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O amor segundo Guel Arraes

13/11/2008

 

 

Foto: Divulgação

 
Diretor lança seu novo filme, Romance, que se inspira em música de Caetano Veloso e filme de François Truffaut

Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

“Uma das coisas boas de lançar um filme é poder já estar pensando no próximo”, disse ontem, durante um almoço, no Pina, o cineasta pernambucano Guel Arraes. No Recife para apresentar seu último filme, Romance, Arraes confidenciou que o sistema de já ter um novo projeto encaminhado funciona bem para sustentar o tranco de colocar um filme novo no mundo, com as tensões inerentes ao processo (receptividade do público, da crítica).

Seu próximo projeto será uma atualização de O Bem Amado, de Dias Gomes, com Marco Nanini no papel principal que foi, de certa forma, imortalizado na cultura brasileira por Paulo Gracindo na Globo dos anos 70. “A pré-produção já está a pleno vapor, estamos procurando locações e devemos filmar no final de janeiro”.

Guel mostrou-se pouco entusiasmado com a possibilidade de fazer cinema popular sem povo, e com as carreiras possíveis que filmes são capazes de ter atualmente no Brasil. Ele acredita que o novo projeto faça o duplo salas de cinema/depois minissérie na Globo, estrutura invertida se lembrarmos que Auto da Compadecida (2000), seu primeiro longa metragem, passou primeiro na TV.

Com uma obra marcada pelo tom híbrido da sua linguagem – “dirigi três peças, mas, na verdade, eram mais TV do que teatro como texto” – Guel Arraes chega a Romance com um filme onde o número de cortes é menor do que os seus anteriores, e com a suspeita de que talvez seja um filme “mais fechado” do que Auto ou Lisbela e o prisioneiro (2003) que, juntos, venderam mais de quatro milhões de ingressos. O filme será lançado nacionalmente amanhã, com cerca de 90 cópias, número médio grande.

“Essa questão da linguagem sempre me chama a atenção. Saí do Recife em 1969 e em Paris eu tinha um gosto muito alternativo para cinema, inclusive evitando ver filme americano, me apaixonando por Jules e Jim e freqüentando a Cinemateca Francesa de Henri Langlois. Quando voltei para o Brasil, fui trabalhar direto na Globo, e de repente me vi questionando aqueles preconceitos anteriores meus.”

Guel Arraes também parece fazer uma auto-reflexão sobre um dos seus personagens em Romance, o do chefão televisivo de José Wilker. “Vejo nele muita coisa de Daniel Filho e do Boni, mas também de mim mesmo como produtor.”

SEMPRE O AMOR

Ele vê o amor como o motor do seu filme novo, baseado em dois pontos: “a música de Caetano Veloso e Jules e Jim, de Truffaut. São obras que discutem o amor contemporâneo que marcaram minha vida. Outra coisa é trabalhar com grupos de teatro que sempre me pareceu muito doce e nostálgico, que talvez remeta aos anos 70, meus anos de formação”.

Sobre Tristão e Isolda, Arraes definiu seu interesse pela obra como “técnica”. “Para fazer uma história de amor sobre o amor, pensamos originalmente em Dom Quixote e Dulcinéia. O amor como ser intransferível, inexprimível, é um bom tema para ficcionalizar.”

Dentro da idéia de criar uma ficção com tons sempre alegóricos, perguntamos a Arraes o porquê de seu trabalho tentar evitar a realidade imediata, algo que Romance já revela um pouco mais. “Interessante você levantar isso, pois minha formação é de documentarista, mas na ficção me preocupo muito com o controle sobre as coisas. A estação de metrô que está em construção no filme não está ali por acaso, mas por fazer parte da história. Talvez seja algo que vem do teatro!”

(© JC Online)


Da comédia romântica ao sentimento agridoce

Guel Arraes (foto) chega ao seu quinto longa – Romance (2008) – com uma leve mudança de registro, ainda apaixonado pelos mecanismos da dramatização, mas com toques de realidade invadindo não apenas os cantos da tela, mas também a história em si. O filme, com Wagner Moura e Letícia Sabatella como um casal marcado por raro tom agridoce humano na cinematografia brasileira atual de “comédias românticas” robóticas, parece falar sobre tema visitado com freqüência nas artes: a relação dos artistas com a expressão e a própria vida.

O universo de Arraes no cinema é marcado por tablados imaginados a partir de uma mescla de cultura popular brasileira com uma certa rapidez de corte que faz a crítica tradicionalmente gritar “TELEVISÃO!!”. O argumento é auxiliado pelo fato de dois dos seus filmes (O auto da Compadecida e Caramuru – A invenção do Brasil) terem surgido de projetos híbridos feitos para a Globo (onde ocupa cargo vistoso de confiança artística).

Sua obra, em visão retrospectiva, sustenta-se bem, com particular destaque para a doce farsa de zona da mata estilizada que é Lisbela e o Prisioneiro, adaptado com muita energia e doçura da obra de Osman Lins. De fato, Arraes é um dos mais curiosos autores do audiovisual brasileiro, e isso inclui o cinema.

Wagner Moura (ator de qualidade superior constante) é um diretor de teatro que acredita apaixonadamente no que faz, e isso inclui no mesmo pacote de tesão a sua parceira de palco e adaptação (Tristão e Isolda) Ana (Sabatella). Totalmente feliz com seu pequeno espaço e ribalta, ele terá de lidar com a natural sedução da grande indústria, que vê em Ana um rosto perfeito para ilustrar as tensões simplistas de uma novela, pílula difícil que ele terá de engolir.

