14/11/2008
Fotos: Paulo Giandalia/AE
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Músico faz três shows de seu oitavo CD na capital paulista, antes de sair em
turnê internacional em março de 2009
Com ingressos esgotados, apresentações no Sesc Pinheiros terão faixas como
"Samba e Leveza", parceria com Chico Science
AUDREY FURLANETO
DA REPORTAGEM LOCAL
"Sabe o War? Pra mim só falta a Oceania", dispara Lenine, rindo ao telefone em
Paris. É assim que ele costuma pensar a carreira internacional, como o mapa do
clássico jogo de tabuleiro de conquistas territoriais -que, agora, terá novas
"invasões": seu último disco, "Labiata", será lançado em 20 países, com turnê
internacional a partir de março de 2009.
Ainda passeando pelo mapa do War, Lenine deixa Paris e chega a São Paulo hoje,
horas antes do primeiro de três shows no Sesc Pinheiros -hoje, amanhã e domingo,
todos os dias com ingressos esgotados.
"O pretexto é ir aonde não se foi ainda. É viabilizar as viagens", continua,
rindo. Muito antes de "Labiata" e dos outros sete discos da carreira, a música
foi pretexto para sua primeira viagem: trocar o Recife pelo Rio de Janeiro em
1979.
"Tinha duas opções: Rio ou São Paulo. Porque gosto de mar, escolhi o Rio." E lá
conseguiu alugar uma casa, que era antes de Jards Macalé e Sônia Braga, no
bairro do Botafogo. Montou sua república com Lula Queiroga, JR Tostoi, Dudu
Falcão, entre outros músicos que, ainda hoje, são parceiros de trabalho. "Eu
realmente sofro de alta fidelidade", conclui.
Entre amigos
De fato, quase todos os amigos da república estão em "Labiata", além dos três
filhos, que cantam "Continuação", última canção do CD (que também encerra o
show). João, 29, Bruno, 20, e Bernardo, 14, também emprestaram carrinhos e
outros brinquedos ao pai que, em estúdio, criou a trilha para "Breu", espetáculo
do grupo Corpo, em 2007.
Ainda na lista de amigos-parceiros de "Labiata", o músico tem Chico Science
(1966-1997) -uma anotação do ex-líder da Nação Zumbi, entregue a Lenine pela
irmã dele, Goretti, virou "Samba e Leveza". Não que o músico fosse íntimo de
Science, pelo contrário: os dois dividiram palco e se cruzaram só algumas vezes.
"O disco todo é de muita intimidade. E, num primeiro momento, relutei [em
incluir a música de Science]."
Após conhecer Goretti e saber que Science havia escrito a canção num "momento
apaixonado, de volta de lua-de-mel, cantarolando pela casa", Lenine acabou por
deixá-la no CD, ao lado das outras dez faixas. Todas estão no set list do show,
que inclui hits da carreira, como "Acredite ou Não", "O Dia em que Faremos
Contato" e mais um bis escolhido pelos fãs no site do músico.
O mesmo show, aliás, viaja em turnê pelo mundo a partir de março de 2009. A
expectativa do roteiro é pelo território não conquistado no mapa do War: Nova
Zelândia, Austrália e outros países da Oceania estão prestes a fechar shows de
Lenine. "Aí acabou o mapa! Vou partir pra Marte, Júpiter, Saturno..."
LENINE
Quando: hoje e amanhã, às 21h; dom., às 18h
Onde: Sesc Pinheiros (r. Paes Leme, 195; tel. 0/xx/11/3095-9400)
Quanto: de R$ 15 a R$ 30 (ingressos esgotados)
Classificação: não indicado a menores de 10 anos
(©
Folha de S. Paulo)
"Trabalho com lábia e labuta"
por diretodafonte
Lenine fala do disco recém-saído do forno, Labiata, e da paixão
por orquídeas
Ele é considerado um dos grandes nomes da música popular brasileira
contemporânea e o compositor “xodó” de intérpretes consagrados. As três décadas
de vida no Rio de Janeiro não foram suficientes para mudar o forte sotaque
pernambucano. Como ele próprio define: “Saí de uma cidade grande, o Recife, para
uma cidade do interior, a Urca, encravada no Rio de Janeiro.” E ele leva às
últimas conseqüências essa vida de interior, junto da mulher e dos três filhos,
aos quais ele dá o título de “meus desconfiômetros”. “Tenho conta no açougue,
conheço todo mundo.”
Além da música, Lenine cultiva outra grande paixão: as orquídeas. Não por acaso,
seu novo disco leva o nome de uma espécie, Labiata: “É porque meu trabalho tem
muita lábia e labuta”, brinca. Foi com humor e trocadilhos, típicos de quem
mantém uma relação íntima com as palavras, que concedeu entrevista despojada à
coluna, durante uma breve passagem por São Paulo. Completamente a favor de
qualquer forma de acesso à música, inclusive pela internet, esse “duplamente
aquariano” e “orquidoido” acredita que há que se pensar novas modalidade de se
fazer negócio com as artes. Com os primeiros shows de Labiata – que faz parte do
Natura Musical – esgotados, o compositor volta à cidade, no próximo fim de
semana, para um repeteco no Sesc Pinheiros.
Seu novo disco, Labiata, também vende em formato de vinil. Por quê?
É uma passionalidade, sou fruto desse universo. O vinil tem um ritual
completamente diferente. Existe uma intervenção física do lado A e do lado B.
