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O ator
baiano João Miguel, em cena de "Cinema, Aspirinas e Urubus"
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Crítica/"Estômago"
SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA
"Cinema, Aspirinas e Urubus" (2005) e "O Céu de Suely"
(2006) já haviam destacado a ótima presença de cena do João Miguel. Em
"Estômago", ele assume com desenvoltura a responsabilidade de servir como
âncora solitária da trama.
A suposta "cara" de nordestino rende uma série de
brincadeiras (boa parte, típica do preconceito cordial brasileiro) com seu
personagem, o migrante Raimundo Nonato, que chega sem um tostão à cidade
grande e arruma um subemprego como cozinheiro em lanchonete de terceira
categoria.
Ali, aprende a fazer salgados, sofre nas mãos do patrão
mesquinho (Zeca Cenovicz), conhece uma prostituta (Fabiula Nascimento) e um
dono de restaurante (Carlo Briani) que o adota como aprendiz. Em paralelo, a
trama avança no tempo e o encontra na prisão, agora como Nonato Canivete,
cumprindo pena por não se sabe o quê.
Do início ao fim, o show é de Miguel. A empatia que o
filme desperta deve muito à ingenuidade e ao deboche com que Nonato impregna
suas duas trajetórias de integração ao meio, sem que a do passado (como a
estrutura talvez sugira) seja mais importante do que a do presente. Ao
contrário, aliás.
Além do ator principal, o segundo longa de ficção de
Marcos Jorge (que co-dirigiu "Corpos Celestes") vive, sobretudo na segunda
metade, de soluções engenhosas do roteiro, mas renuncia a um pouco mais de
identidade própria em nome de embalagem "genérica", traduzida pela trilha
sonora reiterativa e pelo visual "limpo", talvez asséptico demais para as
circunstâncias, lembrando "O Cheiro do Ralo".
ESTÔMAGO
Produção: Brasil, 2007
Direção: Marcos Jorge
Com: João Miguel, Fabiula Nascimento, Babu Santana, Alexander Sil,
Zeca Cenovicz
Avaliação: regular
(©
Folha de S. Paulo)
Crítica
Filme confirma cinema culto de Pernambuco
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
"Cinema, Aspirinas e Urubus" não muda o cinema do mundo, é
verdade. Mas traz isso que é tão raro no cinema brasileiro atual, que é uma
boa ficção.
Lá temos um alemão que viaja pelo Nordeste, armando sua
tela e passando uns filmes que lhe permitem melhor vender aspirinas. No
caminho, ele topa com um habitante local que, à falta de melhor coisa a
fazer, se torna seu ajudante.
Estamos na Segunda Guerra, e esses dois homens fazem do
acaso um encontro, pois ali estão dois tipos físicos, duas maneiras de falar
e estar no mundo, duas tradições -tudo os diferencia. Mas numa coisa eles se
parecem muito: são ambos seres sem eira nem beira, num lugar perdido do
mundo, onde parece que nem a guerra, por mundial que seja, vai chegar.
Há vários nomes relevantes envolvidos na realização deste
filme dirigido por Marcelo Gomes, inclusive dois ótimos atores. Mas há,
sobretudo, uma tradição que se confirma: Pernambuco produz um cinema culto.
(©
Folha de S. Paulo) |