Notícias
A nova amplitude freyriana

20/11/2008

 

 

Gilberto Freyre
 

Mostra sobre Gilberto Freyre chega agora ao imponente e espaçoso prédio do Santander Cultural, em Porto Alegre

Marcelo Pereira
marcelop@jc.com.br

PORTO-ALEGRE – Depois de levar 360 mil pessoas ao Museu da Língua Portuguesa em São Paulo, a exposição Gilberto Freyre – Intérprete do Brasil ganha uma segunda edição. Mas ainda não é desta vez que o sociólogo pernambucano e seu acervo voltam para casa. Até o dia 15 de fevereiro de 2009, a mostra pode ser vista em Porto Alegre, no imponente prédio neoclássico do Instituto Santander Cultural, que abriga ainda a exposição-homenagem a Ariano Suassuna – Iluminogravuras – a estética armorial. Ambas foram inauguradas na última sexta-feira à noite, quase simultaneamente à abertura oficial da 54ª Feira do Livro da capital gaúcha, que este ano é dedicada a Pernambuco e deve atrair um público de 2 milhões de pessoas. “Gilberto deve voltar para casa na data do seu aniversário, em 15 de março. As negociações com o governo, Fundarpe e Museu do Estado estão em andamento. Faltam ser definidas as ações educativas, de recepção de público e de comunicação. Vamos levar ao Recife a expertise das duas mostras realizadas”, confirmou Gilberto Freyre Neto, superintendente da fundação que leva o nome de seu ilustre avô.

A mostra em exibição no Santander Cultural será vista por cerca de 100 mil pessoas, segundo cálculos de Gilberto Neto, e é composta do mesmo acervo mostrado no Museu da Língua Portuguesa – são cerca de 200 obras, entre desenhos e pinturas figurativas (em estilo primitivista ou naïf), páginas manuscritas de suas obras, documentos (passaporte, salvo-conduto, contrato de trabalho e objetos pessoais), cartas (de Érico Veríssimo, Carlos Drummond de Andrade, Cícero Dias, Villa-Lobos, Carolina Nabuco, filha de Joaquim Nabuco, entre outros), as primeiras edições de seus livros publicados, a ilustração original de Casa-grande & senzala (de Cícero Dias, datado de 1933) e material de pesquisa, como os questionários que ele fazia para escrever livros como Sobrados e mocambos. Alguns desses questionários inclusive foram gravados para a mostra e podem ser ouvidos pelo público.

A mostra também exibe um vídeo do programa Roda viva, da TV Cultura, com o escritor pernambucano. Na sala Cine Santander, que fica na caixa-forte da antiga agência bancária, também será exibido Gilbertianas brasileiras, que confronta entrevistas realizadas pelo jornalista de Geneton Moraes Neto com Gilberto Freyre e o cantor baiano Gilberto Gil, tratando de temas como analfabetismo, os militares no poder (“Os militares são bitolados”, declarou o pernambucano), juventude e maconha. É neste documentário que Gilberto Freyre revela que fumou maconha movido por interesse antropológico. “A maconha brasileira é muito brasileira. É como Macunaíma, é quase sem caráter”, disse. “A sensação que eu fiquei é aquela de fim de festa. Você se sente cansado, mesmo gostando dela”.

“O que diferencia a mostra gaúcha da paulista é a forma de organização. No Museu da Língua Portuguesa, a exposição era mais compacta e intimista. Aqui a casa de Gilberto está explodida e dialoga com o espaço interno do prédio”, comentou Antonio Carlos Sartini, superintendente do Museu da Língua Portuguesa. “É a mesma exposição vista de uma maneira diferente”, definiu Sônia Freyre, filha do escritor. “Nem lá na Fundação Gilberto Freyre dá para ver tudo isso assim, por falta de espaço”.

“A mostra foi pensada para itinerar e tem como objetivo instigar novos leitores do País, destacando a riqueza e a diversidade de Gilberto, que estão nas expressões cotidianas, no valor de pertencer a um lugar, uma terra, um trópico”, conceitua a coordenadora geral, Júlia Peregrino. “Gilberto era um escritor de caráter ibérico. Ele não separava a vida da obra, nem a obra da vida”, lembro uma das curadoras da mostra, Elide Rugai Bastos, que juntamente com Julia Peregrino e Pedro Karp Vasquez fizeram a seleção do material em exposição.

