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Documentário de Eduardo Coutinho discute a vida

Pessoas que aparecem no documentário

O diretor aborda o tema pelo que parece seu inverso - a proximidade da morte

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Luiz Carlos Merten

   São Paulo - Eduardo Coutinho estava na ilha de edição da Videofilmes, no fim de 2003. Ainda montava Peões, que compõe com Entre-Atos, de João Moreira Salles, um díptico sobre a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Pois foi justamente João quem lhe perguntou, à queima-roupa, o que ele pretendia fazer, a seguir, para associar a Videofilmes, a produtora da família Moreira Salles, ao novo projeto do maior documentarista brasileiro.

   Coutinho vinha de uma série de filmes urbanos - Babilônia 2000, Edifício Master. Disse que queria fazer um filme rural. Acrescentou que deveria ser um documentário sem pesquisa prévia e, invocando uma preferência pessoal - sem nenhuma sustentação racional -, acrescentou que gostaria de filmar na Paraíba.

   Foi assim, quase como uma aposta do diretor consigo mesmo, que nasceu o novo documentário de Coutinho. O Fim e o Princípio estréia nesta sexta-feira na cidade. Ele conseguiu, mais uma vez. Se há um documentarista que consegue sempre surpreender e maravilhar, é Coutinho. O Fim e o Princípio integrou a programação da Mostra BR de Cinema. O diretor foi atraído a São Paulo, na noite de encerramento. Se soubesse o que Leon Cakoff e Renata Almeida lhe aprontavam, não teria vindo.

Jose Patricio/AE/
O diretor Eduardo Coutinho quando recebeu ao troféu da 29.ª Mostra de Cinema, ao lado dos idealizadores Leon Cakoff e Renata Almeida

   Ele nem sabia da existência do troféu Humanidade, criado pela Mostra, no ano passado, para homenagear o mestre Manoel de Oliveira. Depois de um mestre da ficção, o prêmio reverenciou um mestre do documentário. Coutinho foi chamado ao palco do Memorial da América Latina para receber o troféu Humanidade 2005. Foi aplaudido de pé pelo público. Quase morreu de susto, ele que é tão discreto e só se solta no set, com os entrevistados.

   A partir desta sexta, você tem um encontro marcado com O Fim e o Princípio. Partindo do nada, Coutinho fez um filme de grande riqueza. Todo documentário do diretor fala da vida. Este aborda o tema pelo que parece seu inverso - a proximidade da morte. Coutinho foge à comparação com Cabra Marcado para Morrer, quase sempre apontado como o melhor documentário feito no Brasil. Mas uma coisa ele sabe e diz - nenhum outro filme lhe deu mais prazer. Espera que pelo menos parte desse prazer seja transferido para o público.

"O Fim e o Princípio" retrata sertão paraibano

   Ao escolher a Paraíba como cenário de seu novo documentário, O Fim e o Princípio, Eduardo Coutinho obedecia a razões tão misteriosas que nem ele sabe explicar direito. Como viajava com uma equipe - e na abertura do filme que estréia nesta sexta-feira, dentro da van, ele explica o projeto -, precisava de uma cidadezinha, no sertão profundo, que pudesse abrigar seu pessoal. Foi ao guia Quatro Rodas e encontrou a indicação de Cajazeiras.

   Descobriu que o hotel, na verdade, ficava em São João do Rio do Peixe, onde também localizou o sítio Araçás com os personagens que filmou - sem pesquisa prévia, como queria. Para chegar aos personagens, Coutinho teve de chegar antes a Rosilene Batista, a Rosa. Foi seu anjo da guarda no sertão. Professora e integrante de uma ONG, Rosa conhecia o ambiente e as figuras. Mas não foi um processo fácil.

   Como no caso de Cabra Marcado para Morrer, a filmagem começou não dando certo. Coutinho filmou durante uma semana, basicamente uma mulher de 30 anos e um homem de 40, cujos depoimentos, depois, não utilizou. Uma série de contratempos o levou a parar por dois meses. Quando voltou, filmou durante três semanas, colhendo os depoimentos que estão no filme - entre outros, os de Maria Borges, Umbelino, dona Margarida e Chico Moisés, o que encerra O Fim e o Princípio. Coutinho tem uma regra muito clara - prefere filmar personagens que possuam histórias banais, mas saibam se expressar, a outros com histórias mais interessantes, mas que sejam travados diante da câmera.

   A maioria das pessoas deste filme é analfabeta, mas sua linguagem não foi padronizada pela TV e elas só possuem a oralidade para se expressar. Contam muito bem suas histórias, explica. A esse elemento, somaram-se outros dois, um que ele esperava encontrar (o rico imaginário do sertanejo) e outro que o surpreendeu (os arcaísmos de linguagem, herança da influência portuguesa). Por um fenômeno migratório - os jovens deixaram o lugar, para tentar a sorte nas grandes cidades -, Coutinho encontrou só idosos, que lhe disseram coisas profundas.

