Christina Fuscaldo - O Globo OnlineElba Ramalho foi uma das primeiras cantoras brasileiras a gravar músicas de Lenine. Em 1989, ela incluiu no disco "Popular brasileira" a canção "A roda do tempo", uma parceria do pernambucano com Bráulio Tavares. "Feitiço", assinada só por ele, foi parar em "Felicidade urgente", em 1991. "Leão do Norte", "Relampiando", "Lavadeira do Rio"... Ano após ano, o compositor ia emplacando suas letras em diversos álbuns dessa paraibana. De sua casa-estúdio no bairro carioca de São Conrado, por telefone, ela conta que acatou grande parte das sugestões que Lenine deu durante a produção de "Qual o assunto que mais lhe interessa?", seu novo disco (não todo) de inéditas, o primeiro em quase cinco anos. E que, mesmo depois de ele dar a notícia de que não poderia produzi-lo, ela continuou consultando o amigo e parceiro, até mesmo quando ele estava fora do Brasil.
- Lenine idealizou o disco e começou a produção comigo. Depois, surgiram outros compromissos e ele teve que viajar. Ele perguntou se dava para esperar, mas eu quis continuar. Cheguei a me envolver com o (produtor britânico) Paul Ralphes, mas o Lula (Queiroga, pernambucano e parceiro de Lenine em vários trabalhos) apareceu e eu perguntei se ele aceitava continuar o trabalho. Mas mesmo assim, antes de todo passo que íamos dar, eu consultava o Lenine por telefone, porque ele estava fora do país - conta Elba.
Lula Queiroga convidou o seu irmão Tostão e o seu sobrinho Yuri, que tocam na banda de Elba, para trabalhar com ele na produção do disco. Rodeada de pernambucanos no estúdio, a cantora aproveitou o clima para gravar um monte de músicas de artistas de lá. A primeira do álbum, "Gaiola da saudade", foi composta por Maciel Salú, filho do Mestre Salustiano, em parceria com Jam da Silva, percussionista da banda de Paula Toller, ex-F.U.R.T.O e autor da música "O pedido", que abre o disco de Roberta Sá.
- Jam e Salú são compositores da nova geração de Recife, que é muito bacana. Esses meninos são muito animados - explica a cantora.
Depois, vem "Noite Severina", "Dois pra sempre" e "Último minuto" (todas de Lula Queiroga, sendo a primeira uma parceria com o carioca Pedro Luís); "Rua da Passagem" (Lenine com o paulista Arnaldo Antunes); entre outras. Como não poderia deixar de ser, Elba homenageou o primo Zé Ramalho e um outro pernambucano da sua geração, Alceu Valença, com "A dança das borboletas":
- Encontrei com Alceu e contei que ia gravar "A dança das borboletas". Aí ele perguntou: "De que jeito?" Falei que estava ouvindo muito a versão do Zé. Ele disse que eu tinha que ouvir a dele, e mandou o disco para mim. Para não ter atrito, resolvi mesclar e gravar como o Zé em alguns momentos e como o Alceu em outros. Fluiu, porque a música por si vem como força divina. E, para mim, é fácil transitar nesse universo.
Também parte desse grupo que veio do Nordeste para o Rio na década de 70, Geraldo Azevedo comparece no disco tocando violão na sua "Novena". Do seu conterrâneo Chico César, a cantora gravou "Amplidão". Do baiano Carlinhos Brown, que teve seus primeiros sucessos divulgados pela voz de Elba Ramalho, ela gravou "Argila".
- Tenho orgulho de dizer que fui uma das primeiras a gravar o Brown, de quem sou fã. Gravei música dele no início da década de 90. Acho que fui janela para vários compositores - reflete: - Eu queria que todos os músicos tivessem participado do disco, mas só deu para trazer Geraldinho, Carlos Malta, Hamilton de Holanda, Pedro Luís e a Parede... Ah, e tem o Frejat.
O líder do Barão Vermelho toca guitarra na faixa de Roberto Mendes e Capinam que, em parte, dá nome ao álbum. "Tempos quase moderno (Qual o assunto que mais lhe interessa?)" ganhou ainda um rap de Gabriel o Pensador.
- O Gabriel veio gravar comigo no estúdio que fica aqui na minha casa, deitou no sofá para escrever e pediu algo para comer. Eu sou péssima cozinheira, mas trouxe um sanduba. Ele compôs essa parte da letra e achei que ficou ótimo - diz.
Além de xote, baião, rap e balada, Elba gravou ainda um samba em seu novo disco. "As forças da natureza" é praticamente uma homenagem a Clara Nunes, que foi quem gravou a composição de João Nogueira e Paulo César Pinheiro pela primeira vez.
- Eu era muito amiga de Clara e João Nogueira era meu camarada - lembra, antes de fazer promessa para o futuro: - Eu gosto de samba, porque é uma música de raiz. Ainda serei uma sambista um dia.
