Daniel Arantes
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Alceu Valença foi um dos primeiros a mudar
para o Rio
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Artistas pernambucanos que optaram por morar em São Paulo voltam ao
Recife em busca de suas raízes ou qualidade de vida
José Teles
teles@jc.com.br
Alguma coisa acontece também no coração dos músicos pernambucanos,
quando cruzam a Ipiranga e a Avenida São João, para que sejam tão
fascinados por São Paulo. A emigração de artistas de Pernambuco para o
Sudeste sempre foi uma regra, com poucas exceções. Deu-se assim no
século passado com João Pernambuco (em 1902), Alceu Valença (1969),
Lenine (1980). Porém, todos estes (também Aristides Guimarães,
Robertinho do Recife, Geraldo Azevedo, Luiz Gonzaga ou Naná Vasconcelos)
optaram pelo Rio de Janeiro. Dos anos 90 para cá o êxodo de artistas de
Pernambuco tem sido quase que exclusivo para a capital paulista, onde
uns se adaptam, uns desistem, mas quase todos vão e voltam. Esta matéria
procura entender o fenômeno, que leva tanta gente a rachar aluguel de
quitinetes, pegar ônibus, cruzando a cidade para se apresentar em
barzinhos em bairros distantes, e ter que encarar o inverno com pesados
agasalhos, tudo por um lugar ao sol.
Entre os que voltaram para o Recife está Fred Zeroquatro, da Mundo
Livre S/A. “No meu caso, foi por por qualidade de vida mesmo. A banda
mudou-se para São Paulo em 1997. Mas a cidade é muito cara, de difícil
adaptação, a gente vai casando, constituindo família, e para criar filho
o Recife é melhor. Mas é claro que São Paulo oferece mais oportunidades,
tem um circuito muito mais ativo. No Recife, tem a coisa da distância,
do custo de se locomover com a banda, mas a gente racionaliza, consegue
um pacote de show, junta turnês, e diminui os custos”, justifica.
Zeroquatro lembra que com a internet, a falência das grandes gravadoras,
bons estúdios no Recife, não existe mais o imperativo de se morar no
Sudeste.
De outra banda badalada nos anos 90, a Mestre Ambrósio, Siba Veloso
voltou a Pernambuco, em 2003, mas para tocar um projeto que acalentava
desde o início da carreira: trabalhar com músicos da Mata Norte: “Um ano
antes da minha volta, o pessoal da Mestre Ambrósio já sabia do meu
propósito”, revela. Quanto a São Paulo, ele só tem elogios à cidade:
“Para mim foi fundamental ir para lá. Foi São Paulo que me tornou
profissional e me abriu as portas para o Brasil. São Paulo continua
sendo um referencial”.
Lirinha, da Cordel do Fogo Encantado, um dos mais bem-sucedidos
grupos pernambucanos da atualidade, optou por morar em São Paulo e não
pensa em voltar. “Os grandes circuitos, casas de espetáculos,
empresários, tudo se concentra no Sudeste há anos. Jackson do Pandeiro,
Luiz Gonzaga tiveram que sair do Nordeste por isso. Gostaria de morar no
Recife e só sair de lá para fazer shows, mas é difícil”. Nem todos os
integrantes da Cordel do Fogo Encantado, no entanto, vivem em são Paulo.
Emerson Calado, por exemplo, mora em Goiânia (GO), os percussionistas
Rafa Almeida e Nego Henrique continuam no Recife. O violonista Clayton
Barros mora em São Paulo, mas está fazendo as malas para voltar ao
Recife: “Mesmo não morando todos aqui, a banda tem uma agenda cheia, e a
gente acaba passando a maior parte do tempo juntos”, contemporiza
Lirinha.
(©
JC Online)
Artistas têm um pé em cada canto
Aqueles que experimentaram viver na
paulicéia afirmam que, lá, existe menos
violência, mas sentem-se divididos pela
saudade do Recife
Quem se adaptou a São Paulo, por força das
circunstâncias, foi o baterista Adelson
Bala, que arribou para o “Sul”, cinco anos
atrás, com a Querosene Jacaré. Quando a
banda acabou, ele e o baixista Alfaia
preferiram continuar na cidade e fundaram a
Monjolo, da qual participam Márcio,
ex-Songo, e Mazinho, ex-Mestre Ambrósio.