É muito interessante observar Arraes em ação nesse filme. Sua trama é claramente localizada na realidade. O teatro tem uma obra de metrô na porta, o escritório da grande emissora de TV (não é a Globo, nominalmente ou em marca, pelo menos) tem vista para a Baía de Guanabara e parece crível. Boa parte dos obstáculos enfrentados por Paulo e Ana são identificáveis no amor em tempos modernos, como conciliar carreira com vida pessoal.

De qualquer forma, Arraes mostra-se bem mais interessado pela sua clara paixão que existe nos mecanismos da narração, do contar uma história, e suas propostas visuais para Tristão e Isolda como iluminuras, ou imagens talvez referenciais ao cordel sugerem isso tanto quanto sua reflexão constante sobre “fins” (como acabar uma história?), e que aqui ganha toque metalingüístico que dará ao público um pouco de insight sobre os mecanismos da linguagem em cinema.

Romance termina sendo um exercício divertido de um autor particular. Vindo de um cineasta que mistura tanto suas linguagens, parece sugerir que a atuação existe dentro e fora do palco, e que na televisão temos a arte do fingimento.

(© JC Online)


Obra de Guel Arraes é analisada em livro

Marcelo Pereira
marcelop@jc.com.br

A discussão sobre a qualidade dos programas de TV é recente entre os estudos universitários. Os primeiros trabalhos acadêmicos se preocupavam mais com o caráter ideológico, as relações de dominação e alienação e processos comunicativos (emissor, mensagem e receptor) do que com o conteúdo artístico dos programas produzidos. Com lançamento hoje, às 18h30, no foyer do JCPM Trade Center, o livro Guel Arraes – Um inventor no audiovisual brasileiro, escrito pelos professores Alexandre Figueirôa, Aline Grego, Ana Paula Campos e Cláudio Bezerra, da Universidade Católica de Pernambuco, e Maria Eduarda Rocha e Yvana Fechine, da Universidade Federal de Pernambuco, vem preencher uma lacuna na reflexão sobre o processo televisivo ao abordar um dos núcleos mais criativos da principal emissora de televisão brasileira. À sua frente, Guel é responsável por programas consagrados pelo público e também pela crítica – um rol extenso que começa com sua participação na direção da novela Jogo da vida. Outros momentos marcantes são os programas Armação ilimitada, TV Pirata e Programa legal, os episódios Lisbela e o prisioneiro e Comédia da vida privada, de Brasil legal, as minisséries O auto da Compadecida, A invenção do Brasil, além de Central da periferia, para citar apenas os mais importantes investigados pelos autores.

A obra tem entre seus vários méritos o de ser uma obra acadêmica sem ranço de academicismo. As citações estão diluídas no texto dos autores, que flui sem obstáculos para o leitor, e em notas de pé de página que esclarecem passagens ou citações.

O discurso adotado pelos autores é de uma construção crítica e analítica da obra desenvolvida pelo Núcleo Guel Arraes, apontando os caminhos trilhados pelo diretor pernambucano, que é também coordenador de um dos mais criativos – e com certeza dos mais experimentais – centros de produção da Globo, tendo sob sua responsabilidade os programas Casseta & Planeta Urgente!, Os normais, Brasil legal, A grande família, Cidade dos homens, entre outros.

Para uma melhor compreensão da importância deste núcleo, os autores analisam, primeiramente, como se deu o processo de consolidação da Globo como a mais importante rede de televisão do País, relembrando sua fidelidade ao regime militar, o acordo considerado ilegal com o grupo Time-Life, a inferferência na eleição de Brizola ao Governo do Rio, o boicote à campanha das Diretas-Já, entre outros episódios que macularam a imagem da emissora, causando desgaste de uma imagem construída dentro do “padrão Globo de qualidade”.

O fortalecimento do papel de Guel dentro da Globo se dá justamente no momento em que a emissora busca reconstruir essa imagem, sendo o seu núcleo “uma boa síntese do que se propôs de original, criativo e comercialmente viável nos últimos 20 anos”. O Núcleo Guel Arraes se constitui “uma experiência duradoura o bastante para servir de referência, e bem-sucedida o suficiente para mostrar que se pode atender às exigências do público e publicidade sem abrir mão do experimentalismo capaz de promover a renovação necessária à TV”.

O “conjunto da obra” de Guel Arraes é analisado tanto do ponto de vista da construção semiótica da edição de seus programas e desenvolvimento do roteiro da adaptação de Lisbela e o prisioneiro (no teatro, televisão e cinema), com suas idas e vindas, como também do processo de formação do núcleo, apontado como “uma experiência singular porque une em torno de si, de foma articulada, um grupo criativo, de diretores, atores, roteiristas e redatores, oriundos de meios artísticos e intelectuais independentes”.

Os aspectos relacionados à montagem dos programas e filmes merecem uma atenção especial de Yvana Fechine e Aline Greco. Cláudio Bezerra tece as relações entre o Programa Legal e o cinema verdade do etnólogo e documentarista francês Joan Roach com quem Guel Arraes havia trabalhando de 1973 a 1979 no Comitê do Filme Etnográfico da Universidade de Paris VII. Pode-se dizer que, ao ir para uma emissora comercial como a Globo, Guel teve que negociar com a sua biografia e seu passado de militante de esquerda.

» Guel Arraes – Um inventor no audiovisual brasileiro. Editora Cepe, 357 páginas. Lançamento hoje, às 18h30, foyer do JCPM Trade Center – Av. Antônio de Góes, 60, Pina.

(© JC Online)

VÍDEO:

Veja o trailer do novo filme de Guel Arraes, Romance

Com relação a este tema, saiba mais (arquivo NordesteWeb)


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