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A Turma do
Pererê, criação de Ziraldo baseado no Saci e em outros personagens
do folclore brasileiro
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ANTONIO VICELMO
Repórter
Ziraldo, Monteiro Lobato, Câmara Cascudo. O Saci Pererê
sempre fez parte do imaginário popular brasileiro em diversas formas
O Saci-Pererê é um dos personagens mais conhecidos do folclore brasileiro.
Provavelmente, surgiu entre povos indígenas da região Sul do Brasil, ainda
durante o período colonial (possivelmente no final do século XVIII). Nesta
época, era representado por um menino indígena de cor morena e com um rabo,
que vivia aprontando travessuras na floresta.
Porém, ao migrar para o norte do país, o mito e o personagem sofreram
modificações ao receberem influências da cultura africana. O Saci
transformou-se num jovem negro com apenas uma perna, pois, de acordo com o
mito, havia perdido a outra numa luta de capoeira. Passou a ser representado
usando um gorro vermelho e um cachimbo, típico da cultura africana. Até os
dias atuais ele é representado desta forma.
No Cariri, o Saci foi substituído por outros mitos e lendas que estão mais
próximos dos sertanejos como, por exemplo, o Lobisomem, um ser lendário, com
origem em tradições européias, segundo as quais, um homem pode se
transformar em lobo ou em algo semelhante a um lobo, em noites de lua cheia,
só voltando à forma humana, novamente, quando o galo canta.
No Brasil existem muitas versões dessa lenda, variando de acordo com a
região. Uma versão diz que a sétima criança em uma seqüência de filhos do
mesmo sexo tornar-se-á um lobisomem. Outra versão diz o mesmo de um menino
nascido após uma sucessão de sete mulheres. Outra, ainda, diz que o sétimo
filho homem de um sétimo filho homem se tornará a fera. Em algumas regiões,
o Lobisomem se transforma à meia noite de sexta-feira, em uma encruzilhada.
Como o nome diz, é metade lobo, metade homem.
Depois de transformado, sai a noite procurando sangue, matando ferozmente
tudo que se move. Antes do amanhecer, ele procura a mesma encruzilhada para
voltar a ser homem. Em algumas localidades diz-se que eles têm preferência
por bebês não batizados. O que faz com que as famílias batizem suas crianças
o mais rápido possível. Já em outras diz-se que ele se transforma se
espojando onde um jumento se espojou e dizendo algumas palavras do livro de
São Cipriano e assim podendo sair transformado comendo porcarias até que
quase se amanheça retornando ao local em que se transformou para voltar a
ser homem novamente.
No Cariri, um dos mais conhecidos lobisomens foi Vicente Araújo da Silva,
conhecido por “Vicente Fino”, que morreu na década de 80, no sitio
Cabeceiras, município de Barbalha, deixando uma imagem de pavor para os
meninos das gerações dos anos 40 e 50. Ainda hoje as lembranças de “Vicente
Fino” vagueiam pelo sertão do Cariri.
O Decurião do grupo de Penitentes de Barbalha, Joaquim Mulato, conheceu
Vicente Fino. Ele recorda que era um homem misterioso que se “envultava”,
isto é, transformava-se num vulto. “Ele estava conversando com a gente e, de
repente, desaparecia”, relata o velho decurião.
Ao lado da casa onde Vicente Fino Morreu, no sítio Cabeceiras, foi
construída uma chácara com o nome “Toca do Lobo”. A aposentada Maria Alice
Barbosa, que deu abrigo ao suposto lobisomem, nos seus últimos anos de vida,
diz que Vicente Fino jurava por Deus, que nunca virou Lobisomem. No entanto,
se transformava em animal, garante.
Ela lembra que, quando era menina, a mãe saia de casa e recomendava: “Não se
aproxime de Vicente Fino. Ele vira lobisomem. Apesar da advertência, ela era
amiga de Vicente Fino que sempre andava com amendoim para distribuir com as
crianças.
Dona Alice guarda, com carinho, um cordel com a foto de Vicente Fino e, por
conta das histórias que giram em torno dele, sua casa recebe freqüentes
visitas de estudiosos, pesquisadores, jornalistas e estudantes querendo
saber detalhes sobre o mais famoso Lobisomem do Cariri.
Localizado no centro do Nordeste num ponto eqüidistante entre as principais
capitais nordestinas, o Cariri se transformou num centro de lendas, mitos e
crendices.
Outro fato que fortaleceu esta cultura foi a divulgação dada pelos
intelectuais da região, entre os quais, o jornalista J. de Figueiredo Filho,
que escreveu Folguedos Populares do Cariri. Recentemente, as lendas foram
transformadas em cordéis. Saci, lobisomem, mula-sem-cabeça, caipora, enfim,
nosso universo é rico é repleto de lendas e mitos.
(©
Diário do Nordeste)
O travesso Saci faz 90 anos
de presepadas
Personagem
da lenda indígena brasileira
foi introduzido na
literatura brasileira pelo
escritor Monteiro Lobato e
hoje tem até uma sociedade
que luta pela defesa de suas
artimanhas
Tatiana Notaro
tatiana.notaro@gmail.com
Nada de dia das bruxas.
