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 Peça de Hermilo vai abrir festival de teatro

 

 

 

Hermilo Borba Filho
 

Os diretores Samuel Santos e Clara Camarotti foram escolhidos para participar do projeto Aprendiz em Cena, que trará a montagem de O bom samaritano, texto escrito em 1965

Fabiana Moraes
fmoraes@jc.com.br

O Festival Recife de Teatro Nacional já tem data e homenageado definidos: acontece de 7 a 19 de novembro e vai celebrar Hermilo Borba Filho, que faria 90 anos em 2007. Segundo o curador do festival, Kil Abreu, grande parte dos espetáculos que entram na grade deste ano estão confirmados ou apenas aguardando um ok final. “Também estou indo para o Recife no início de outubro para ver espetáculos locais que poderão entrar no festival”, diz Kil, que conferiu várias peças pernambucanas durante o último Janeiro de Grandes Espetáculos. O grupo que vai montar O bom samaritano, a peça escolhida para o projeto Aprendiz em cena, já está definido: Samuel Santos e Clara Camarotti serão os diretores. Atores como Sílvio Pinto, Socorro Raposo e Eurico Lopes, há anos afastado dos palcos, fazem parte do elenco.

Samuel Santos, do grupo Quadro de Cena (em cartaz até este fim de semana com O auto da barca dos mundos, no Centro de Pesquisa Teatral), já tem boa experiência em direção: G’dausbah, O amor do galo da madrugada e A terra dos meninos pelados são algumas das produções que tiveram o profissional à frente. Clara Camarotti, por sua vez, recentemente fez parte do infantil Rififi no picadeiro. O DNA teatral da moça foi herdado do pai, Marco Camarotti, pesquisador, diretor e professor de teatro falecido em 2004.

Segundo Samuel Santos, que brinca quando perguntado sobre a escolha do elenco, a soma dos atores que estarão presentes em O bom samaritano é igual a quase 500 anos de teatro. “Vários deles estão há muito tempo afastados do palco. Eurico, que trabalhou na TV Jornal, nas telenovelas da época, é um deles”, diz Santos, citando ainda o ator Morse Lyra Neto, há 10 anos longe dos holofotes. Estão escalados ainda, além da citada e eterna Compadecida Socorro Raposo (da Dramart), Adriano Cabral e Vicente Monteiro. “Socorro vai fazer um personagem completamente diferente da Compadecida que interpreta há anos. Ela será a Dama Caridosa”, explica Samuel Santos.

Algumas idéias para a encenação foram antecipadas: todos os atores estarão pendurados por cordas durante toda a montagem, exceto Sílvio Pinto (que fará o Samaritano) e o personagem ateu. Desta maneira, os diretores pretendem mostrar o que o próprio Hermilo passou em seu texto escrito em 1965: como estes personagens/instituições (que representam a Igreja, a Lei, o Sexo, etc) manipulam e são manipulados. “Eles também sentem-se superiores, por isso não pisam no chão”, conta Samuel. A peça já está sendo ensaiada no Teatro Hermilo Borba Filho.

O bom samaritano terá alguns dos recursos já adotados com sucesso pelo diretor Samuel Santos, a exemplo de uma banda que tocará ao vivo durante a encenação. A idéia, bastante em voga entre os grupos teatrais de todo o País, foi vista em O amor do galo pela galinha d’água.

A participação no Aprendiz em Cena está sendo bastante comemorada pelo diretor, que, ao lado de nomes como Beatriz Lacerda, fundou há três anos e meio o grupo Quadro de Cena. Fazem parte da trupe Andreza Nóbrega, Telma Albuquerque, Milena Marques, Eduardo Rios, Vanessa Lourena, Vicente Carício e Lucas Cavalcante. O grupo realizou produções como G"dausbbah, Um sorriso sobre o oceano e Ei, moço, eu sou poeta. A próxima produção do grupo será Historinhas de dentro, texto de Samuel que ganhou recentemente incentivo do Ministério da Cultura através do Myriam Muniz.