   O Fim e o Princípio (Br/2005, 110 min.). Documentário. Dir. Eduardo Coutinho. Livre. Espaço Unibanco 3 - 15h30, 17h30, 19h30 21h30. Cotação: Ótimo

(© estadao.com.br)


'O Fim e o Princípio' de Eduardo Coutinho

Novo documentário do cineasta mostra um mundo em vias de desaparecimento no sertão da Paraíba

   RIO - 'O Fim e o Princípio' é o novo documentário de Eduardo Coutinho - nono da carreira de diretor - que tem no currículo filmes como Edifício Master (2002) e Peões (2004). Com este recente trabalho, o cineasta realiza um antigo sonho de chegar em algum lugar do sertão nordestino e, com uma câmera na mão e nenhuma idéia na cabeça, partir do grau zero do documentário. Simplesmente procurar pessoas interessantes para conversar e ouvi-las contar histórias de vida e de morte.

   "Haveria de ser um ambiente não urbano, qualquer sertão por aí. E eu trabalharia sem nenhuma pesquisa prévia. Se todas as tentativas falhassem, então o tema poderia ser a própria busca do filme", conta.

   E é nessa busca que ele vai parar no município de São João do Rio do Peixe, sertão da Paraíba, e lá descobre o Sítio Araçás, uma comunidade rural onde vivem 86 famílias, a maioria ligada por laços de parentesco.

   Graças à mediação de uma jovem de Araçás, os moradores – a maioria idosos – contam sua vida, marcada pelo catolicismo popular, pela hierarquia, pelo senso de família e de honra – um mundo em vias de desaparecimento.

   "Eu gosto muito da Paraíba, e não só porque foi onde filmei 'Cabra Marcado para Morrer' (1964-1984). Na Paraíba, historicamente, houve uma quantidade enorme de poetas populares. Mas poderia ser noutro Estado do Nordeste. Existe no sertão um talento oratório e uma qualidade de imaginário que não se encontram em outros lugares. A riqueza da expressão é tamanha que os assuntos em si viram secundários. Para fazer um filme de fala, eu supunha, o melhor seria no sertão", atesta.

   O documentário acontece em mais uma parceria com a Videofilmes e contou com a produção executiva de João Moreira Salles e o trabalho do cinegrafista Jacques Cheuiche, do técnico de som Bruno Fernandes, da assistente de direção Cristiana Grumbach, da diretora de produção Raquel Freire Zangrandi e do assistente de câmera Ivanildo Jorge da Silva. Um prêmio da Petrobras garantiu o orçamento básico, que incluía quatro semanas de filmagem.

   Salles comenta sobre o seu interesse em acompanhar de perto o filme de Coutinho: "A nossa fé, digamos assim, não estava no tema, mas no método. É claro que quando você sai em busca de alguma coisa, o que você encontra é aquilo que mais lhe interessa. Se eu fizesse esse filme, fatalmente acabaria encontrando coisas diferentes".

   Coutinho, por exemplo, encontrou Rosilene Batista de Sousa (Rosa), a mediadora do documentário. A princípio, ele levava um repertório de alternativas de abordagem, algumas de cunho sociológico, como "um dia na vida de um beneficiário do Fome Zero". Mas todas as opções da bagagem foram logo abandonadas após a descoberta de Rosa.

   "Queríamos encontrar alguém que servisse como um mediador, guiando o Eduardo de casa em casa. Precisávamos localizar um povoado com poucas moradias e uma área comum em que as pessoas interagissem. Começamos, então, a receber sugestões, esboços de mapas etc.", conta Salles.

   Casualmente, uma hóspede do hotel onde a equipe do documentário estava hospedada fala a respeito de Rosilene Batista de Sousa, a Rosa, jovem professora ligada à Pastoral da Criança, que mora num sítio a 6 km de São José do Rio do Peixe, sem telefone. O bom entendimento entre Rosa e a equipe foi imediato e determinante para transformá-la na personagem de transição entre os dois mundos.

   "Na primeira fase do documentário, eu estava sendo completamente ingênuo. Achava que poderia esquecer o mediador, chegar primeiro com o microfone, a câmera dissimulada, pedir licença e ir conversando. Dessa forma, tendo somente um mês de filmagem, eu certamente iria me estrepar. Sem a Rosa, não teríamos filme, ou ao menos, esse filme. Aparentada de quase todos, ela chegava pedindo a bênção ou falando alguma coisa que imediatamente criava a intimidade propícia à conversa que se seguiria diante da câmera", relata Coutinho.

   Segundo Salles, esse filme é um desejo intenso de se comunicar. Até mesmo com uma mulher que não fala ou com um homem que não ouve.

   Já para Coutinho, foi a filmagem mais feliz de sua vida, em que foi movido mais pela afetividade do que por qualquer tipo de curiosidade sociológica.

(© JB Online)

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