacional de São Paulo, programada para setembro do próximo ano, sob responsabilidade de Alfons Hug. Ao expor o ateliê do artista, o curador espera fazer "uma conclamação muda aos jovens artistas, para que eles estudem, pesquisem, sondem teorias, em resumo, se eduquem".

   Com isso, Hug faz justiça a Bruscky, 54, cuja carreira muito particular é praticamente desconhecido no país. Praticamente, pois, nos últimos anos, Bruscky voltou a ser chamado para mostras coletivas, após realizar uma individual em 2001, na Torre Malakoff, no Recife, após ficar 16 anos sem expor. Desde então, ele foi chamado para o Panorama da Arte Brasileira, em 2001, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, e atualmente está em cartaz em Curitiba, na mostra Imagética.

   "O ateliê dele é uma verdadeira instalação, uma obra construída em toda a vida dele. Montar esse espaço aqui é mostrar a importância disso e alertar para o risco desse acervo sair do país", diz Ricardo Resende, um dos curadores do Panorama e da Imagética. De fato, um colecionador de Houston (EUA) já tentou levar o acervo que o artista tem do movimento Fluxus, com obras de Yoko Ono, Nan June Paik e John Cage, entre outros. "Quero que esse acervo continue no país", conta Bruscky.
Entretanto, 2004 promete marcar a trajetória do artista, que nunca vendeu uma obra (atenção, galeristas!). Além de participar da Bienal, ele será tema de três publicações: um catálogo de 300 páginas com sua obra, que está sendo preparado pela professora da USP Cristina Freire, especialista em arte conceitual e apontada por Resende como responsável pelo resgate do artista; um livro de sua autoria sobre a história da arte nos anos 70; e um livro sobre poesia visual e experimentalismo, em preparação por Adolfo Monteiro, espanhol residente no Rio.
Filho de um fotógrafo e bailarino russo com uma brasileira de Fernando de Noronha, Bruscky desde jovem ajudava o pai em seu estúdio. "Fui criado dentro do ateliê fotográfico, eu fazia as ampliações e gostava de desenhar."

   Aos 17 anos, em 1966, Bruscky perdeu o pai, o que o levou a trabalhar. Três anos depois, ganhava o 1º Prêmio no Salão de Pernambuco, com "O Guerrilheiro", obra nunca exposta: "O Exército mandou tirar", diz o artista, preso três vezes pelo regime militar.

   Mas, no início dos anos 70, o autodidata Bruscky iniciou uma expansão, rompendo com o suporte tradicional e entrando na arte conceitual. A obra simbólica dessa passagem -o desenho de um carretel, de onde sai um fio, que é real e cai da moldura-, está pendurada no ateliê e será vista na Bienal. "Desenvolvi um trabalho solitário, o neoconcretismo [movimento carioca que rompia com o suporte] não repercutia aqui."

   Nos anos 70, objetos cotidianos eram apropriados pelos artistas e Bruscky participou ativamente desse momento. Arte-postal, arte com fax (da qual é pioneiro no país), intervenções na cidade, arte com xerox. "Eu ia ao escritório da Xerox e passava a noite fazendo trabalhos. Eles até deixavam café e biscoitos", conta. Isso lhe deu a bolsa da Fundação Guggenheim, que o levou a Nova York, em 1982.

   Lá, Bruscky intensificou contatos com integrantes do Fluxus, como Dick Higgins, o líder da turma, e participou, ao lado de Merce Cunningham e Rauschenberg, de performances de Cage.

   Como nunca vendeu suas obras, Bruscky sempre foi funcionário do Inamps, de onde se aposentou recentemente. Mesmo assim, nunca parou de produzir e espera que sua obra recente ganhe visibilidade: "Só mostram minha obra dos anos 70, como se eu tivesse morrido. Tudo bem que ninguém conhecia, mas eu continuo produzindo", afirma.

(© Folha de S. Paulo)


COMENTÁRIO

Mundo conceitual reflete crise da pintura

ALFONS HUG

   No seu ateliê, na Rua Cândido Lacerda, 311, no Recife, Paulo Bruscky colecionou uma história impressionante da arte e do mundo dos últimos 40 anos: obras primas da literatura, escritos científicos, dissertações sobre estética, tratados. Pilhas de recortes de jornal amontoam-se no chão. A elas vêm se juntar cartas dos seus colegas do grupo Fluxus. Objetos e pequenas esculturas. (...) Recife como umbigo do mundo; e o artista, um cientista, como no "Geógrafo" de Vermeer, de 1669. Uma biblioteca como baluarte contra o mundo? Ou será que a fúria colecionadora de Bruscky não é também uma conclamação muda aos jovens artistas, para que eles estudem, pesquisem, sondem teorias, em resumo, se eduquem?

   Num dos cantos do estúdio desarrumado estão, sem que aparentemente ninguém lhes preste atenção, um cavalete empoeirado e várias paletas com manchas de tinta ressequida. As ferramentas do pintor parecem estranhamente deslocadas pela supremacia dos livros, objetos e conceitos. Um símbolo para a crise da pintura, tantas vezes lamentada nos últimos tempos. (...) O ateliê de Bruscky, que ao lado do seu complexo mundo conceitual também possui um encanto plástico e uma certa poesia melancólica, será reconstruído detalhadamente na Bienal de São Paulo.

   Mas ela também porá de lado, por um instante, a sua miscelânea da saudade e revelará todos aqueles quadros imaginários que nem ele, nem seus colegas artistas, conseguiram, nem puderam pintar nos últimos anos. Mais do que nunca, na arte de hoje em dia trata-se mais do poder de criar imagens, e menos da capacidade de juntar dados. Esta tarefa a gente pode deixar sem receio para os cientistas, aqueles cronistas da precariedade do mundo real. O segredo da pintura reside em que uma minúscula pincelada rasga o véu do cotidiano e traz à luz um novo mundo, diante de cujos enigmas fracassam as estatísticas dos matemáticos.

Alfons Hug é curador da 26ª Bienal Internacional de São Paulo; este texto é um fragmento do que será publicado no catálogo da mostra

(© Folha de S. Paulo)

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