Responsável pela criação dos ambientes cenográficos, André Cortez procurou criar um ambiente ao mesmo tempo íntimo e lúdico, provocando o público a abrir e fechar portas e gavetas de armários onde estão as obras de Gilberto, inclusive as receitas do livro Açúcar. Exímio frasista, Gilberto provoca a reflexão através de frases transcritas espalhadas por todos os móveis cômodos – do piso à parede, da mesa à geladeira, numa vitrine ou dentro da roupa de uma sinhá, com as quais o público vai se deparando enquanto visita a casa explodida. Vale a pena citar algumas: “De vez em quando sou acusado de saudosista, como se saudade fosse uma coisa vergonhosa”, “Sou muitas vezes acusado de conservador, mas o que eu quero conservar no Brasil? Valores brasileiros que estão encravados principalmente nas formas populares de cultura, formas regionais que dão um sentido ao Brasil” , “Eu pinto escrevendo e acho que um pouco escrevo pintando” , “Há que deixar-se espaço para dúvida e até para o mistério” e, finalmente, a frase escrita aos 17 anos: “Sem um fim social o saber será a maior das futilidades.”

(© JC Online)


Ariano em dias de celebridade

O escritor e secretário estadual de Cultura Ariano Suassuna é hoje um dos ícones mais midiáticos da cultura brasileira. Sua presença na abertura da exposição Iluminogravuras – A estética armorial, idealizada pelo artista plástico Alexandre Nóbrega, causou o maior reboliço no Santander Cultural, com um séqüito de fãs o acompanhando, querendo tirar fotos abraçado com ele, beijá-lo e também ouvir suas explicações sobre os 29 desenhos, 10 iluminogravuras, 10 xilogravuras e os 104 ferros de marcar boi, que recuperam as origens do movimento armorial, nos anos 70. A síntese da mostra está definida num depoimento escrito de Ariano: “Unir o texto literário e a imagem num só emblema, para que a literatura, a tapeçaria, a gravura, e a escultura falem, todas através de imagens concretas, firmes e brilhantes, verdadeiras ensígnias das coisas”.

Aos 81 anos, Ariano mostra resistência. Embora tivesse com a voz rouca e falando baixo, ele aproveitou para sugerir a mudança de local de algumas obras, como por exemplo a de um homem branco no cavalo, representando o demônio, feita para a o Romance da Pedra do Reino, que estava muito distante do Cristo negro. Diante de uma gravura de mulher em preto-e-branco, ele confessou apaixonado como sempre: “É o retrato de Zélia, minha esposa. Veja o que escrevi: ‘E, se és, agora e sempre, minha vida, o meu amor, por que me ligas à morte?’”. Ao lado, Zélia acompanhava, com a serenidade e carinho de sempre.

“Eu não sou artista plástico. Sou um escritor que ilustra seus próprios livros. Mas esta exposição me deu uma dimensão muito boa da minha produção”, declarou, modesto, Ariano. Andando de um lado para o outro cruzando a sala, ele parecia se divertir fazendo uma improvisada e um pouco caótica visita guiada.

Ariano sabe que boa parte dos visitantes no primeiro dia de sua exposição será dos participantes da 54ª Feira do Livro de Porto Alegre, que ocorre na praça ao lado do Santander Cultural. Indagado por um entusiasmado repórter de TV gaúcho – que não disfarçava sua condição de tiete – o escritor disse que o maior desafio não somente da feira mas de todo o Brasil é fazer que se cresça o hábito de leitura. “O Brasil tem 180 milhões de habitantes, mas a tiragem dos livros é de 1.000, 2.000, 3.000 exemplares. A TV pode prestar uma grande ajuda divulgando mais os livros e eventos como a Feira de Livros”.

A realização das exposições de Gilberto e Ariano, que ocorre simultaneamente a homenagem a Pernambuco na Feira do Livro pode ser entendida também como uma sinalização da aproximação do Santander com o Estado, uma vez que o banco adquiriu o Real (ex-Bandepe) e no momento as duas instituições financeiras passar por um programa de integração, com a rediscussão da sua atuação na área da Cultura através do Santander Cultural e do Espaço Cultural Banco Real. “O comitê de integração vem se reunindo para o planejamento de sua atuação. Estamos mapeando as convergências. Vamos selecionar o que de melhor as duas instituições vinham fazendo”, diz a pernambucana Liliana Magalhães, superintendente do Santander Cultural.

(© JC Online)


VÍDEO

Exposição sobre Gilberto Freyre no Museu da Língua Portuguesa em São Paulo

Com relação a este tema, saiba mais (arquivo NordesteWeb)


powered by FreeFind