(© JC Online)


  Quem é Hermilo Borba Filho
 
 
 

Hermilo Borba Filho (Engenho Verde, Palmares PE 1917 - Recife PE 1976). Dramaturgo, encenador, professor, crítico e ensaísta. Fundador do Teatro do Estudante de Pernambuco e do Teatro Popular do Nordeste, é um dos homens de teatro mais atuantes no Nordeste brasileiro

Começa a carreira na década de 30, trabalhando como ponto do Grupo Gente Nossa, de Samuel Campelo, em Pernambuco. Na década de 40, ingressa no Teatro de Amadores de Pernambuco, TAP, traduzindo peças e atuando nos espetáculos. Insatisfeito com a linha de repertório do grupo, funda, em 1945, o Teatro do Estudante de Pernambuco, TEP, escolhendo para a estréia uma peça antinazista, O Segredo, de Sender, em 1946 e, no ano seguinte, O Urso, de Anton Tchekhov. Mais tarde, o TEP monta uma barraca em praça pública, onde realiza vários espetáculos, entre eles, as primeiras peças de Ariano Suassuna e do próprio Borba Filho.

Em 1950 vai para São Paulo, onde trabalha como jornalista, diretor de teatro e faz parte da Comissão Estadual de Teatro. Volta para o Recife, nos anos 60, e funda o Teatro Popular do Nordeste, com o objetivo de abrir caminho para a profissionalização do teatro em sua região.

Na capital pernambucana, dirige, entre outras, A Farsa da Boa Preguiça, A Pena e a Lei, Processo do Diabo, A Caseira e a Catarina, peças de Ariano Suassuna, encenadas em 1960. A dificuldade financeira interrompe a atividade.

Hermilo Borba Filho funda, então, o Teatro de Arena do Recife, onde encena Marido Magro, Mulher Chata, de Augusto Boal, 1960, e Eles Não Usam Black-Tie de Gianfrancesco Guarnieri, 1961.

Em 1966, retoma as atividades do TPN com O Inspetor, recriação de O Inspetor Geral, de Nicolai Gogol, a partir da teatralidade e das técnicas das festas populares nordestinas. Dirige em seguida O Santo Inquérito, de Dias Gomes, e Inimigo do Povo, de Henrik Ibsen, ambos em 1967, e Dom Quixote, de Antonio José, o Judeu, 1969. No ano seguinte, encena Cabeleira Vem Aí, de Silvio Rabelo, Bum, de Osman Lins e José Bezerra, Município de São Silvestre, de Aristóteles Soares, O Pagador de Promessa, de Dias Gomes, O Cabo Fanfarrão, de Hermilo Borba Filho, Antígona, de Sófocles, e Andorra, de Max Frisch.

Para contornar o déficit permanente da companhia, Borba Filho tenta atrair os operários e os estudantes, faz convênios com entidades do comércio e da indústria, mas não consegue pagar as dívidas e fecha o teatro de 90 lugares.

Em entrevista para o Serviço Nacional de Teatro, SNT, questionado sobre se algum dia ganhou dinheiro com teatro, Hermilo Borba Filho se refere à montagem de Dercy Gonçalves para sua versão de A Dama das Camélias como exemplo único, e acrescenta: "mas, de repente, verifiquei que a prostituição era muito pesada, e parei".1

Em 1957, recebe prêmio como diretor revelação pela Associação Paulista de Críticos Teatrais, APCT, com a peça Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna. Entre 1959 e 1968, é sucessivamente premiado como diretor pela Associação de Críticos Teatrais de Pernambuco.