Você termina tendo duas leituras diferentes de um mesmo produto. Já o I-Pod tem
algo de muito individualista. É você com você mesmo. Ora, isso não tem a ver com
música, porque música é gregária, é fazer junto. Por outro lado, o I-Pod permite
andar com uma discoteca completa, no bolso da calça. Isso é muito poderoso e
divertido.
Mas você baixa música? Sou a favor de qualquer forma de
propagação. Lógico que é um terreno que ainda está se definindo. Não podemos
perder a oportunidade, neste momento que se apresenta, de reivindicar uma
autoralidade que se perdeu. A tecnologia digital nos permite, pela primeira vez,
colocar o criador na mesa de negociação. Temos que pensar essas novas
modalidades de negócio com música que estão surgindo a partir da tecnologia.
Você diria que a música é um dos nossos produtos de exportação mais
ricos? É o maior. Não dá nem para comparar, porque é contínuo. É uma
sucessão de gerações elevando o patamar. No quesito cultura, expressão popular –
e olha que eu não tenho nada de nacionalista – , não existe nenhum país como o
nosso. No caso da música, temos uma profundidade, um refinamento lingüístico,
literário, difícil de competir. Porque temos essa malha sonora de
possibilidades, de vogais.
Você acha importante mapear o Brasil musicalmente? É
fundamental. Quando dizem que o Brasil não tem memória, eu discordo. Temos pouco
tempo de vida. Estamos fazendo a memória do nosso país. A visão que eu sempre
tenho do Brasil é a de um adolescente de 13, 14 anos, com a cara cheia de
espinhas, se olhando no espelho e dizendo: “Tô feio, mas vou melhorar.” Adoro
essa aptidão que a gente tem de viver feliz.
E como nasceu sua paixão por orquídeas? Tem uns oito anos. Foi
uma paixão fulminante, como uma represa, me inundou. Tenho em torno de 2.500
plantas, mais de 500 espécies que vou pegando por onde vou fazendo shows. Antes
de viajar, faço pesquisas e descubro as espécies do lugar. Pelo google, acho
algum “orquidoido” igual a mim e vou fazendo a catalogação. Fui documentando
momentos especiais da minha vida com plantas, é lindo.
Essas plantas precisam de muito cuidado? Não. Isso é o mais
interessante, é quase paradoxal. Apesar da delicadeza da flor, a planta é uma
das mais robustas da natureza. Já tive algumas que ficaram na minha mala por 12
dias... Três coisas me chamaram a atenção nessa história de orquídeas. A beleza
– que é avassaladora –, a diversidade – há mais de 40 mil espécies já
catalogadas pelo mundo – e a adaptabilidade – para você matar uma orquídea tem
de tratá-la muito mal. E eu pensei que tem tudo a ver com a música popular
brasileira. Porque é a busca da beleza, tem a diversidade, e olha... sangra, mas
não morre (risos).
De onde veio o nome Labiata? Labiata é o nome de uma espécie.
Cattleya, a família. Foi uma escolha passional. O que me pegou foi a sonoridade,
porque meu trabalho tem muito de lábia e labuta. Até porque só 0,001% da
população vai entender que esse é o nome de uma planta que é encontrada apenas
no Brasil. O mais bacana é que a Labiata rivaliza com outra planta que se chama
Laelia purpurata. E seriam as duas flores símbolos do País. Uma só dá no Sul. A
outra é nordestina. As duas são muito desejadas para a hibridagem pelo mundo. O
disco foi todo muito permeado pela intimidade, o que foi reforçado pela
proximidade que tenho com as flores.
Você é um ouvinte eclético, escuta de tudo? Sim. Mas não
costumo usar música como pano de fundo da minha vida. O único momento em que eu
faço isso é no carro. Eu perdi o hábito de ouvir música em casa porque, para
isso, tenho que parar tudo, vetar todos os outros sentidos e transformar meus
dois ouvidos em grandes anzóis.
Como você explica esse borbulho cultural que tem no Recife? É
cíclico. O que acontece hoje é mais significativo e divulgado, porque houve um
exorcismo generalizado.
Com o mangue beat? Sim. Até o mangue beat, sofríamos no Recife
da síndrome do vira-lata. Isso mudou. As pessoas confundem o mangue com
movimento, mas não é. Normalmente, movimentos são segregários. Os caras do
mangue eram cúmplices do fazer. Isso não é movimento, é movimentação. Poderiam
existir várias bandas-cover do mangue, mas não acontece. E isso é Pernambuco. Um
palavra grande assim, em que nenhuma letra se repete.
Outro dos seus trabalhos mais recentes foi a trilha para o espetáculo
Breu, do Grupo Corpo. Como foi essa experiência? Foi uma das
experiências mais marcantes da minha vida, porque comecei a idealizar como seria
a imagem da minha música. Pela primeira vez, vi a minha música
tridimensionalmente.
Você disse que seus três filhos são muito musicais. Vocês tocam juntos?
Às vezes. Mais do que isso, meus filhos se transformaram ao longo do tempo nos
meus desconfiômetros. Cada um na sua área. O mais velho, João, tem uma banda de
samba e tem uma enorme curiosidade do universo da MPB. O do meio, Bruno, é mais
ligado ao rock, é o homem dos equipamentos. E o mais novo, Bernardo, está
intimamente ligado ao hip-hop. Eles me municiam, me apresentam coisas, há uma
troca muito bacana. São desconfiômetros poderosos.
(©
Estadão)
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