Parceria de Bethânia e Omara rende novos frutos: um DVD e o livro
Bahia – Cuba, reunidos num estojo, em edição limitada
O encontro
da cubana Omara Portuondo com Maria Bethânia rendeu CD, turnê e agora um DVD
e um livro
José Teles teles@jc.com.br
A ligação
musical entre Brasil e Cuba tem sido engrenada várias vezes, mas nenhuma foi
tão frutífera quanto o encontro entre a baiana Maria Bethânia e a cubana
Omara Portuondo, que se tornou conhecida internacionalmente pela sua
participação no badalado documentário, Buena Vista Social Club (de Wim
Wenders). As duas se admiravam mutuamente, mas somente se conheceram
pessoalmente em 2006, quando Omara Portuondo veio fazer suas primeiras
apresentações no Brasil. Meses mais tarde, já no ano seguinte, elas
adentraram o estúdio da Biscoito Fino, no Rio, para gravação do que seria o
elogiado CD Omara Portuondo e Maria Bethânia, lançado em dois formatos:
apenas CD e CD mais DVD, documentário da gravação do disco.
O álbum
resultou na inevitável turnê, que percorreu as principais cidades do país e
passou por Buenos Aires e Santiago do Chile. O encontro rende agora um DVD,
Omara Portuondo e Maria Bethânia ao vivo (Biscoito Fino), e o livro Omara &
Bethânia Cuba & Bahia (Nova Fronteira). O DVD é o registro dos dois shows de
dona Omara e Bethânia no Palácio das Artes, de Belo Horizonte (MG), nos dias
4 e 5 de abril deste ano, dirigido pelo produtor Mário de Aratanha. Com
exceção do exuberante cenário assinado por Gringo Cardia, e iluminação de
Maneco Quinderé, as duas optaram pela simplicidade explícita no título de CD
e DVD (e mesmo no livro). O DVD traz apenas o show na íntegra, com pouca
coisa no extra. As duas limitam-se a fazer o que sabem melhor: cantar. O
repertório de onze faixas do CD desdobra-se em 28 músicas no DVD.
A intenção
inicial na época em que combinaram fazer o disco era revisitar o repertório
da música brasileira e cubana dos anos 50. No estúdio entraram canções
daquela década com outras da preferência de dona Omara e Bethânia
independente de quando foram compostas. Assim é que o que está no álbum
Palavras (Gonzaguinha), Palabras (Marta Valdés), Marambaia (Ruben Campos e
Henricão), numa versão em que entra da salsa ao rap, elas acrescentaram
agradáveis surpresas quando caíram na estrada. Entraram Gente humilde
(Garoto/Vinicius/Chico Buarque), Havana (Paulo César Pinheiro/Joyce), Cio da
terra (Chico Buarque/Milton Nascimento), O que será que será (Chico
Buarque).
O roteiro do
show segue um conceito, com composições que de alguma maneira retratam a
terra ou o povo, de ambos os países. Bethânia canta o malandro que se vira
como Deus quer e o diabo gosta, em Partido alto (Chico Buarque), ou o
sincretismo religioso baiano, na inédita Doce (Roque Ferreira), Dona Omara
engata uma série de sucessos da ilha caribenha, Dos gardênias (Isolino
Carillo) ou o hino Guantanamera (Joselito Fernandez/Julian Orban. É um show
impecável, onde Omara Portuondo mostra um vigor invejável para seus 78 anos,
assim como Bethânia, aos 62, canta cada vez melhor. Junte-se às duas vozes
privilegiadas um time de músicos comandado por Jaime Alem e Swami Jr. (
Preço médio do DVD: R$ 44,90)
Música,
povo, religião, há muitas semelhanças entre Cuba e o Brasil, é o que o
livro pretende ratificar, mas termina sendo muito mais um complemento do
encontro de dona Omara e Bethânia. Trata-se de uma coletânea (em
espanhol e português) de ensaios e artigos, assinados pelo crítico
cubano Frank Padrón, Arnaldo Antunes, Lya Luft, Mônica Waldvogel, Nélida
Piñon pelas duas cantoras. Textos ilustrados por fotos que, estas sim,
comprovam as similitudes entre os dois países. As fotos do Brasil foram
tiradas em Santo Amaro da Purificação, cidade de nascimento de Bethânia,
no recôncavo baiano, enquanto as de Cuba são da fotógrafa Tatiana
Altberg. Como elas são distribuídas ao longo do livro sem legendas é
difícil saber onde é Cuba e onde é Brasil.
Paisagem,
arquitetura, povo, é tudo muito parecido. É o melhor do livro. Os textos
são panegíricos, louvores de certa forma redundantes para quem tem o
talento devidamente reconhecido, como é o caso de Omara e Bethânia. Um
exemplo: “Há que ouvir esta brasileira universal. Cantora maior da cena
humana, cuja arte, incorruptível, explica um país e um povo. Porque
quando Maria Bethânia entoa seu canto, ela representa o Brasil (Nélida
Piñon).
O mais
interessante acaba sendo o da própria Omara Portuondo, que narra um
pouco de sua trajetória, da Bueno Vista Social Club a seu encontro com
Maria Bethânia. Outro texto que foge ao mero espargir de elogios é o
intitulado “Com tempo ruim todo mundo também dá bom-dia”, da jornalista
Mônica Waldvogel, que faz um sucinto passeio pela música popular
brasileira, dos anos 60 aos tempos atuais. Ainda assim, Omara & Bethânia
Cuba & Bahia deve agradar mais ao fiel séquito de admiradores de Omara
Portuondo e Maria Bethânia, mais desta última naturalmente.
O
que esperar do encontro histórico entre Omara Portuondo e Maria
Bethânia, além do derramamento de elogios que preenche grande parte
das páginas do livro Bahia – Cuba (Nova Fronteira)?
