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O músico
cearense Zé Menezes
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Músico cearense fez carreira sob influência do
violonista Aníbal Augusto Sardinha, o Garoto, e do maestro Radamés Gnattali
Francisco Quinteiro Pires
Quando
fala da música brasileira, Zé Menezes usa uma hipérbole para se referir ao
violonista paulista Aníbal Augusto Sardinha (1915-1955) - 'Existe um antes e
um depois de Garoto'. Se alguém deseja entender, em breve definição, o
estilo musical de Zé Menezes, precisa saber quem foram Garoto e Radamés
Gnattali (1906-1998). 'Eu me espelhei nos dois - como violonista, me
inspirei na base harmônica inovadora, cheia de contrapontos, do Garoto e,
como arranjador, me deixei influenciar pelo contato com Gnattali.'
Por causa de Aníbal Sardinha, a quem dedicou o CD Relendo Garoto (1998), Zé
Menezes saiu, em 1943, de Fortaleza para o Rio, convidado pelo locutor César
Ladeira a integrar o cast da Mayrink Veiga, onde atuaria no regional da
rádio, composto pelos cobras Lupércio e Romualdo de Miranda, Luiz Americano,
Laurindo de Almeida, João da Bahiana e Tute (inventor do violão de 7
cordas). Ele substitui Garoto que se transferira para a Nacional, na qual
ele e Zé Menezes tocariam juntos a partir de 1947 e perpetuariam a técnica
do violão tenor.
'O Zé é ainda o grande divulgador desse tipo de violão brasileiro e, se não
fosse ele, acho que o instrumento já estaria extinto', diz o violonista
Paulo Bellinati. O violão tenor é resultado de modificações, feitas por
Garoto e pelo luthier Del Vecchio, no banjo norte-americano, com quatro
cordas afinadas em lá, ré, sol, dó. A principal mudança foi a introdução na
caixa de ressonância de um diafragma de alumínio, onde as cordas repousam,
gerando o timbre único do violão tenor. 'O Garoto queria um instrumento mais
acústico, mas com a mesma afinação, por isso coloca o metal no lugar da
membrana de couro, que dá a característica percussiva do banjo', diz
Menezes, dono de um violão tenor de 1935, feito pelo próprio Del Vecchio.
Tal como Garoto, Menezes desenvolveu um talento múltiplo - Zé toca cavaco,
banjo, bandolim, violão 6 e 7 cordas, baixo, viola, guitarra portuguesa e
guitarra. (Em tempo, além do violão tenor de Del Vecchio, Zé tem uma Gibson
de 1962 dada pelo guitarrista norte-americano Les Paul). E foi com uma
guitarra elétrica dedilhada que ele inovou ao gravar o Concerto Carioca, de
Radamés Gnattali, com uma orquestra sinfônica.
'O maestro me obrigou a estudar, ele dizia que lugar de aprender é em casa,
a gente tinha de chegar pronto ao estúdio, porque se alguém errasse,
tínhamos de começar tudo de novo.' O multiinstrumentista cearense também foi
obrigado por Gnattali a vestir casaca para se apresentar no Teatro Municipal
do Rio.
A relação entre os dois começa quando Zé deixa a Rádio Nacional no início
dos anos 60 para integrar o histórico Sexteto Radamés Gnattali, um
desenvolvimento do Quarteto Continental (1949) - além de Menezes, faziam
parte dele Chiquinho do Acordeão, Abel Ferreira, Vidal, Luciano Perrone e
Aída Gnattali. O sexteto participa da 3ª Caravana Oficial de Música Popular
Brasileira, fazendo apresentações na Europa, de Sorbonne a Oxford.
Quando está em Paris, Zé Menezes tem a idéia de inventar a banda Velhinhos
Transviados, que grava 15 elepês de sucesso nacional. 'Fomos a uma boate
onde tinha um monte de velhão rico e garota interessada em dinheiro.' O
filme Juventude Transviada, de Nicholas Ray, estava na moda. 'E por que não
velho transviado, que tinha grana, e a garota atrás de riqueza, uma mão lava
a outra, não é?', explica Zé. Os Velhinhos Transviados tocavam de Beatles a
bossa-nova, sempre com arranjos cheios de sátiras.
Com essa banda, Zé Menezes faz oito anos de excursões pelo Brasil,
principalmente no Nordeste e no Sudeste. 'Até quando cansei de lidar com
pessoas e de viajar de dia para tocar à noite.' Nos anos 70, entra como
primeiro guitarrista na TV Globo, onde se torna maestro e se aposenta depois
de 22 anos. Dedica-se, depois, ao estudo da música em casa, no Rio. 'Se
alguém me chamar agora para tocar em orquestra, em grupo de choro, em big
band, tenho todas as músicas arranjadas.' Aos 86 anos, Zé Menezes prefere
continuar cumprindo a profecia de Padim Ciço, como se sua história musical
não fosse suficiente para realizá-la.
(©
Estadão) |