Até 9 de dezembro próximo, tem cearense em cartaz no Rio
de Janeiro. Egresso da turma inaugural do Instituto Dragão do Mar, o
dramaturgo Marcos Barbosa tem sua escrita reinventada pela criatividade
do veterano diretor Amir Haddad, um dos mais importantes nomes do teatro
brasileiro. Com 50 anos de dedicação à atividade teatral, Haddad assina
a versão carioca de “Auto de Angicos”, peça em que Barbosa flagra a
última hora de vida e amor de Virgulino Ferreira e Maria de Déa, os
lendários Lampião e Maria Bonita.
Hoje radicado em Salvador, titular da Universidade Federal da Bahia
(UFBA), Marcos Barbosa escreveu “Auto de Angicos” a pedido da diretora
baiana Elisa Mendes. Com Wydoto Áquila e Fafá Menezes no elenco, o
espetáculo estreou em 2001 e fez longa temporada Brasil afora. Foi
classificada para o Programa Palco Giratório, passou pelo Centro
Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro e, aqui, foi aplaudida no XI
Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga.
Contando os dias para as férias de fim ano — rigorosamente, com
Fortaleza sendo uma das escalas — o dramaturgo Marcos Barbosa festeja
com parcimônia a boa recepção de “Auto de Angicos” na cena carioca. “É
uma conquista importante. É uma barreira sendo vencida, sem dúvida. Mas
prefiro não ver esse momento de forma isolada. A montagem do Rio de
Janeiro é mais um texto meu que ganha vida”, comenta.
Fato é que “Auto de Angicos” — no Rio, batizada de “Virgulino Ferreira e
Maria de Déa” — tem sido recebida de forma muito positiva. Para além da
rubrica de Amir Haddad, econômico na composição dos tipos de Lampião e
Maria Bonita, e das atuações de Marcos Palmeira e Adriana Esteves; a
peça é aplaudida pela escrita de Marcos Barbosa, considerado um dos mais
promissores autores da cena contemporânea.
Dia 16 próximo, por exemplo, ele tem um outro texto seu — “Avental todo
sujo de ovo” — lido e discutido pelo escritor João Silvério Trevisan
durante o X Festival Nacional de Teatro do Recife. Cauteloso, Marcos
Barbosa diz não haver no Brasil um conjunto de autores que possam ser
agrupados num único segmento. Todavia, lamenta que o teatro nacional
permaneça ancorado em códigos e narrativas antigas.
“O Brasil se sustenta em alguns pilares que julga nacional e não
consegue se desprender. Pior: não consegue pautar novas questões. O
teatro brasileiro ainda não atentou para a renovação”, argumenta.
Enquanto isso, Marcos Barbosa segue sua jornada criativa, reconhecida em
vários prêmios e festivais, inclusive internacionais. Sem dúvida, a
carioca “Virgulino Ferreira e Maria de Déa” é só mais uma conquista de
sua escrita. Muitas outras virão. É só dar uma olhada no site
www.marcosbarbosa.art.br.
ENTREVISTA - AMIR HADDAD
Diretor de teatro.
É sempre um desafio do teatro
encontrar e afirmar novos dramaturgos?
Essa é uma preocupação absoluta. Não existe renovação teatral que não
passe por uma renovação dramatúrgica. Ou se encontra novos textos ou o
teatro pára. Não dá para aceitar que essa nova geração de diretores
permaneça como discípula de Beckett e Ionesco.
Como alinhar um novo texto e uma
nova cena?
É uma questão delicada. Nem sempre a vanguarda dramatúrgica coincide com
a vanguarda da encenação. “Rei da Vela” ficou na gaveta por décadas até
que Zé Celso montasse o texto. Oswald, infelizmente, não foi lido por
sua geração. Hoje, vejo o teatro brasileiro curtindo uma certa
imobilidade. O teatro brasileiro vive regurgitando vanguardas por medo
de romper com as tradições. O novo assusta.
Como se deu seu encontro com a
dramaturgia do Marcos Barbosa?
Vi o espetáculo encenado na Bahia. Vi e de cara percebi que o texto era
maior do que a peça. Procurei a dramaturgia, li e gostei muito. O Marcos
Barbosa é muito talentoso, fez uma peça que ensina o público a ouvir. O
espetáculo está recém-estreado aqui no Rio de Janeiro e é um sucesso. O
público está fascinado pelo texto. Há quanto tempo isso não acontecia? É
o texto o principal elemento de interesse do espetáculo.
Tendo visto uma encenação anterior,
como desenvolveu sua direção?
Minha direção não tem nenhuma pretensão de verossimilhança. O Brasil tem
muito nítida as imagens de Lampião e Maria Bonita. Não queria reforçar
isso. Não embarquei na armadilha do pitoresco. Em muito, porque o texto
não pede isso. O texto do Marcos Barbosa transcende o cangaço. O texto é
atual. É real sem ser realista.
O que mais o surpreende na escrita
do Marcos Barbosa?
O Marcos Barbosa é um autor inteligente. Conhece bem o grande teatro,
pode agora fazer o seu com tranqüilidade. O texto dele é prazeroso de
ouvir e encenar. Sua dramaturgia lembra Guimarães Rosa. Sinto ali uma
brasilidade imensa. Seu texto é autêntico. Autoral.