Festival que termina nesta noite colocou dramaturgias locais em
perspectiva
VALMIR SANTOS
ENVIADO ESPECIAL A RECIFE
Na semana passada, o grupo Clowns de Shakespeare, de Natal, saiu de São
Paulo, onde atualmente mostra o seu repertório, para se apresentar no
Festival Recife do Teatro Nacional, cuja décima edição termina na noite de
hoje. Essa triangulação potiguar-paulista-pernambucana dá a noção de uma
nova ordem geográfica na circulação de espetáculos, que amplia os horizontes
do corredor sudeste de hegemonia econômica, mas de relativa eqüivalência
estética.
O incipiente sistema de trocas da cultura no teatro desponta em eventos
como o de Recife e, para citar outros exemplos, o Festival Nordestino de
Teatro de Guaramiranga (CE), realizado há 14 anos, e o Festival Nacional de
Teatro da Bahia, que abriu as cortinas neste mês em Salvador. Projetos como
o Palco Giratório, do Sesc, e a Caravana Funarte, do Ministério da Cultura,
reforçam a tendência. Nessa perspectiva se encaixam ainda as apresentações
das peças de "Os Sertões", do Oficina Uzyna Uzona, em Quixeramobim (CE), até
ontem, e Canudos (BA), na semana que vem.
Diluição das fronteiras
Com o tema "Teatro do Eu, Teatro do Mundo", o festival de Recife catalisa
um pouco da diluição das fronteiras centro-periferia. Foram apresentados 21
espetáculos, cruzando territórios de Pernambuco, Bahia, Rio Grande do Norte,
Pará, Santa Catarina, Brasília, Minas Gerais, Rio e São Paulo.
Durante quatro dias, a reportagem da Folha se deparou com criações
locais em exigentes graus de elaboração. No solo de teatro-dança "Negro de
Estimação", Kleber Lourenço verteu a palavra de Marcelino Freire para o
corpo e a voz sem cair no lugar-comum do discurso anti-racismo. A
performance autoral reafirma identidade, sem rechaços.
Em "Mucurana, o Peixe", a Cia. Construtores de Histórias mostrou em sua
sede, o Centro de Pesquisa Teatral, adaptação de conto de Hermilo Borba
Filho. Do quintal regionalista, resultaram seis atores e um diretor à
procura de reinventar outros registros para representar o popular sem
reduzi-lo.
Borba Filho (1917-76), escritor e diretor pernambucano contemporâneo de
Ariano Suassuna, foi homenageado nesta edição. Mote para lançamento dos
livros "Hermilo -Lembrança Viva de um Mestre" (Fundação de Cultura),
organizado por Lúcia Machado, e o terceiro volume de "Teatro Selecionado"
(Funarte), por Leda Alves e Luís Augusto Reis.
A polifonia se espraiou pelo seminário "Nova Dramaturgia Brasileira em
Perspectiva", que pôs em contato as obras do amazonense Francisco Carlos, do
carioca Roberto Alvim, do cearense Marcos Barbosa, do paraibano Emmanuel
Nogueira, da mineira Grace Passô, do paulista Marcio Marciano e dos
pernambucano Luiz Felipe Botelho e Newton Moreno.
O resultado do seminário de 2006, sobre Nelson Rodrigues (1912-81), é
publicado agora em "A Esfinge Investigada" (Fundação de Cultura), organizado
por Aimar Labaki e Antonio Cadengue.
O encerramento acontece hoje, no teatro Apolo, com peculiar avaliação
pública, a cargo do pesquisador e ator Luiz Paulo Vasconcellos (RS).