José Teles
teles@jc.com.br
Carlinhos Brown estava com oito anos
quando conheceu Michael Sullivan, então
vocalista da Renato e seus Bluecaps. Ele foi
a um show de astros da Jovem Guarda, com um
dos ingressos doados a um instituto de cegos
pela mãe de Raul Seixas: “Naquele tempo, eu
ia sempre com os ceguinhos para tudo quanto
é show”, conta Brown, em entrevista por
telefone, para divulgação do disco A gente
ainda não sonhou (Som Livre). O título é o
de uma canção composta por ele enquanto via
as imagens, na TV, ao vivo, dos bombardeios
norte-americano a Bagdá.
Uma das faixas do disco, Te amo família,
é uma parceria dele com o ídolo de infância,
o pernambucano Michael Sullivan. “Sei que
fizemos de cara três músicas”, diz Carlinhos
Brown. Ele já contabiliza umas cem parcerias
já feitas com Michael Sullivan: “Estou me
tornando o novo Massadas (refere-se a Paulo
Massadas parceiro de Sullivan nos anos 80).
Vamos tirar um tempo para ver quais as
melhores, quem sabe sai um disco? Temos no
Brasil grandes compositores, mas nenhum
hitmaker feito Michael Sullivan”.
A gente ainda não sonhou é o quinto disco
solo de Carlinhos Brown. Foi lançado no
início do ano na Europa, Estados Unidos,
América Latina e Ásia, mas somente agora
chega ao Brasil: “O disco não saiu antes
aqui porque meu patrão é europeu. Não tenho
contrato no Brasil. Mesmo com todo amor que
tenho pelo meu País, estou sendo importado.
Lá fora eu lanço pela Sony BMG, mas aqui,
como eles tem um cast muito grande, o
pessoal da Europa preferiu que o disco
saísse pela Som Livre, porque meu trabalho
anterior, Carlito Marrón, não teve boa
divulgação no Brasil, passou em branco”,
conta Brown, que é ídolo popular na Espanha.
Carlito Marrón é como é conhecido naquele
país.
Neste CD ele toca todos os instrumentos,
e assina o repertório inteiro, a maioria
composto especialmente para o disco. Tal
exuberância, explica ele, foi
circunstancial: “O que me levou a tocar
muitos instrumentos foi o baixo orçamento de
que dispunha, não foi nada de virtude. Eu
gosto de estar com uma turma no estúdio, mas
como a grana era pouca tive que apelar. Foi
por tal razão que o disco demorou a ser
gravado, comecei a fazer em 2005 e só
terminou em setembro do ano passado.
Precisava viajar de vez em quando para
equilibrar o orçamento. Mas, com a economia
que fiz, pude contratar Jaquinho (Jaques
Morelembaum) para participar do disco”,
continua Carlinhos Brown.
Ele é um dos artistas brasileiros mais
conhecidos e requisitados no exterior, e não
apenas na Europa. Este ano fez mais uma vez
a América do Norte, com casa lotada: “No
Canadá, cantei em Toronto, para 200 mil
pessoas. Nos Estados Unidos também foi muito
bom. Fiz o Hollywood Bowl e foi lotação
esgotada. Canto muito mais no exterior.
Passo só uns três meses por ano no Brasil”,
diz Brown que, no entanto, não consegue
repetir em sua terra o mesmo sucesso que
alcança entre europeus: “O que não consigo
entender é como sou o artista nordestino que
mais recebe do Ecad, se meus discos não
tocam no rádio”.
Carlinhos Brown tem uma intuição para
linhas melódicas e imagens únicas, basta
lembrar Meia-lua inteira, um dos maiores
sucessos da carreira de Caetano Veloso.
Goodbye hello, que abre este CD é uma destas
músicas que grudam. De imaginação mais que
fértil, sendo dono de estúdio, ele agora
pode dar vazão ao que lhe vem à cabeça. A
percussão em Goodbye hello é feita com
surdos virados, uma elucubração de Brown,
que dispensa baterias nesta faixa.
Morelembaum participa de duas faixas, com
a Orquestra Sinfônica da Bahia, O aroma da
vida e Aos teus olhos, que ganhou roupagem
barroca. Em Marina dos mares, ele tenta
reescrever Marina, de Dorival Caymmi, sem
conseguir idêntica simplicidade (a idéia
para a canção, surgiu durante uma festa de
aniversário de Caymmi).
A gente ainda não sonhou é, antes de
tudo, um trabalho radiofônico. Quase todas
as faixas poderiam ser escolhidas para ser
carro-chefe, pois Brown sabe escolher seus
parceiros.