02/11/2008
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"No sentido mais geral, conto bom é aquele que diz logo o que quer e
vai embora. Aquele que não enche o juízo, não subestima o leitor"
Marcelino Freire, escritor |
Escritor reafirma o compromisso de sua arte com os excluídos. "Gente
bem-sucedida não me interessa", avisa ele
Um dos escritores mais originais que surgiram no Brasil nos últimos anos, o
pernambucano Marcelino Freire lança seu novo livro de contos, Rasif, mar que
arrebenta (Editora Record), que segue a mesma linha de Contos negreiros, com
o qual o autor venceu o Prêmio Jabuti em 2006. “Trabalho em regiões
fronteiriças. Minha maior luta é deixar o conto mais orgânico, mais conciso,
nada palavroso”, diz o escritor a Carlos Herculano Lopes. Há alguma relação entre seu
último livro, Contos negreiros, e Rasif, mar que arrebenta?
É a mesma obsessão, o mesmo mergulho numa linguagem rimada, cordelizada.
Nos meus personagens à deriva. Gritos que agora, no Rasif..., vêm se somar
aos urros “negreiros”. Nos meus primeiros livros, a voz é personagem. Então,
outras vozes vieram participar de uma mesma ladainha, de um mesmo desespero,
de uma mesma vingança, creio. No entanto, Rasif... vem com a participação do
artista plástico paulistano Manu Maltez. Ele veio encher a edição de urubus,
anjos sujos. Dono que é de umas gravuras nervosas e viscerais, Manu, de
alguma forma, é co-autor dessa obra.
Vê-se, em Rasif..., uma paixão pelos despossuídos, pelos excluídos.
Como você vai moldando seus personagens?
Com paixão, com compaixão. É com um ouvido aberto para o outro. Para os
párias, sim. Gente bem-sucedida não me interessa. Escrevo porque escuto,
porque quero me vingar de alguma coisa. Meus contos são escritos a partir
das ruas, da memória musical que trouxe de Pernambuco. Este novo livro é, de
alguma forma, um livro estrangeiro. Sou um estrangeiro em São Paulo, no
Recife, em Sertânia. Criei um lugar chamado Rasif para habitar ali os meus
novos e velhos personagens. Rasif é a origem árabe do nome Recife. Mar que
arrebenta é o significado, em tupi-guarani, de Pernambuco. É nessa geografia
que as minhas histórias arrebentam.
Qual é o maior desafio do conto? Da moçada nova, quem você tem lido
com gosto?
No meu caso, o grande desafio é não deixar que o meu conto-canto caia no
discurso, no paternalismo. Trabalho em regiões muito fronteiriças. Minha
luta é deixar o conto mais orgânico, mais conciso, nada palavroso. No
sentido mais geral, conto bom é aquele que diz logo o que quer e vai embora.
Aquele que não enche o juízo, não subestima o leitor. Uma porrada certeira,
enfim. Da moçada nova, vou citar um autor campineiro que muito me
impressionou recentemente. Ele se chama Maurício de Almeida. Acabou de
vencer o Prêmio Sesc de Literatura com Beijando dentes. O cabra já nasceu
pronto.
Você já aderiu ao blog (www.eraodito.blogspot.com). Como é exercitar
essa linguagem paralelamente à do ficcionista?
Adoro mexer nessa coisa de blog. Gosto de ler blogues na rede, de
acompanhar as linguagens que cada um vai inventando na tela. O meu acabou
virando uma agenda literária. Nele, exercito o meu estilo para falar de
lançamentos, livros e autores. É bastante lido, comentado (foi apontado, em
recente pesquisa feita pela revista Bula, como um dos 20 mais influentes da
rede). Essa ferramenta de divulgação é superimportante. Sem contar que, por
meio dele, já respondi a revistas como a Veja, que vive atacando sistemática
e desonestamente a música, a literatura e o cinema contemporâneos. E
consegui incomodar a danada, acredita?
(©
UAI)
Rasif: Mar que Arrebenta
Marcelino Freire lança novos textos em que
brinca com as palavras com maestria
Marina Monzillo
VENCEDOR DO PRÊMIO JABUTI em
2006, o pernambucano Marcelino Freire lança novo livro de contos, Rasif:
Mar que Arrebenta (Record, 136 págs., R$ 26) que remete, no título, às
origens do autor. Como é logo explicado, Pernambuco vem do tupi-guarani e
significa "onde o mar arrebenta". Já a rasif, que soa tão similar a Recife,
é uma palavra árabe cuja tradução é "terreno pavimentado com lajes, estrada
pavimentada com rochedos".
E se o Nordeste brasileiro serve de cenário e inspiração para alguns
textos - principalmente aqueles em que o personagem é criança -, o mundo
árabe, um homembomba, a violência urbana e a destruição da natureza também
estão presentes nas histórias de Marcelino.
O autor tem um estilo marcante e agradável de brincar com as palavras, de
escrever prosa como se fizesse poesia. E desse exercício, do qual virou
mestre, saem pérolas, com teor de crítica social e até humor, como no conto
"Da Paz": "A paz é muito organizada. Muito certinha, tadinha. A paz tem hora
marcada. Vem governador participar. E prefeito. E senador. E até jogador..."
ou em "Para Iemanjá": "Oferenda não são os crioulos da Guiné. Os negros de
Cuba. Na luta. Cruzando a nado. Caçados e fisgados. Náufragos. Minha
Rainha."
Como diz o escritor Santiago Nazarian na apresentação da obra: "Marcelino
é um ator que permanece. E precisa ser lido agora".
(©
Isto É)
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