Com 28 anos de carreira, Elba Ramalho lança, em novembro (mês em que ela se apresenta no Rio), o DVD "Raízes e antenas", que traz participações de Lenine, Yamandú Costa, Geraldo Azevedo, Trombonada do Recife, Maestro Spok, Gabriel O Pensador, Margareth Menezes e Lula Queiroga. Gravado entre a Paraíba, o Rio de Janeiro e a Bahia, o DVD mistura show com documentário e mostra imagens da cantora ao lado do pai, João Nunes, de 90 anos:
- Visitei meu pai em Conceição, no sertão da Paraíba, onde cresci, e cantei uma valsa com ele. Ele era músico de orquestra, um boêmio que soube viver.
Tenho a genética bem próxima dele.
(©
O Globo)
Elba Ramalho, que não tem silicone, é menos vegetariana por causa do marido
A genética herdade do pai, o paraibano João Nunes, não é a maior responsável pela boa forma e pelo ar jovial que Elba Ramalho cultiva aos 56 anos. Mas os dias 100% saudáveis da cantora podem estar contados. Adepta da yoga e da meditação "há muitos anos" e vegetariana há 30, a faceta natureba da cantora passou a ser ameaçada recentemente, quando seu marido, Gaetano, aprendeu a cozinhar.
- Voltei a comer um peixinho há pouco tempo. O Gaetano começou a cozinhar e eu não quero ser deselegante, né? Frango e carne, não como. E não bebo, mas, uma vez ou outra, tenho que tomar taça de vinho, para acompanhar meu marido. Faço isso sem culpa. Eu não comia antes porque não queria mesmo. Não era nenhum sacrifício - conta Elba.
Além da alimentação balanceada, a cantora não é de comer muito açúcar.
- Mas esta semana comi três petit gâteau - entrega-se.
Mãe adotiva de Maria Clara, de cinco anos, e de Esperança, de um, ela emagrece nos palcos.
- Faço vinte shows por mês. Nunca parei - diz.
E garante que o corpo que tem é original:
- Não tenho silicone. Sei que estou bem quando as pessoas me encontram na rua e dizem que estou melhor fora da televisão do que quando apareço nela.
O motivo de tanta felicidade? Além da música e das filhas, Elba destaca a dedicação do chef(e) da casa:
- Normalmente, são as mulheres que retém as dores do mundo. Mas, lá em casa, Gaetano fica, cuida das meninas, dá banho, lava, cozinha. Ele é um excelente pai.
Elba não sabe porque as mulheres encurtam a própria vida. A dela vai ser longa:
- Meu pai tem 90 anos e é muito enxuto. Por que envelhecer tão precocemente? Minha mãe foi há 14 anos porque o coração dela parou. As mulheres se entregam. Sei que a gente muda, envelhece e que a pele não tem mais a mesma textura... Mas sou calma, produzo o bem-estar e não fico queimando neurônio. Eu também vou chegar aos 90.
(©
O Globo)
A idéia, diz Elba, é mostrar
uma pessoa que têm raízes, mas que está atenta às novidades do
mundo
Pedro Henrique
França, da Agência Estado
SÃO PAULO - Que ela tem um ar
místico todo mundo sabe. Nordestina do sertão de Paraíba, ela
passou muito tempo dos últimos anos em sua casa em Trancoso, na
Bahia, templo de ripongas que enaltecem a filosofia "paz e
amor". Hoje, ela vive no Rio, em São Conrado, e é de sua casa,
deitada na rede admirando a paisagem, que Elba Ramalho concede
entrevista à Agência Estado sobre seu novo
disco "Qual o assunto que mais lhe interessa?". A cantora remete
no imaginário popular a forró e canções românticas, mas neste
trabalho ela flerta com novidades. Elba quis "renovar o ânimo" e
experimentou a guitarra de Frejat e o rap de Gabriel, o
Pensador. "Queria fazer um trabalho onde pudesse como intérprete
não ter que ficar repetindo fórmulas antigas. Buscava outras
motivações, trazer uma sonoridade nova, e isso exigia algo mais
arrojado", declara.
Convocou Lenine para produção, mas o pernambucano teve que
abandonar o projeto por conta do Acústico. Ele até
pediu para a cantora adiar a idéia, mas Elba não quis. "Foi um
impacto muito grande, porque tive que rever tudo, buscar alguém
que desse o mesmo tom arrojado que eu sabia que ele faria. Mas a
bicicleta já estava na estrada e eu continuei pedalando", conta.
Lenine então sugeriu Paul Ralphes, mas Elba não se sentiu
confortável. Achava que ele, "com todo seu talento", não teria
condições de mergulhar em um trabalho denominado Raízes e
Antenas. Apagou o que estava sendo feito, "socorreu" a Lula
Queiroga, que topou a empreitada, e recomeçou. Yuri e Tostão
Queiroga complementaram o time de produção.