No Brasil, 31 de outubro é
dia da personagem mais
serelepe do nosso folclore,
comumente vista a pular
pelos campos afora. O Çaa cy
pererég (escrito em bom
tupi-guarani) nasceu do
imaginário indígena como um
pássaro e de lá saltou para
as páginas do livro
Saci-Pererê – resultado de
um inquérito, em 1917 como
um negrinho traquino. O
responsável pela
transformação da lenda
folclórica para a literatura
foi o escritor nacionalista
José Bento Monteiro Lobato.
O interesse pelo tema
surgiu quando Lobato
conversou com caboclos que
trabalhavam em sua fazenda
em Buquira (atual município
de Monteiro Lobato, São
Paulo). A partir daí, passou
a escrever sobre o tema para
a Revista do Brasil, em
1916. No ano seguinte,
organizou uma enquete entre
os leitores do jornal O
Estado de S. Paulo, na sua
coluna Mitologia brasílica.
Convidou-os a colaborar na
descrição do saci e através
de um questionário
etnológico, técnica então
pioneira entre os estudiosos
do folclore, recebeu
respostas vindas dos Estados
do Rio de Janeiro, São Paulo
e Minas Gerais. Ao mesmo
tempo, organizou um concurso
de artes plásticas que
favoreceu a fixação da
imagem do nosso negrinho.
Tudo isso está na obra de
estréia do saci na
literatura. E de lá, ele não
saiu mais, sendo descrito
outras vezes por Lobato e
ainda por outros letrados,
como o escritor Ziraldo.
O saci é uma criatura
cosmopolita e, assim sendo,
adaptou-se aos costumes de
todos os lugares por onde
foi narrado, ganhando
adereços e traços de
personalidade. “No
imaginário lobatiano, o saci
é um negrinho risonho e
perneta. Tem uma touca
mágica que o deixa
invisível, fuma cachimbo e
vive de traquinagens”,
descreve o historiador e
lobatiano sergipano Thiago
Fragata, autor de artigos
sobre a obra de Lobato. O
primeiro, Monteiro Lobato, o
folclorista está disponível
no seu blog na internet
(www.thiagofragata.blogspot.com).
Talvez poucos saibam da
importância desses estudos a
respeito da obra lobatiana.
Alceu Maynard, em 1948, foi
pioneiro com Monteiro
Lobato, o folclore e o Çaa
cy pererég.
Pelas páginas dos livros,
quando aparece uma trela bem
feita, todo mundo já sabe
que é coisa do saci. “Ele
azeda o leite, embaraça os
novelos de linha, queima o
feijão que está no fogo.
Tudo que numa casa acontece
de ruim é sempre arte do
saci. O saci não faz maldade
grande, mas não há maldade
pequenina que não faça”,
explica Tio Barnabé ao
menino Pedrinho, em O saci,
também de Lobato, em 1921.
O velho negro garante que
vê sacis aos montes a
infernizar a vida alheia,
inclusive a dele. “Estava
rezando minhas rezas e me
deu vontade de comer pipoca.
Debulhei o milho e pus a
caçarola no fogo. Dali a
pouco um saci preto que nem
carvão apareceu na janela. O
milho começou a chiar na
caçarola e ele dirigiu-se
para o fogão. Estava
‘rezando’ o milho, como se
diz. E adeus pipoca! Cada
grão que o saci reza não
rebenta mais, vira piruá”,
diz Tio Barnabé.
Fértil, o assunto rende
causos, lendas e, por que
não, organizações para
discutir o legado negrinho.
A Sociedade dos Observadores
de Sacis (Sosaci), em São
Paulo, uma ONC (organização
não capitalista), busca a
defesa das figuras
folclóricas brasileiras,
segundo eles, ameaçadas por
“X-men, pokemóns, patos
assexuados e ratos com
orelhas de canguru”. Crias
nossas como o Negrinho do
pastoreio, as bruxas de
Santa Catarina e a Iara têm
defesa e espaço garantidos.
Segundo a escritora e
sacióloga Márcia Camargos,
uma das fundadoras da
Sosaci, é importante que
haja uma integração entre
culturas. “Podemos absorver
os pokemóns da vida,
contanto que eles também
abram as portas para nossas
personagens. Queremos povoar
o Hyde Park londrino e o
Central Park, de Nova
Iorque, de sacis,
mulas-sem-cabeça e outros
mitos nossos”, disse.
A Sosaci é um espaço
aberto para relatos,
recebidos através do sítio
www.sosaci.org. Márcia conta
que o 31 de outubro foi
instituido como o Dia do
saci como um contraponto
evidente ao halloween.
“Tivemos sorte de encontrar
congressistas interessados.
Até o presidente Lula, que
nos recebeu no palácio,
encantou-se com a idéia”,
diz Márcia.
Já se foram 90 anos desde
que o escritor paulista nos
apresentou o saci. Para que
nosso folclore não seja
esquecido, a editora Globo
lança hoje, na Biblioteca
Monteiro Lobato, em São
Paulo, a 4ª edição de O
saci, dentro do projeto de
reedição da obra completa do
escritor.
(©
JC Online)
Saiba+
SOSACI - SOCIEDADE DOS
OBSERVADORES DE SACI |