Notícias
 Rainha Bethânia de volta, agora com CD ao vivo

 

 

 

A cantora baiana Maria Bethânia
 

Ela faz nova temporada em São Paulo, a partir de hoje, do bem-sucedido Dentro do Mar Tem Rio

Patrícia Villalba

Já que o assunto é água, podemos dizer que Maria Bethânia deixou para lavar a alma em São Paulo. Depois de um ano, ela volta à cidade para o encerramento da turnê Dentro do Mar Tem Rio, e se apresenta no Citibank Hall neste e no próximo fim de semana, ao mesmo tempo em que lança o CD homônimo, ao vivo, registro do show gravado no Canecão, no Rio, em agosto.

Na base dos shows estão os dois últimos discos da cantora, Pirata e Mar de Sophia, ''''água doce e água salgada'''', explica ela em entrevista ao Estado. ''''Estreei em São Paulo, agora volto para encerrar a turnê, comemorar o sucesso, a felicidade.Volto para agradecer e pedir mais.''''

Mas mais ainda que os dois trabalhos de estúdio, lançados simultaneamente no ano passado, o roteiro repassa e, de maneira não menos que surpreendente, expõe a ligação extrema entre a trajetória de Bethânia, seu vasto repertório, e a água. Difícil encontrar alguma outra intérprete que tenha cantado as águas doces, salgadas, as lágrimas e o útero tanto quanto ela. ''''Dos quatro elementos é o que mais me comove, é muito suave. É um projeto que sempre quis fazer, cantar para a água, reverenciando a água.Os mares, os rios, somos gerados no ventre e na água, há um lado ancestral da mulher reservatório. Para mim, é um assunto encantado'''', diz ela.

Assunto encantado, assunto da vez. Mas Bethânia observa que embora acabe chamando a atenção para o envenenamento dos rios, os projetos de transposição e afins, ao cantar a beleza das águas, a alma que é feita de maresia, a intenção do projeto não é panfletária. ''''Lógico que me preocupo com o assunto, mas aqui a intenção é mais a de reverenciar a água como uma entidade sagrada, apaixonante, fácil, amorosa, e não parecer aquelas propagandas que se vê hoje em dia. A idéia é antiga, ainda nem se falava sobre isso. Se contribuir, fico feliz, mas não foi uma coisa dirigida para isso'''', justifica. ''''Quero chamar a atenção, não quero o panfleto. Minha voz é pequena, mas assim pequena mesmo eu vou gritando.''''

Grito é metáfora, Bethânia não grita. Mas não foge da discussão. Questionada sobre o assunto, posiciona-se com todas as letras, por exemplo, contra o projeto de transposição do Rio São Francisco, menina-dos-olhos do governo Lula. Diz com todas as letras que é contra a alteração do curso de um rio, seja ele qual for, e que há outras maneiras menos agressivas de se acabar com a seca do Nordeste. ''''Não sou estudiosa dessas idéias mirabolantes, mas o homem está se sentindo superior a Deus. Querer mudar o curso de um rio não é coisa para humano. Há outras maneiras de levar água para o Nordeste. É uma desculpa fraca para mexer na água. Não me meto no que não conheço, mas tenho meu sentimento e minha inteligência'''', sentencia.

Entre a indignação e a observação serena, Bethânia montou um panorama sem pudores, num roteiro assinado em parceria com Fauzi Arap, ainda que nenhuma música deixe de fazer jus ao tema de alguma forma. Estão lá, por exemplo, desde jóias delicadas como Sereia de Água Doce, de Vanessa Da Mata, até marchinhas inocentes, como A-la-la-ô (Haroldo Lobo e Nássara). Afinal, o tal ''''deserto do Saara'''' tem a ver com água.

As concessões estão nas canções de amor rasgado, como Você, de Erasmo e Roberto - Sou igual a você/ Eu nasci pra você/ Eu não presto. O amor, diz ela com grande alegria, tomou grandes proporções durante este ano inteiro de turnê. São os trechos do show em que ela se permitiu fugir um pouco do tema. ''''A água me libertou no amor'''', confessa.

Bethânia explica que, comparado ao trabalho em estúdio, a escolha do repertório do show foi muito mais livre, mais solta. No caso de Pirata e Mar de Sophia, ela procurou privilegiar músicas inéditas, senão totalmente, inéditas em sua voz pelo menos. É por isso, por exemplo, que O Nome da Cidade, de Caetano Veloso, não entrou no repertório em estúdio, mas está no show e no CD ao vivo. ''''Para mim, a música tinha tudo a ver com essa conversa de água, mas não poderia estar no estúdio, já havia feito parte do show A Hora da Estrela (1984)'''', explica. ''''No show eu misturo tudo: rio com mar, falo de chão onde não chove. Eu e o Fauzi resolvemos misturar sem nenhum pudor.''''

Mistura danada, mas coerente dramaturgicamente, Dentro do Mar Tem Rio é pontuado por Álvaro de Campos (Ultimatum) e João Cabral de Melo Neto (O Rio), mas principalmente costurado pela poesia da portuguesa Sophia de Mello Breyer. Bethânia conta que conheceu a poetisa por meio do amigo e escritor, também português, Antonio Alçada Batista - ''''Fiquei encantada com ela, apaixonada.''''

Na época em que foi apresentada à obra de Sophia, Bethânia já pensava neste trabalho voltado ao mar. ''''Fiquei impressionada com o fato de ela reservar em sua obra um volume tão grande de poemas dedicados ao mar. Fui me interando sobre o trabalho dela, passei três anos estudando a sua obra'''', diz.

Sophia tem um jeito bem português de falar sobre o mar, concorda a cantora - não é a praia, como costuma ser para os brasileiros, mas o Atlântico. E, neste caso, o paralelo entre as duas transcende a obra, e remete à infância de Bethânia. Lembra a primeira vez que a menina de Santo Amaro da Purificação viu o mar: ''''Santo Amaro tem saída marítima. A primeira vez que eu vi o mar foi saindo de barco a vapor, para Salvador. Eu tinha cinco, seis anos. Logo na primeira vez, eu vi o mar, o mar mesmo, e não a praia. Foi muito forte, inesquecível.''''


Serviço

Maria Bethânia. Citibank Hall (1.450 lug.). Al. Jamaris, 213, Moema, 6846-6040. 6.ª e sáb., 22 h; dom., 20 h. R$ 100 a R$ 160. Até 9/12

(© Estadão)

Com relação a este tema, saiba mais (arquivo NordesteWeb)


powered by FreeFind