Adelson admite que as vezes lhe bate o banzo
e pensa em voltar. Mas muda logo de idéia:
“O que vou fazer no Recife? As opções são
poucas. Não que aqui em São Paulo seja
moleza viver só de música. Mesmo os músicos
daqui precisam manter outra atividade”. O
que o ajuda a manter o sonho da música é seu
trabalho como jornalista do site show livre
(que tem link no Jc online). Adelson aponta
ainda outro fator que o leva a não querer
fazer a viagem de volta: “O pessoal aqui não
acredita quando eu digo que a área onde moro
(na Pompéia) é tranqüila, não há a violência
do Recife, onde já se desce do avião com
medo”.
“O pessoal acha que o músico que volta é
por não deu certo em São Paulo. Voltei
porque gosto do Recife, aqui é possível se
levar uma vida mais confortável, circular
pelos bares, gastando menos. Mas estou
pensando em voltar, por causa da violência.
Já fui assaltado quatro vezes, no Rosarinho
onde moro”, quem diz isto é Ortinho,
ex-vocalista da Querosene Jacaré, que morou
na capital paulista de 1998 a 2002. Quando a
banda terminou ele teve que ralar mais do
que os colegas para continuar na cidade:
“Diferente de muitos que têm papai e mamãe
para segurar a onda, eu não tinha nada
disso. Fiz um bocado de coisa, até conseguir
me sustentar”, continua Ortinho, cujo
trabalho mais duradouro nesta época foi como
garçom. Hoje ele diz que desfruta de uma
situação confortável em São Paulo, embora
morando no Recife: “Estou sempre sendo
convidado para shows, tenho uma banda certa
por lá”, jacta-se ele, que acabou de chegar
de São Paulo e volta dia 20 para shows no
Sesc e uma esticada a Belo Horizonte.
Mesmo temendo a violência do Recife, o
percussionista Gilmar Bola Oito, da Nação
Zumbi, optou por trocar a badalada Vila
Madalena, em São Paulo, pelo Arruda, próximo
a Chão de Estrelas, um dos berços do
movimento mangue, que ajudou a fundar há
quase vinte anos. Ele foi para São Paulo com
a banda, em 1995, no final da turnê Da lama
ao caos: “Primeiro a gente passava uns meses
no Rio e voltava ao Recife. Depois fomos
para São Paulo, mas vivia longe da família,
tinha mulher e filhos, então resolvi
voltar”. Ele justifica o retorno pelos mesmo
motivos de Fred Zeroquatro: qualidade de
vida: “Prefiro que meus filhos pisem na
areia limpa, do que no asfalto de São Paulo,
apesar do clima violento do Recife”. Gilmar
reconhece que o status da sua banda garante
a ele este privilégio: “A Nação é uma banda
que já que permite que exista esta ponte
área. Viajo constantemente para shows. Dia
18 já vou novamente para ensaiar para a nova
turnê. Na realidade, vivo aqui e lá, pago
até aluguel de uma casa na Vila Madalena.”
De uma banda que não acabou antes de se
tornar conhecida, a Songo, Tiago Andrade
morou durante três anos em São Paulo:
“Voltei para acabar a banda, que não estava
indo bem. Um dos motivos de termos escolhido
a cidade foi a maior quantidade de espaços,
o Sesc, que tem um circuito importante. Mas
voltei também porque estava de saco cheio de
morar lá. Voltar para morar, só se tiver uma
boa condição de trabalho, que me dê
condições de morar com a minha mulher e não
dividindo apartamento com outros músicos.
Mas, na verdade, São Paulo é uma ilusão
total. para mim é mais negócio ficar no
Recife e fazer miniturnês, como a que fiz
esta semana, com seis shows”
(©
JC Online)
Globalização ajuda Silvério a ficar no Recife
Silvério Pessoa é avis rara. Um dos poucos
músicos surgidos em Pernambuco, nos anos 90,
que em nenhum momento da carreira morou fora
do Estado. Com o Cascabulho, ou em carreira
solo, garante que nunca lhe passou pela
cabeça trocar o Recife por São Paulo. Por
coincidência, Silvério concedeu esta
entrevista, por telefone, de São Paulo, onde
ia cumprir uma bateria de shows: “No
Nordeste trabalho o ano inteiro. De lá
consegui criar um circuito no Brasil e no
exterior. Aqui em São Paulo eu venho
constantemente, porém, em momento algum tive
desejo de me mudar para cá”, reforça.