A idéia, diz Elba, foi mostrar
uma pessoa que têm raízes, mas que está atenta às novidades do
mundo. A expressão "raízes e antenas" surgiu de uma conversa com
Lenine, quando ele ainda seria o produtor. Apesar de ser a
essência do projeto acabou não sendo o título do CD, porque
havia suspeitas de que o nome já tivesse sido utilizado. O
conceito, no entanto, continuou o mesmo: "Fala de mim, de uma
pessoa que tem pés fincados no Nordeste, mas que tem visão do
mundo nas mãos. Não fico fechada dentro da minha própria
cultura, gosto de outras coisas e me permito que elas venham até
mim".
Com esta filosofia, Elba
produziu um CD com composições que vagueiam pelo saudosismo, em
Gaiola da Saudade (Jam da Silva e Maciel Salú), aborda
o caos do trânsito (Rua da Passagem, de Lenine com
Arnaldo Antunes), conclama os anjos (Ave Anjos Angeli,
segundo ela, uma canção perdida nos discos antigos de Jorge Ben
Jor). A cantora recicla também canções como As Forças da
Natureza, de João Nogueira e Paulo César Pinheiro,
consagrada na voz de Clara Nunes, Novena, de seu
parceiro Geraldo Azevedo ("sugestão de Lenine") e Argila,
de Carlinhos Brown, o baiano que ela diz ter sido uma das
primeiras a gravá-lo.
Mas o disco é também
questionador e convida à discussão. A faixa-título Tempos
Quase Modernos (Qual o assunto que mais lhe interessa?), de
Roberto Mendes e Capinam, adota um tom rap com a participação de
Gabriel, o Pensador em versos que atiram por temas que vão desde
fertilização in vitro, soja transgênica, crianças sem lares,
entre tantos outros. "Queria investir num momento que fosse mais
reflexivo", explica. "Essa música representa o que eu mais quero
semear. Vamos falar, vamos conversar, mas de quê? Vamos fazer o
bem ou o mal? Cada um escolhe, a vida é feita de escolhas",
afirma.
Qual o assunto... foi
a canção que deu mais trabalho para finalizar, diz a cantora.
"Tentamos vários caminhos e nada agradava. Aí veio o estalo do
Yuri de chamar o Gabriel. Ele chegou aqui, disse que estava com
fome e fui preparar um lanche pra ele enquanto ele fazia. E
fomos experimentando até o último instante", relata. O
depoimento ilustra a forma descontraída que formata o álbum.
Segundo Elba, tudo foi feito sem pressa, "muito sem
compromisso". Como o encarte diz, "regado a vinho, pizza,
feijão, farofa, arroz e bifes acebolados, entre noites e dias de
chuva e sol".
Também no texto de
apresentação, Elba Ramalho faz uma ponderação desse novo rumo de
trabalho. Diz ela: "por mais que este disco soe diferente de
tudo o que fiz, em nada é adverso ao que eu sou". "Quis dizer
que por mais que estivesse tocando com Gabriel ou com Frejat
continuava sendo eu mesma, a Elba do sertão. Não é que eu quero
mudar nada, quero somente abrir mais o leque tanto do texto, da
discussão, como da música", comenta.
Com fé,
mas sem pregações
Elba ainda dá de ombros para
críticas que dizem que ela está querendo pregar ou doutrinar
alguma coisa e aproveita para avaliar a situação política atual.
"Não sou pastor, tenho minha fé e meu ponto de vista sobre as
coisas. Não posso ficar alienada, porque o panorama é
assustador. Me sinto palhaça, porque nos enganam, e escrava,
porque trabalho para sustentá-los (os políticos)".
Mas a pauta agora é o novo
trabalho. Para Elba, o assunto que lhe interessa é o hoje e o
amanhã. O passado já foi e a ordem, diz ela, é "o que será que
virá, e não o que será que será", numa alusão à canção de Chico
Buarque. "Me preocupo muito com o futuro, com essa violência
desenfreada, com esse país engolido por corruptos. O futuro da
humanidade me preocupa. E o assunto que me interessa é a própria
vida".
DVD
O projeto inclui ainda um DVD
homônimo, que tem previsão de lançamento para o final de
novembro. Nele, a cantora faz um mapeamento de suas referências.
Gravado entre fevereiro e maio deste ano, traz a intimidade de
Elba em Conceição, sertão paraibano onde nasceu e que revive ao
lado do pai João Nunes, de 90 anos, canções que marcaram sua
infância. Mostra ainda a cantora em seu refúgio de Trancoso e na
tua casa do Rio. São Paulo aparece por ter sido o local onde
registrou o show no Auditório Ibirapuera em maio ao lado de
Lenine, Geraldo Azevedo, Yamandú Costa, Spok e a Trombonada do
Recife, Margareth Menezes, Gabriel, O Pensador, Lula Queiroga e
um coral de crianças.
Turnê
A turnê de shows de Qual o
assunto que mais lhe interessa? já começou. Estreou em sua
terra natal, já passou pelo Sul do País e ainda seguirá pro
Ceará e outras cidades do Nordeste. Elba lança o disco nos dias
10 e 11 de novembro no Rio e depois segue para São Paulo, sem
data ainda definida.
(©
Estadão)