Notícias
À venda, obras da ''tenda dos milagres'' de Jorge Amado

07/11/2008

 

 

Foto: Adenor Gondim

 
Herdeiros querem levantar fundos e fazer da casa do autor na Bahia um memorial; pregão, no Rio, será entre os dias 18 e 21

Roberta Pennafort, RIO

Muito amigo de Jorge Amado, Lasar Segall um dia o chamou para um almoço, mostrou-lhe vários quadros e pediu que ele escolhesse o que mais lhe agradava para levar de presente. O escritor optou por um, mas o pintor sugeriu outro, o qual ficou de entregar pessoalmente. Demorou até que o fizesse - o baiano nunca teve coragem de cobrá-lo. O artista então fez questão de escolher o lugar na parede de Jorge onde a imagem da mulher deitada na rede ficaria; dali por diante, brincaria que ia visitar a tela, e não seu dono.

Essa e outras histórias estão no catálogo do leilão de obras de arte da coleção particular do autor, que será realizado no Rio nos dias 18, 19, 20 e 21. São cerca de 600, de um total de 1.400 que ele tinha espalhadas pelas duas residências de Salvador, o apartamento de Paris e o de Copacabana. A maior parte foi dada pelos pintores - como o painel de Djanira, de 2,5 por 2,4 metros, o item mais valioso do leilão: o lance inicial é R$ 800 mil. A aquarela presenteada por Segall está avaliada em R$ 44 mil.

Djanira, como Segall, Carybé e Carlos Scliar, outros nomes da coleção, era bem próxima a Jorge. Ao longo de sua vida, foram poucos os quadros que Jorge comprou. Entre eles, um São Francisco de Volpi, também à venda. O leilão tem ainda quadros de Anita Malfatti, Pancetti, Antonio Bandeiras, Diego Rivera e Flavio de Carvalho - um retrato do escritor, estimado em R$ 740 mil. De Picasso, com quem ele conviveu na Europa, entraram uma gravura e uma peça em cerâmica, cada uma a R$ 15 mil. Os itens mais baratos são guaches do amazonense Percy Deane, a R$ 300.

A escolha foi feita pelos filhos de Jorge, Paloma e João Jorge, que resolveram vender parte dos quadros do pai para levantar recursos e fazer da casa do Rio Vermelho - onde Jorge e Zélia viveram por 46 anos e em cujo jardim foram enterradas suas cinzas - um memorial. E também por considerar que elas poderiam virar alvo de assaltantes.

Além de ajudar também a Fundação Casa de Jorge Amado, que guarda o acervo do escritor, os dois pretendem ainda colaborar com o Projeto Axé, que ajuda crianças de rua de Salvador - será doado o valor arrecadado com a venda de um Di Cavalcanti, de lance mínimo de R$ 450 mil (o quadro foi um presente, a propósito, que o pintor deu a Jorge em troca de um filhote de cachorro, conforme Paloma conta no catálogo).

A opção pelo leilão foi feita há quatro meses. Não foi fácil. "Dá uma imensa tristeza ver peça por peça sendo tirada. Era como se a casa da minha infância estivesse se acabando, uma catarse. Ao mesmo tempo, pensava: como é que isso tudo ficou aqui esse tempo todo, correndo risco?", diz Paloma, referindo-se ao apartamento da Rua Rodolfo Dantas, em Copacabana.

A catalogação de tudo havia sido realizada por Mariana, sua filha mais velha, ainda com o avô vivo. "Meu pai dizia: ?Quando eu me for, vocês que se virem!? Ele não deixou testamento; a única coisa de que fazia questão era que as cinzas ficassem no jardim da casa do Rio Vermelho, ao pé da mangueira", revela Paloma.

O leilão será realizado pelo escritório de Soraia Cals, que promove exposição da coleção entre os dias 12 e 17. Ela acredita que os 584 lotes atrairão muitos colecionadores. "A procedência agrega muito valor à obra de arte. As pessoas gostam de comprar peças com história. É um processo meio antropofágico do colecionador", justifica. Soraia lembra que existe uma unidade na coleção, dada pela temática alusiva à Bahia - como os estudos para a capa do livro Capitães de Areia, assinados por Pancetti. "Tudo que davam a ele fazia a referência à Bahia, para agradá-lo."

As obras de arte popular da casa do Rio Vermelho ficarão por lá, aos olhos dos freqüentadores que deverá receber quando for aberta como memorial. A intenção dos filhos de Jorge é reformar a residência (a obra está orçada em R$ 3,5 milhões) e deixá-la tal qual era quando eles estavam vivos. "Pára muita gente na porta pedindo para entrar", conta Paloma.

(© Estadão)

Com relação a este tema, saiba mais (arquivo NordesteWeb)


powered by FreeFind