Nos cinco anos e meio em que exerceu o cargo de
ministro da Cultura, Gilberto Gil
nunca deixou a música totalmente de lado. Fez shows esporádicos nos
pequenos períodos de folga, mas não sentiu necessidade, nem teve tempo,
de parar tudo para compor alguma canção. "Elas vieram naturalmente",
diz.
Quando tinha um bom número delas - algumas compostas
durante as viagens do ministro, outras em casa -, chegou a hora de gravar
"Banda Larga Cordel", CD no qual é baseado o show que ele
faz amanhã (31) e sábado em São Paulo. Além de assinalar a volta do
compositor e do músico à música, o álbum é um flagrante de sua boa forma
artística, com belas melodias e letras luminosas.
Nove dessas canções estão no roteiro do show, em que
ele canta acompanhado por Sérgio Chiavazolli e Bem Gil (guitarras), Arthur
Maia (baixo), Alex Fonseca (bateria), Cláudio Andrade (teclados) e Gustavo
di Dalva (percussão). A cenografia é de Hélio Eichbauer.
O uso abusivo da voz para falar nos anos de
ministério causaram danos a suas cordas vocais. Agora, depois de uma
cirurgia para remover um pólipo na corda direita, com exercícios diários e
assistência de uma fonoaudióloga, ele diz que está melhor.
"Estou cuidando, porque a perda de qualidade vocal
já seria natural na fase velha, mas com o uso abusivo da fala no Ministério,
isso se acentuou mais ainda", diz o cantor, de 66 anos. "Nos dois shows do
Rio consegui uma qualidade vocal boa, o público ficou satisfeito com o fato
de eu poder cantar bem e espero que isso se mantenha, que seja sustentável."
Não só por causa da questão do esforço vocal, "mas
também por causa da adequação ao espírito da maturidade", Gil tem abaixado o
tom de canções antigas que voltou a cantar, como "A Gente Precisa
Ver o Luar", "Aquele Abraço", "Andar com Fé", "Super-Homem - A Canção".
As novas composições acompanham essa tendência. "A voz da maturidade é mais
grave, a da juventude é mais aguda", brinca o compositor.
Entusiasta de novas tecnologias - fato que sempre
expressou em letras de canções -, o progressista Gil tem estimulado o
público a fotografar e filmar suas apresentações. É uma atitude controversa.
Muitos artistas, como Kanye West, que se apresentou no TIM Festival na
semana passada, tentam impedir o trabalho de profissionais, enquanto o
público se refestela com câmeras de alta resolução. De qualquer maneira, os
avisos de proibição das casas de shows já caíram em desuso.
"Os meios de comunicação, de certa forma estão
seguindo as normas do modelo vigente até aqui, regulado ou auto-regulado em
função dessas separações de territórios, dessas especificações de domínios",
diz Gil.
"Essas tecnologias novas e a convergência delas - a
democratização, o barateamento, a socialização - estão determinando uma
necessária quebra desses padrões", observa Gil. "Estão propondo
democratização, compartilhamento, diversidade, protagonismos variados,
autorias multiplicadas. Os conteúdos produzidos pelo espectador já estão nas
televisões. Mesmo as de modelo clássico estão começando a experimentar isso
nos Estados Unidos e em outros lugares. Algumas já estão surgindo baseadas
nesse modelo, como é o caso da 'Current', do Al Gore, que tem 75% da
programação produzida pelo espectador", exemplifica.
"Aí surgem novas questões sobre autoralidade,
titularidades, quem é dono da imagem, quem não é, quem licencia, como é que
se vai legislar, como é que vai regular tudo isso, preservar, garantir
direitos adquiridos, como é que se vai dar espaço para novas formas de
direitos. São desafios novos para o sistema todo", aponta o cantor, que em
relação à própria imagem diz que ela pode ser usada indiscriminadamente
"para uso cultural, para uso comercial é outra coisa".
Quanto ao repertório do show, ele diz que se
preocupou "medianamente, minimamente" em montar um roteiro com canções de
afinidades temáticas, como fez com os shows que precederam "Banda Larga
Cordel".
"Além do tema das tecnologias, da banda larga e tudo
mais há também ainda um certo rescaldo de meus trabalhos conceituais, da
época moderna, não sou pós-moderno. Acabei entrando na pós-modernidade meio
empurrado, mas sou egresso da modernidade, do tempo em que essas coisas -
discos como 'Sgt. Pepper's' (Beatles), 'Construção' (Chico Buarque),
'Krig-ha, Bandolo!' (Raul Seixas) - tinham sentido", diz. "Hoje em dia, não
sei, essas coisas podem ser recuperadas para os shows , em contextos
específicos, mas não são elementos da prática comum do mercado."
Agora que deixou o ministério, o cantor diz que
acompanha a gestão de seu sucessor, Juca Ferreira, "muito à distância":
"Primeiro porque não quero parecer muito próximo do ministério, a indicar
que tenho dificuldades de estar longe. Segundo, é preciso que o Juca se
sinta absolutamente livre para imprimir seu próprio modo. Depois, acho que
preciso me afastar para que me acostume com as outras coisas: com a casa,
com o lazer, com a preguiça, com não fazer nada, com o esquecimento das
coisas."
Nas eleições deste ano, para prefeitos e vereadores,
ele não votou em ninguém porque estava viajando. Também não quis fazer
campanha para nenhum político, nem no Rio nem na Bahia, ao contrário de
Caetano Veloso, que apoiou Fernando Gabeira (do mesmo Partido Verde de Gil)
para a prefeitura do Rio.
"Achei ótimo o desempenho de Gabeira. Ele conseguiu
estabelecer uma percepção mais forte do que ele significa, o que significa a
cultura política dele, a nova deslocadura (sic) de uma série de elementos da
tradição do passado. Achei muito bacana como especialmente a classe média
carioca, um pouco mais munida de elementos para a compreensão do jogo
político, do léxico político, compreendeu Gabeira. Foi por pouco que não
ganhou, foi por um nariz, como ele falou."
(©
Gazeta do Povo)