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As 18 litogravuras - que
ajudaram na conquista do título da Unesco
- ficarão em cartaz até o dia 2 de
dezembro
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Na data
em que completaria 80 anos, o designer Aloísio Magalhães é lembrado com uma
mostra de litografias
Fabiana Moraes
fmoraes@jc.com.br
Clarice,
primeira filha de Aloísio Magalhães, nascida em 1963, lembra bem da última
vez em que viu o pai vivo. Com onze litografias sob o braço, imagens que
retratavam pontos históricos de Olinda, ele saía de casa rumo a Europa para
reclamar o título de Cidade Patrimônio para o município. “Mas e o seu
discurso, está pronto?”, alguém pergunta. “Meu discurso é esse aqui”, disse
Aloísio, referindo-se ao album de gravuras feitas a partir de desenhos em
homenagem a Olinda, depois transformados em litografias. Elas não chegaram
ao seu destino final pelas mãos de Aloísio: foi o designer João de Souza
Leite, amigo e colaborador de longa data do artista, quem apresentou o
“discurso” perante o comitê de patrimônio da Unesco. Olinda foi finalmente
agraciada e acariciada com o título em 1982. Aloísio morrera meses antes, no
dia 13 de junho, em Pádua, Itália.
São as mesmas
ilustrações feitas com esmero pelo homem que abriu o caminho para a
implementação do design no País que estarão expostas a partir de hoje no
Mercado da Ribeira (Rua Bernardo Vieira de Melo, Carmo. Entrada gratuita). O
feito é mais do que simbólico: Aloísio completaria, exatamente hoje, oitenta
anos de idade se estivesse vivo. E foi ali, na Ribeira, que seu corpo foi
velado antes de seguir para o cemitério de Santo Amaro. No velório, as
litografias ficaram expostas como uma prova de amor do artista pela cidade.
Agora, voltam para o mesmo local para comemorar o nascimento de Aloísio
Magalhães e os 25 anos do título Cidade Patrimônio. A abertura da exposição
faz parte da programação do Olinda Arte em Toda Parte, que inicia sua
“segunda etapa”, a da visitação aos ateliês, no dia 22 de novembro.
“Ele comprou
uma casa na Ladeira da Misericórdia em 1973. Passamos a ir para Olinda todos
os anos. Papai adorava a cidade”, lembra Clarice, que nasceu no Rio de
Janeiro, cidade para onde seu pai se mudou em 1959.
Apesar
desta e de outras homenagens que já recebeu (o nome do museu de arte moderna
do Recife, que abriga geralmente mostras contemporâneas, é uma delas),
Aloísio é infelizmente um ilustre desconhecido para um sem número de
profissionais que trabalham com a identidade visual e a ilustração. “De
fato, houve um lapso de esquecimento em relação ao trabalho dele. Mas acho
que isso vem mudando: existem diversas teses e dissertações sobre sua obra”,
comenta Clarice, irmã de Carolina, segunda filha do casal Aloísio e Solange.
Não é tão
simples encontrar os livros que o designer deixou: Herança do olhar (Senac
Rio), que reúne ensaios de críticos de arte e designers brasileiros sobre o
trabalho do artista, está esgotado. A informação esquartejada, de 1971, é
outra raridade, assim como Doorway to portuguese (1957) e Doorway to
Brasília (1959), ambos com colaboração com Eugene Feldman (os dois da
editora The Falcon Press, Filadélfia). Em algumas livrarias, é possível
encontrar o livro E Triunfo? – A questão dos bens culturais no Brasil (Nova
Fronteira), onde analisa a presevação da cultura brasileira.
O interesse
pela obra do homem que criou a noção de comunicação visual em terras
nacionais em um momento onde até mesmo a fotografia ainda era vista com
reservas pelos membros da alta sociedade (para eles, apenas a pintura era
uma “arte maior”) é celebrado pela família Magalhães. É a sua arte, antes de
tudo, que é exaltada pelos amigos e parentes do designer.
Mas, embora
seja um assunto evitado, a idéia de que Aloísio era um “colaborador” do
governo durante os anos da Ditadura Militar surge hora ou outra na conversa
daqueles que pouco conhecem sua obra. A ligação seria visível por conta de
diversos fatores: seus trabalhos para a Petrobras e para a Itaipu, a carta
branca da Casa da Moeda para criar os desenhos do Cruzeiro Novo em 1966. O
que é preciso destacar é que, antes do golpe de 1964, o designer já era um
membro da vida pública nacional: ele atuou, por exemplo, como representante
do País durante o Simpósio da Organização dos Estados Americanos (OEA) ao
lado de Ênio Silveira em 1963, mesmo ano em que criou a Escola Superior de
Desenho Industrial. Com ele, estavam Carlos Flexa Ribeiro, Maurício Roberto
e Carlos Lacerda, entre outros. “Meu pai trabalhou defendendo suas idéias em
uma época difícil para os artistas e os intelectuais brasileiros”, diz
Clarice. A criação das novas cédulas do Cruzeiro Novo serviu como mote para
além de ligações políticas e ideológicas: foi observando a impressão das
notas que Aloísio teve a idéia dos cartemas, um de seus trabalhos mais
populares. “Ali, ele viu as cores, os desenhos, de forma unitária, não
individual. Era o desaparecimento da unidade”, comenta a filha do artista.
Aloísio então decidiu unir grandes séries de cartões postais em um único
trabalho, subvertendo formas, brincando com as imagens. Um exemplo é o
painel visto na entrada do Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães. Ali,
Marcos Lontra, responsável pelo Mamam na época, separou um cartão de um
cartema criado por Magalhães e pediu que ele fosse reproduzido. O resultado
é uma linda homenagem ao homem que intitula o Mamam.
A idéia do
cartema também estava presente, agora na cabeça de Clarice, quando ela se
despediu do pai no cemitério de Santo Amaro. “Era fim de tarde. Depois do
enterro, começaram a colocar muitas coroas de flores, de diferentes cores,
sobre o túmulo dele. Para mim, era como se fosse um cartema”, conta.