Exerce atividades culturais em muitas entidades: Serviço Nacional de Teatro, Secretaria de Educação e Cultura de São Paulo, Secretaria de Educação e Cultura de Pernambuco, Escolinha de Arte do Recife, Centro Cultural Luiz Freire. Na Universidade Federal de Pernambuco, cria e ministra a cadeira de história do teatro no Curso de Arte Dramática, em 1958; funda o Movimento de Cultura Popular - MCP, com Paulo Freire, Ariano Suassuna e outros; na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, colabora para a implantação do Curso de Teatro, em 1967; na Universidade Federal da Paraíba, ministra a disciplina de história do espetáculo; no Centro de Comunicação Social do Nordeste - Cecosne, leciona história do espetáculo. Em 1969, cria Teatroneco, dedicado ao teatro de bonecos.

Como crítico de teatro colabora, em São Paulo, para os jornais Última Hora, Correio Paulistano e Movimento, além da revista Visão e, em Pernambuco, para Folha da Manhã, Jornal Pequeno, Diário da Noite, Diário de Pernambuco, Jornal do Comércio e Jornal da Cidade.

Em 1969, ganha o título de Chevalier de L'Ordre des Arts et des Lettres, outorgado pelo governo da França.

O trabalho de Hermilo Borba Filho, nos grupos que funda, é o de criar um caminho para buscar um espetáculo nordestino, com uma estética épica, baseada nos folguedos populares. Em conferências, artigos e nos diversos livros que publicou, relê as teorias universais do teatro a partir da ótica das manifestações festivas do Nordeste. Depois do primeiro livro teórico, publicado em 1947, Teatro, Arte do Povo e Reflexões sobre a Mise-en-scène, volta a escrever nos anos 60, publicando, entre outros: Teoria e Prática do Teatro, 1960, Diálogo do Encenador, 1964, Espetáculos Populares do Nordeste e Fisionomia e Espírito do Mamulengo, ambos em 1966, Apresentação do Bumba-Meu-Boi, 1967, e História do Espetáculo, 1968. Seus estudos sobre a cultura nordestina coincidem com a fundação do TPN, onde ele coloca em prática a fusão entre o popular e o erudito.

Osman Lins, de quem ele encena uma peça no TPN, afirma, em artigo para a Revista de Teatro da Sociedade Brasileira dos Autores Teatrais, que em todos os cargos e funções que ocupa Hermilo Borba Filho luta pela transformação: "Há por trás de quase todos esses títulos e iniciativas um combate que passa desapercebido do público: as incompatibilidades com as funções ou o empenho no sentido de renová-las".2

Em artigo para o Diário de Pernambuco, quatro anos após sua morte, Benjamin Santos, ex-integrante do TPN, escreve: "Durante a fase final de uma montagem, Hermilo já estava adaptando, traduzindo e concebendo o próximo espetáculo (...). Outras características do TPN: revezamento de papéis importantes, divulgação do nome do grupo e não de atores isolados, formação de atores pela montagem sucessiva de espetáculos em função da estética procurada, incentivo ao estudo e à reflexão, formação de pessoal paralelo ao palco (cenógrafos, figurinistas, aderecistas...) (...). Mais importante, porém, que todos esses aspectos encontrados é a concretização de uma estética do espetáculo. (...) Em resumo, seria um teatro com o canto, a dança, a máscara, o boneco, o bicho... uma recriação do espírito popular nordestino (...); o homem brasileiro posto no palco com toda a sua luta, o sofrimento, a derrota, a insistência, a vitória; um teatro de intensidade emocional e crítica, um teatro vivo, aberto, sem a ilusão da quarta parede, permitindo ao público a compreensão maior de sua própria história. O teatro como um ato político e religioso a um só tempo. Esta é a busca de Hermilo (...)".3

(© Enciclopédia Itaú Cultural - Teatro)

Notas

1. BORBA FILHO, Hermilo. (Dossiê Personalidade Artes Cênicas). Rio de Janeiro: Cedoc/Funarte.
2 .
LINS, Osman. O invencível Hermilo, Revista de Teatro, Rio de Janeiro, julho/agosto de 1976.
3.
SANTOS, Benjamin. Por uma história do teatro popular do NE, Diário de Pernambuco, Recife, 2 de junho de 1980, seção c, página 1.

Com relação a este tema, saiba mais (arquivo NordesteWeb)


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