Filme refaz de maneira apaixonada e original a
trajetória do autor de 'Fogo Morto' e 'Menino de Engenho'
Neusa Barbosa, da Reuters
SÃO PAULO - Cinquenta anos após a
morte de José Lins do Rego (1901-1957), o cineasta Vladimir Carvalho
reconstitui a vida e a personalidade do escritor paraibano no
documentário O Engenho de Zé Lins. O filme entra em cartaz
em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília na sexta-feira, 14.
Duplamente premiado no Festival de
Brasília 2006 - melhor montagem e prêmio especial do júri -, o filme
refaz de maneira apaixonada e original a trajetória do autor de
Fogo Morto e Menino de Engenho.
Sem esquivar-se à polêmica, o filme do veterano Carvalho (diretor de
Barra 68 - Sem perder a Ternura) expõe tanto as luzes
quanto as sombras que moldaram o grande nome brasileiro da ficção
regional moderna.
Assim, menciona um dos episódios mais traumáticos da vida de Lins,
quando, ainda menino, matou outro garoto num acidente com uma arma
do pai. O episódio o perturbou pelo resto da vida.
Amigos escritores entrevistados revelam aspectos mais alegres e
pitorescos do escritor. Um dos pontos altos está no testemunho da
escritora Rachel de Queiroz, que morreu durante a produção do filme,
em 2003.
Mais emocionado é o longo depoimento do poeta Thiago de Mello. Ele
relembra os últimos anos de Lins, quando sofria muito com os efeitos
da esquistossomose, o que acarretava hemorragias constantes e grande
sofrimento.
O também paraibano Ariano Suassuna coloca um toque de polêmica. Ao
comentar a grande amizade entre Lins e Gilberto Freyre, opina que
Freyre, mesmo sendo um grande escritor, autor de Casa Grande e
Senzala, "não seria capaz de escrever um romance".
Mais polêmico foi o autor carioca Carlos Heitor Cony ao afirmar que
"o modernismo não criou nada", referindo-se ao movimento lançado
pelos paulistas Mário de Andrade e Oswald de Andrade na famosa
Semana de 1922. Para Cony, "o modernismo mesmo existiu no Nordeste",
na obra de escritores como o próprio Lins do Rego, Rachel de
Queiroz, Graciliano Ramos e outros.
Posições discutíveis à parte, o filme cria um ritmo muito peculiar.
Bom entrevistador, Vladimir Carvalho deixa estender as conversas e
não hesita em desviar-se da literatura para expor outras paixões de
Lins.
A maior delas, pelo Flamengo. O detalhe, como outros, serve para
compor a identidade de um homem que foi tão criativo quanto
contraditório.
O Engenho de Zé Lins, que levou aproximadamente cinco anos
para ser concluído, conta com uma cuidadosa pesquisa fotográfica,
que documenta todas as passagens da vida do escritor, seus
familiares, amigos.
Há também imagens do antigo engenho pertencente à família Lins do
Rego, local hoje em ruínas e ocupado por famílias de sem-terra.