Trata-se de mais um desdobramento da bem-sucedida parceria entre
o ícone da música cubana, mundialmente consagrada pelo filme Buena
Vista Social Club (Wim Wenders), e a intérprete maior da música
popular brasileira, iniciada com o disco que leva os nomes de ambas.
Um time de admiradores foi convocado a escrever artigos em que
exaltam as qualidades das cantoras e estabelecem as relações de
semelhança e diferença culturais entre lá e cá.
DVD
O volume bilíngüe chega às lojas em um estojo, acompanhado pelo
DVD Omara Portuondo Maria Bethânia (Biscoito Fino), gravação do show
apresentado no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, em abril. O
mesmo que seria visto pelo público curitibano, um mês mais tarde.
O “Cio da Terra” inaugura o espetáculo trazendo as duas ao palco,
dividindo os versos de Chico Buarque, que, na voz de Omara, são
cantados na versão em espanhol criada por Alfredo Fressia. A cubana
não se arrisca no português. Por vezes, consulta as letras das
músicas, para não se perder. Aos 78 anos, ainda com uma voz potente,
tem todo o direito de fazê-lo.
Depois da reunião inicial, Maria Bethânia fica sozinha no palco,
para entoar sucessos como “Negue” (Adelino Moreira e Enzo de
Almeida) e canções que nunca havia interpretado, a exemplo de “Doce”
(Roque Ferreira). Na metade do show, é a vez de Bethânia se ausentar
e Omara entrar em cena, com um repertório marcado por boleros como
“Dos Gardênias” (Isolina Carrilo) e fazendo charme para a platéia em
“Drume Negrita” (Ernesto Grenet).
Por fim, voltam as duas ao cenário luminoso e colorido de Gringo
Cárdia, com luz de Maneco Quinderé, para cantar em dueto “Havana-me”
(Paulo César Pinheiro e Joyce) e encerrar com canções homônimas,
eleitas por Bethânia (que se envereda no espanhol): “Palabras”
(Marta Valdés) e “Palavras” (Gonzaguinha).
“Esse disco parece celebrar essa comunhão de influências mútuas,
não só entre os dois países, mas também, pela escolha do repertório,
entre o rural e o urbano, o litoral e o interior, o moderno e o
arcaico”, diz Arnaldo Antunes em contribuição ao livro Bahia – Cuba.
Entre os artigos, merece uma leitura mais atenta – por não se
resumir a louvações – o de Frank Padrón, que traça um panorama solto
da história das relações musicais entre Cuba e Brasil, destacando o
preconceito cubano contra a MPB (semelhante ao preconceito
brasileiro contra a música latina?) e a importância das telenovelas
importadas para romper essa barreira, emplacando cantores como Ivan
Lins e a própria Bethânia.
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“A voz de Maria Bethânia me impressiona tanto que fiquei muito
nervosa, muito preocupada, antes de gravarmos. Tenho uma admiração e
um respeito tão grandes por ela que pela música brasileira que no
início estava um pouco inibida, pois ela cantava coisas belíssimas.
(...) A verdade é que este trabalho foi tão lindo que vai ocupar um
trabalho muito especial na minha carreira artística.”
Omara Portuondo - Cantora
•••
“...sempre me incomodou o preconceito que regia (...) a
difusão, entre nós, da música popular brasileira, privilegiando
certas zonas bem reles e banais dentro do 'latino' e mesmo do
anglo-saxão. A resposta dos responsáveis por esse penoso bloqueio
(como se vê, não padecemos apenas do bloqueio ianque) sempre foi
que, em Cuba, não gostamos da MPB (...). A melhor maneira de romper
com esse mito, com esse poderoso lugar-comum, é lembrar a recepção
que teve desde sempre entre nós a ótima canção brasileira que nos
chega através da telenovela.”
Conheça o repertório do DVD, gravado ao vivo
no Palácio das Artes (Belo Horizonte), em 3 e 4 de abril.
DVD
“Cio da Terra”; “Cálix Bento”; “Gente
Humilde”; “Partido Alto”; “Arrependimento”; “Negue”; “O Ciúme”;
“Doce/ A Bahia Te Espera”; “Escandalosa”; “Cubanacan”; “Tal
Vez”, “Veinte Años”; “Mil Congojas”; “Nana para un Suspiro”;
“Dos Gardenias”; “Lacho/ Drume Negrita”; “La Sitiera/
Guantanamera”; Instrumentais: “Canto do Pajé/ Três Golpes”;
“Você”; “Só Vendo Que Beleza (Marambaia)”; “Caipira de Fato/ El
Amor de Mi Bohío”; “Havana-me”; “Para Cantarle a mi Amor”;
“Começaria Tudo Outra Vez”; “O Que Será (À Flor da Terra)”;
“Palabras/ Palavras”.
Livro
A coletânea traz artigos de Arnaldo Antunes,
Frank Padrón, Lya Luft, Mônica Waldvogel e Nélida Piñon, e
depoimentos das cantoras, que tratam das relações entre os dois
países. O livro e o DVD são comercializados juntamente em um
estojo, com edição limitada. Também é possível adquirir o DVD
avulso.
O compositor Arnaldo Antunes, o crítico de arte cubano Frank Padrón,
as escritoras Lya Luft e Nélida Piñon e a jornalista Mônica Waldvogel
assinam os textos, entremeados por fotografias. Jô Name, com sua lente
voltada a Santo Amaro, na Bahia, e Tatiana Altberg, a registrar o país
de Fidel Castro, compõem juntos uma breve iconografia internacional,
reveladora de aproximações na fisionomia dos habitantes, arquiteturas e
cotidianos.