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Membros da
banda Nação Zumbi
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Em "Fome de Tudo", banda acentua estilo experimental e
inclassificável
Álbum tem produção de Mario Caldato Jr., que já trabalhou com os Beastie
Boys, e participação da cantora Céu, entre outros
ADRIANA FERREIRA SILVA
EDITORA DO GUIA DA FOLHA
Famintos por informações sonoras, literárias, cinematográficas, cibernéticas,
psicodélicas. Assim a Nação Zumbi chega ao sétimo disco, anunciando no título
suas intenções.
Em "Fome de Tudo" -que vai para as prateleiras
hoje, mas já está na rede-, o grupo pernambucano dilui ainda mais
características como o uso da percussão ou as referências regionais que marcaram
sua primeira fase e também o mangue beat, uma das ondas mais inventivas do rock
brasileiro na década passada.
"Até hoje, há a idéia de que somos uma banda de
maracatu", fala o vocalista Jorge du Peixe, 40. "Apesar de usarmos os tambores,
nunca fomos. Conseguimos nos desvencilhar desse rótulo", diz ele.
No novo álbum, eles aprofundam as experimentações
sonoras que pontuam sua discografia desde a estréia, com "Da Lama ao Caos"
(1994), e que se acentuaram em "Futura", de 2005. Rock, funk, rap, psicodelia,
samba, maracatu. Traços desses estilos se misturam para resultar num som difícil
de classificar (desgraça para nós, jornalistas, que adoramos etiquetar). "A
gente faz música livre", explica Jorge. "Está em nosso inconsciente confundir
mesmo."
"Não tem necessidade de dizer que é isso ou
aquilo", completa o guitarrista Lúcio Maia, 36. "Tchaikóvski, por exemplo, é
música clássica hoje. Naquela época, não era chamado de música clássica", cita
Maia. Os dois são, talvez, os rostos mais conhecidos da banda, que tem ainda o
baixista Dengue, o baterista Pupillo e os percussionistas Gilmar Bola 8 e Toca
Ogan.
Produção badalada
Ao contrário dos álbuns mais recentes, produzidos
pela própria banda, as criações de agora passaram pelas mãos de Mario Caldato
Jr.
Brasileiro radicado nos Estados Unidos, Caldato é
responsável por alguns dos melhores discos do Beastie Boys e já trabalhou com
Beck, Planet Hemp e Marcelo D2, entre outros. "Mario é um cara muito tranqüilo,
voltado para o trabalho. De doidão já basta a banda", descreve Maia. Foi graças
ao produtor que o tecladista Money Mark, o quarto "Beastie Boy", participou do
disco.
Mario Caldato também está entre os motivos para a
troca de gravadora, da Trama para a Deck Disc. "Pensamos em renovar o contrato,
mas chegava a ser indecorosa a proposta da Deck", fala Maia. "Eles toparam fazer
um disco com o Mario, gravado no Rio e em São Paulo. O João Marcelo Bôscoli
[presidente da Trama] disse que não poderia cobrir essa proposta."
Julia Moraes/Folha Imagem
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Membros da Nação Zumbi, que
lança seu sétimo disco |
Fome
Mas não é só na superfície sonora que a
Nação Zumbi se aplica. Desde os tempos de Chico Science, as letras são quase
como um manifesto, sejam elas a favor da "afrociberdelia" ou de coisas mais
mundanas, como tomar uma cerveja antes do almoço "para ficar pensando melhor". A
fome, literal ou metafórica, é o tema da vez.
"Começamos por Josué de Castro [intelectual,
autor de "Geografia da Fome", de 1946]", lembra Jorge. "Esse foi o primeiro mote
para Chico [Science] em "Da Lama ao Caos"."
"Hoje, a fome ultrapassou a barreira do
conceito básico. Existe fome para tudo", acredita Maia. "Você acompanha as
notícias na internet? Então, tem fome de informação. Além disso, ainda existe a
fome propriamente dita. Velha e nunca vai se acabar", aposta Maia.
