Historiadora Marieta Borges lança em livro o resultado de 33 anos
dedicados à pesquisa sobre o arquipélago
Paulo Sérgio Scarpa
Scarpa@jc.com.br
Quinhentos e sete anos depois do primeiro registro histórico sobre o
arquipélago, a Ilha de Fernando de Noronha foi redescoberta por uma
pernambucana. A façanha é da historiadora Marieta Borges Lins e Silva,
que passou os últimos 33 anos pesquisando mais de três mil documentos,
fotos, mapas, relatos e viajando pelo Brasil atrás de entrevistas e
fazendo visitas a arquivos históricos, aqui e no exterior.
O resultado é o livro Fernando de Noronha: Cinco séculos de história.
“As pesquisas foram feitas às minhas custas e quando eu tinha tempo
livre porque nunca deixei de trabalhar”, revela a historiadora e
educadora. O livro é dividido em dez capítulos, seis deles impressos e
quatro anexados em CD-ROM, com informações sobre meio ambiente, lendas,
culinária e festas, desenhos do francês Jean-Baptiste Debret (que
viajava em direção ao Rio de Janeiro com a missão artística francesa de
1816), poemas e canções dedicadas a Noronha.
O livro tem 300 páginas a cores, 513 fotos (das décadas de 20, 30, 40
e 50 do século 20) e inúmeros mapas, como o Planisfério de Juan de La
Cosa (1500), uma “insula descobierta por Portugal” e o mapa de Cantino
(1502), que já localizam um arquipélago isolado no Atlântico equatorial,
incluído nas rotas de navegação, que viria a se chamar Fernando de
Noronha, que o rei decidiu doá-lo a Fernão de Loronha, personagem que a
história imortalizou.
Por isso, a grafia do nome sofreu inúmeras variações através dos
séculos, aponta Marieta Borges: Fernand, Ferdinand, Ferdonando, Fernan,
Fernão, Fernandez e Firnan, e Noronha já foi escrito Delon, Lazono,
Lorena, Lorenha, Loronã, Loronha, Lorono e de La Rogne. “As pessoas
abriram mão de seus baús para doarem seus registros”, conta a agradecida
Marieta Borges.
As doações foram feitas, por exemplo, pela família do general Ruperto
Clodoaldo Pinto, que foi governador de Fernando de Noronha entre 1971 e
1975, que entregou uma caixa com fotografias. Uma foto mostra o vôo do
Zepellin sobre o arquipélago, doada pela filha Délia Aguiar, que nasceu
na ilha e hoje pintas cenas do arquipélago. Outra preciosidade histórica
é uma seqüência de fotos do desembarque de um canhão, clicado pelo então
major Feliciano Motta, “um fotógrafo apaixonado”, doação da
sobrinha-neta Marta Greenville, mergulhadora no arquipélago. A ilha
chegou a receber mais de 50 canhões durante a Segunda Guerra Mundial,
que foram depois abandonados e leiloados, restando atualmente apenas
oito.
A paixão pela ilha começou em 1974 quando Marieta Borges foi enviada
a Fernando de Noronha com um grupo de professores da Universidade
Católica de Pernambuco (Unicap) para capacitar os professores locais,
uma espécie de supletivo profissionalizante. Após o curso, Marieta
prometeu enviar à ilha livros, xerox e tudo o que encontrasse sobre o
arquipélago. Compôs até um compêndio com todas as citações sobre o
arquipélago encontradas nos 15 volumes dos Anais pernambucanos, de
Pereira da Costa. A encomenda se perdeu, em 1988, com o naufrágio do
cargueiro Iracema, que ainda levava nove volumes e algumas fantasias
usadas pela Escola de Samba Mangueira que foram desenhadas por Marieta
Borges, quando os sambistas homenagearam o arquipélago.
A foto que a pesquisadora mais gosta está na página 94, foi feita em
1929 e mostra um espaço urbano bem ordenado da Vila dos Remédios. “As
fotografias são momentos aprisionados”, cita Marieta. “A foto revela que
a ilha já sofria de um desequilíbrio ecológico por causa de uma ordem
disciplinar. Na época em que era um presídio, as árvores foram cortadas
para os presos não fugirem em jangadas”, conta. Outra foto está na
página 121 e mostra um grande armazém, hoje totalmente em ruínas.
O capítulo mais querido é o que trata da Colônia Correcional e
Presídios Políticos, “um longo tempo sem liberdade, dois séculos de
dor”, no qual descreve com detalhes a prisão do então governador Miguel
Arraes de Alencar, em 1964, com 33 outros detidos pelos militares. Numa
foto, Arraes é mostrado, na ilha, com alpercatas e calça na altura do
tornozelo tirada ao chegar à ilha e outra, em outubro de 1988,
governador eleito em 1986, quando retornou ao arquipélago para tomar
posse no Distrito Estadual de Pernambuco.
Ilhéus descontentes com a reanexação de Fernando de Noronha a
Pernambuco, tentaram sabotar o Bandeirantes onde viajava Arraes, jogando
óleo na pista do aeroporto para impedir o pouso do avião. O livro pode
ser visto também como um inventário da Igreja de Nossa Senhora dos
Remédios, já que exibe imagens, desenhos e fotos do templo antes de seu
abandono. E mostra, a através de plantas arquitetônicas, como eram os
dez fortes construídos estrategicamente na ilha. A pesquisadora
identificou nove plantas, mas os fortes estão, hoje, totalmente
destruídos. O que sobrou do Forte de São Pedro do Boldró é usado
atualmente para os turistas admirarem o pôr-do-sol.
Nos 500 anos de Fernando de Noronha, Marieta Borges foi uma das dez
homenageadas com medalha especial e sua dedicação à ilha é reconhecida
pelo Conselho Distrital (com sete membros eleitos pela comunidade).
“Mais importante do que nascer numa terra é ver a terra nasce dentro da
gente”, afirma Marieta, citando o poeta Manuel Bandeira. “Fiz do
trabalho sobre Fernando de Noronha a causa de minha vida”, sentencia.