Silvério lembra que já conseguiu levar
sua música até o Japão, morando no Recife:
“Acho que pelo estilo de música que faço,
para os produtores, o atrativo passa a ser
exatamente o fato de morar aqui, e eles
querem alguém que tenha um trabalho mais
ligado à música que faz”,
Com três CDs, um DVD no Brasil e mais um
que está para ser lançado na França,
Silvério aponta para a globalização como
mais uma razão para que não precise deixar a
terra natal: “Meus discos e DVD saem por um
selo europeu, portanto, eles chegam ao mundo
inteiro, sem que eu precise me deslocar.”
Ele diz que o que o afasta mais da emigração
é a necessidade de estar perto das
manifestações que o inspiram a fazer música:
“Toda fonte do que faço é a Zona da Mata
Norte, onde nasci”
(©
JC Online)
Terra da oportunidade e da ralação
A Carfax foi fundada em 2004, no ano
seguinte lançou o primeiro disco. Conseguiu
demarcar seu espaço e arrebatar um público
pequeno, mas fiel. Este ano, o grupo reuniu
as economias e foi conhecer o mercado
musical da Paulicéia: “A gente montou base
em São Paulo e de lá fizemos shows no Rio,
Belo Horizonte, Salvador. São Paulo tem um
circuito grande, cada bairro tem seus bares,
boates e público específicos. Você vai tocar
em outro bairro e tem uma platéia totalmente
diferente. Mas ninguém se iluda, a ralação é
a mesma, tanto lá quanto cá. Acho que é
preciso fazer São Paulo porque, quando você
volta, o pessoal aqui começa a te ver de
outra forma, com mais respeito, até o cachê
aumenta”. Quem conta isto é Iana, vocalista
da Carfax. Ela revela que o grupo pretende
investir novamente na capital paulista:
“Estamos começando o segundo disco. Quando
estiver pronto, a intenção é trabalhar o CD
por lá”.
A Mombojó está fazendo uma série de
apresentações em São Paulo (com um show em
Brasília). A banda consegue viver no Recife
com o que fatura com música, principalmente
com o que faturam com projeto paralelo Del
Rey, mas São Paulo é a meta do grupo: “A
gente ia morar lá no começo do ano, mas aí
aconteceu aquilo com a banda (refere-se ao
falecimento do flautista Rafa). Mas vamos
morar lá. O principal motivo é porque fica
bem mais perto de outras cidades como
Curitiba, Rio, Belo Horizonte, Porto Alegre.
No Recife é impraticável pelo custo das
passagens aéreas. A gente sabe que São Paulo
não é fácil. A gente sabe que vai passar
perrengue, mas estamos disposto a encarar os
riscos”, garante Chiquinho, tecladista da
Mombojó.
CIDADÃO
Na semana passada, em sessão solene,
na Assembléia Legislativa, em Natal (RN), o
roqueiro, da Astronauta, André Frank recebeu
o título de Cidadão Potiguar, pelos serviços
prestados à música do Rio Grande do Norte. O
título foi resultado do trabalho que André
Frank desenvolve em São Paulo, para onde se
mudou há três anos. Além de tocar com a
Astronautas, ele virou produtor, presta
consultoria sobre música, faz palestras,
montou um estúdio na casa em que mora, na
Pompéia: “O título foi porque trouxe muitas
bandas de Natal para tocar aqui, dei apoio,
divulguei”, conta. André garante que desde
que chegou a São Paulo vive exclusivamente
de música: “Vim com este propósito. Isto
depende muito do esforço de cada um. Eu sou
músico, mas o lúdico vem acompanhado sempre
do pensamento empresarial”. Mas faz questão
de ressaltar que não deixou completamente o
Recife: “Passo pelo menos três meses por ano
lá, é quando aumentam mais as oportunidades
para as bandas, entre dezembro e o
Carnaval”, explica o pragmático cidadão
potiguar.
CURIOSIDADE
Um dos casos mais curiosos de
emigrantes pernambucanos da música,
aconteceu com o forrozeiro Maciel Melo. No
começo dos anos 90, sem espaço no Recife,
ele foi morar em São Paulo, onde também não
teve maiores chances na música. O jeito foi
apelar para os empregos convencionais.
Enquanto trabalhava numa gráfica, num
daqueles dias gélidos de São Paulo,
bateu-lhe o banzo, e a frustração. Veio daí
a inspiração para compor Caboclo sonhador.
Voltou para Pernambuco com este xote, que se
tornou um clássico da música nordestina e
fez de Maciel Melo um dos mais requisitados
forrozeiros do País.
(©
JC Online) |