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 Biografia une vida e idéias de Joaquim Nabuco

 

 

Nabuco em foto da época em que foi embaixador em Washington, de 1905 até a morte, em 1910
 

Para autora, geração do abolicionista preferiu a reforma à revolução. Socióloga Angela Alonso diz que Nabuco viu na luta contra a escravidão a oportunidade de abraçar uma causa política

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

Aos olhos da posteridade, nunca foi muito fácil entender como é que dentro do liberal abolicionista Joaquim Nabuco (1849-1910) viveu também um ferrenho e fiel monarquista, afeito aos modos aristocráticos e ao estilo da vida na corte.

xcelente orador, Nabuco foi implacável contra os opositores na defesa de seus argumentos, principalmente entre os anos de 1878 a 1888, quando se tornou o principal representante parlamentar da causa da abolição da escravatura.

Depois de proclamada a República, em 1889, deixou o país, só aceitando aproximar-se do governo republicano quase dez anos mais tarde. Mesmo assim, acabou por preferir a distância, tornando-se chefe da delegação brasileira em Londres.

Disposta a entender a complexidade do contexto político e ideológico em que Nabuco e sua geração construíram idéias para um Brasil que atravessava um momento de acelerada transformação, Angela Alonso lança "Joaquim Nabuco - Os Salões e as Ruas", que sai dentro da coleção "Perfis Brasileiros", da Companhia das Letras. Alonso é professora de sociologia da USP e pesquisadora do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). Escreveu "Idéias em Movimento" (Paz e Terra, 2002), em que estudou as correntes de pensamento durante o Império.

De início, a estudiosa propõe a análise da trajetória de Nabuco "pelo avesso", descrevendo seus velórios e funeral por meio de três atos. O primeiro, o de sua morte propriamente dita, como embaixador, em Washington, em 1910. Prestaram-lhe homenagem o secretário de Estado dos EUA, juízes da Suprema Corte e senadores.

O segundo ato deu-se nas celebrações de corpo presente na corte do Rio. A elas acorreram colegas de debate parlamentar, intelectuais e a população em geral. O terceiro aconteceu no Recife, onde foi acolhido exclusivamente como herói abolicionista, e seu esquife, carregado por ex-escravos libertos.

Os "três enterros" forneceram linhas para que Alonso reconstituísse a história e a dinâmica de pensamento de Nabuco ao longo do tempo. Apesar de se tratar de um pensador e político sobre o qual se escreveu muito até hoje -e que possui boa parte de seus escritos publicados nas obras completas (editadas entre 1934 e 1941, pela Companhia Editora Nacional)-, um estudo que associasse biografia à trilha intelectual era difícil de encontrar.

Alonso optou por utilizar mais de 700 cartas inéditas, que estão à disposição para pesquisas na Fundação Joaquim Nabuco, no Recife. "Trabalhar com correspondência traz uma vantagem que não existe nos diários. Nela podemos ouvir duas vozes, a dele e a de seus interlocutores", disse à Folha. A pesquisadora concluiu que a rede de conexões de Nabuco era muito maior do que se pensava, e que ele dialogava com várias tendências ideológicas.

"De um modo geral, as ciências sociais tendem a privilegiar o Nabuco pensador, centrando atenção em seus ensaios. A forma limitadora do tipo de biografia que fiz agora ajudou a resumir didaticamente a parte teórica e dar atenção ao perfil pessoal de Nabuco."

Bandeira

Um dos aspectos mais interessantes tem a ver com a "desromantização" do modo como o personagem agarrou-se à idéia abolicionista. Político jovem e ainda sem muita voz no Parlamento, Nabuco especializou-se em obstruir as discussões da oposição. A chamada "questão servil", eufemismo para designar o problema da escravidão, já estava na pauta. Seu próprio pai, o respeitado senador Nabuco de Araújo, já a considerava como possibilidade concreta num futuro próximo.

Porém, até então ninguém a havia tomado como bandeira de modo impetuoso e enfático.

Nabuco o fez e, aos poucos, apaixonou-se pela idéia de ser a "encarnação de uma causa".

"É possível dizer que foi uma ação oportunista no sentido que o oportunismo tinha na época. Havia então duas possibilidades, duas agendas. O abolicionismo e a República. Aos poucos, elas viraram causas gêmeas. Mas apoiar a República era um passo largo demais para Nabuco, devido à sua formação e à sua família, sempre próxima ao Império. Já a abolição cabia mais a seu perfil político."

Alonso ressalta que a idéia abolicionista, para Nabuco, não surgiu como um sopro, mas foi, sim, uma continuação daquilo que seu próprio pai iniciara.

Foi durante a realização de sua dissertação de doutorado que Alonso decidiu desenvolver esse enfoque. Na tese, a pesquisadora concluiu que a chamada "geração de 1870", a que Nabuco pertencia, era essencialmente reformista.

"A princípio, não formaram um grupo comum, e sim pequenos círculos sem expressão política. O que os unia era a marginalidade nas discussões", diz.

Os bloqueios impostos a eles pelo sistema acabaram por fazer com que formassem uma classe letrada sem espaço para expressar-se. "Isso acabou virando uma panela de pressão, que bebeu em fontes políticas do exterior e atrelou-se a uma agenda que vinha sendo postergada havia décadas", afirma.

Em 1870, defende ela, não havia mais como adiar decisões quanto à escravidão e às perspectivas para depois do fim da monarquia. Eram o assunto latente do momento. "Se Nabuco tivesse nascido uma geração antes, poderia ter sido um político mais acomodado dentro do sistema do Império. O fato de ter chegado à maioridade política num momento de aceleração histórica como aquele fez com que assumisse o perfil que hoje conhecemos."

Alonso define Nabuco como moderado, de uma espécie de centro-esquerda e respeitador da propriedade. Conservador para os de visão mais progressista. Na avaliação da autora, Nabuco fazia parte de um contexto em que a opção pelas reformas predominava sobre a idéia de uma revolução. "Até os mais radicais pensavam assim. E isso era coerente com o modo como nossa política era feita desde sempre."

JOAQUIM NABUCO
Autor:
Angela Alonso
Lançamento: Companhia das Letras
Quanto: R$ 39,90 (354 págs.)

(© Folha de S. Paulo)

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