Autor da maioria das letras, Jorge du Peixe
simplifica e esfria as expectativas de famintos por explicações filosóficas:
"Tentar achar um sentido para tudo o que eu estou falando é a mesma coisa que
perguntar para um pintor por que ele usou aquele azul ou amarelo. Prefiro deixar
as pessoas interpretarem. Nem eu lembro porque eu escrevi aquilo ali."
A voz de Du Peixe soa mais limpa em refrões
contundentes, marcados por participações como a de Céu, singelo contraponto em
"Inferno", ou Junio Barreto, co-autor de "Toda Surdez Será Castigada".
(©
Folha de S. Paulo)
Crítica
Nação com fome se aproxima do
bom pop
BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL
Não há limite mais tênue do que aquele entre a genialidade e a mais pura
chatice. Pegue alguns dos maiores artistas brasileiros: Glauber Rocha,
Zé Celso, Caetano Veloso. Por um equilíbrio só alcançado pelos grandes,
como esses, o risco de se perder num mundo hermético e incompreensível
se desfaz.
A Nação Zumbi, candidato a entrar nesse
time, carrega, já no nome, essa vontade de abraçar tudo, de ser grande,
com ares épicos: uma crítica social direta. Por isso, a Nação teve que
criar um som à altura da pretensão. A cada disco, confirma por que é a
maior banda brasileira da atualidade.
Antes mesmo de ser ouvido, dá para
desconfiar deste "Fome de Tudo", já que é o sucessor de "Futura" (2005),
ápice do grupo. E o que vem após o ápice? A Nação diz que está com fome,
algo temerário para um grupo.
Artistas não são como pessoas famintas
nas ruas: eles deveriam ligar certo filtro para selecionar tudo o que
recebem. "Fome de Tudo" desliga esse filtro. Por um lado, tem mais
influências musicais. É um disco menos "duro", traz mais melodias. Os
tambores estão bem dosados, e o clima "Olodum para turista ver", mais
ameno. E a voz de Jorge Du Peixe continua aquela coisa séria e grave,
mas menos tensa. Só não é pop porque senão não seria a Nação.
"Fome de Tudo" é um disco com refrãos
marcantes, algo freqüente nos tempos de Chico Science, ainda que épicos:
"Todos os dias nascem deuses/ alguns maiores e outros menores do que
você" (em "No Olimpo"); "O inferno nem é tão longe/ bem depois de onde
nada se esconde" (em "Inferno", que conta com Céu).
"Carnaval" é o mais perto que a Nação
já chegou do suingue de Jorge Ben: parece o Mundo Livre S/A imitando
Jorge Ben, e isso não é algo ruim; já o encontro com Junio Barreto rende
a bela e psicodélica "Toda Surdez Será Castigada", enquanto "A Culpa"
ganha com seu instrumental contido. "Fome de Tudo" é uma Nação saindo de
sua toca, de novo em busca do mundo.
FOME DE TUDO
Artista: Nação Zumbi
Lançamento: Deckdisc
Quanto: R$ 24,90
Avaliação: ótimo
(©
Folha de S. Paulo)
BANDA NÃO QUER "SOLUÇÃO
RADIOHEAD"Para a
crise da indústria fonográfica, a banda não acredita em soluções como a
do Radiohead, que disponibilizou o CD para download no site, com o preço
determinado pelos fãs. "Não há ninguém ainda que possa bancar uma
estrutura como essa", diz Lucio Maia. "Aqui, o cara vai dar um centavo
para a sua música."
(©
Folha de S. Paulo)
Frases
"Há a idéia de que somos uma banda de
maracatu. Apesar de usarmos os tambores, nunca fomos. Conseguimos nos
desvencilhar desse rótulo"
JORGE DU PEIXE
vocalista da Nação Zumbi
"A fome ultrapassou a barreira
do conceito básico. Existe fome para tudo"
LUCIO MAIA
guitarrista
Saiba+ sobre o Fome
de Tudo
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