'Minha aspiração máxima é que os ouvintes possam cantar as
canções lavando prato', diz cantor sobre trabalho
Livia Deodato, de O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO - Dois banheiros deveriam levar o Prêmio Nobel, na opinião de
Tom Zé. O primeiro seria o de Arquimedes em Siracusa, na Sicília, que
descobriu, enquanto tomava banho, que todo corpo mergulhado num fluido sofre
uma força vertical para cima (o tal do empuxo), cuja intensidade vai de
acordo com o peso do fluido deslocado pelo corpo. O segundo banheiro seria o
de João Gilberto, lá em Juazeiro, na Bahia. "Foi cantando no banheiro que
ele teve o insight de que a voz humana podia fazer o que ele especificamente
inventou: um novo uso da garganta humana", filosofa Tom Zé, sempre se
divertindo.
João Gilberto e todo o movimento que ajudou a impulsionar a partir do ano
de 1958 sempre "estremeceram" seu conterrâneo nascido em Irará - ao mesmo
tempo que o inspirava a seguir no sentido inverso do que começava a ser
delineado como bossa nova. "Mas agora eu quis cometer essa traição de
abandonar o oposto e me tornar o anjo. Sempre trabalhei no limite entre o
som e o ruído. Agora, com a bossa nova, eu tenho de dizer: perdoem-me
amigos! Eu venho traí-los neste CD melódico inspirado no contemplativo",
suplica o eterno tropicalista.
Para dar voz às letras e encorpar os arranjos que Tom Zé vem trabalhando
desde 2003 ("porque não sou gênio, sou japonês e faço as coisas com
lentidão"), o músico contou com a ajuda de João Marcelo Bôscoli e Patricia
Palumbo, apresentadora da Rádio Eldorado, para juntos selecionarem a nata
feminina da música brasileira atual. Mariana Aydar, Mônica Salmaso, Tita
Lima, Andréia Dias, Márcia Castro, Jussara Silveira, Fabiana Cozza, Fernanda
Takai, Zélia Duncan, Marina de la Riva, Anelis Assumpção e Badi Assad formam
o harém de Tom Zé, na origem da palavra, como explica a seguir: "Quando
Moisés agonizava na cama, já com a idade avançada, os hebreus convidaram
moças para o visitar e assim, com a proximidade, darem mais vida a ele. Foi
o que aconteceu comigo agora."
A idéia de produzir um CD inspirado na bossa nova - ou "plagiado", como
ele mesmo afirma, sem nenhum pudor - acompanha o momento mais feminino que
Tom Zé acredita estar vivendo. Aos 72 anos, ele chegou até a se preocupar
com essa mudança radical em seus "quereres e quimeras". Derramou-se em
composições sincopadas que, em sua maioria, alude às clássicas do gênero (Filho
do Pato, Barquinho-Herói e Roquenrol Bim-Bom são ótimos exemplos),
pediu aprovação de d. Neusa, sua esposa e empresária, e finalmente decidiu
chamar esse processo de Estudando a Bossa - Nordeste Plaza, com o
qual garante botar fim aos seus estudos, iniciados com o samba (1976) e o
pagode (2005).
O subtítulo Nordeste Plaza remete ao shopping da Água Branca que
freqüenta, o West Plaza. "Assim como o Rio foi invadido pela voz e pelo trem
vindo de Juazeiro, o trem de São Miguel Paulista aportou no West Plaza,
apelidado de Nordeste Plaza", explica Tom Zé sobre mais um ingrediente do
seu caldeirão. O novo álbum não tem a pretensão de prestar homenagem ao
gênero. "Não tenho cacife pra isso. A minha aspiração máxima é que os
ouvintes possam cantar as canções lavando prato. Ou arrumando a casa."
Tom Zé. Auditório Ibirapuera. Av. Pedro Álvares Cabral,
s/n.º, portão 3, Pq. do Ibirapuera, 3629-1075. Hoje e amanhã, 21 h; dom., 19
h. R$ 30
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Estadão)