Carlos Helí de Almeida, Jornal do Brasil
RIO - Quase dois anos depois de sua primeira projeção pública, na seção
Panorama do Festival de Berlim, em fevereiro de 2007, Deserto feliz
chega nesta sexta-feira ao circuito Rio, São Paulo e Recife.
Mais recente vítima do gargalo de salas do país, o longa, que fala sobre
o abuso sexual e a prostituição de jovens, parece ter se beneficiado do
longo tempo na fila.
Ou pelo menos assim seu diretor, o pernambucano Paulo Caldas, acredita. O
filme pré-estreou a mostra Olhares sobre a exploração sexual de crianças e
adolescentes.
– Aproveitamos para circular por festivais, nacionais e estrangeiros. Já
são mais de 60 – informa Caldas, que estreou no longa-metragem na co-direção
de Baile perfumado (1997), com Lírio Ferreira.
– Neste meio tempo, observamos uma mudança muito significativa no tema da
exploração sexual, a partir da realização de outros filmes inspirados no
problema, e também no trabalho de ONGs engajadas nessa luta. Acho que está
deixando de ser um tabu e o filme contribui para uma reflexão.
Deserto feliz acompanha a trajetória de Jéssica (Nash Layla),
garota do interior que sofre abusos do padrasto e foge para Recife, onde
vira mais um número das estatísticas sobre turismo sexual.
Na cidade grande, apaixona-se por um de seus clientes, Mark (Peter
Ketnath, o representante de uma indústria farmacêutica de Cinema, aspirinas
e urubus), um turista alemão, e vai viver com ele em Berlim.
Embora trafegue pelo universo de títulos recentes, como Anjos do sol,
de Rudi Lagemann, e Baixio das bestas, de Cláudio Assis, o filme de
Caldas debruça-se sobre outro aspecto da exploração infantil.
O diretor diz que Deserto feliz é um filme sobre prostituição
juvenil “sem os clichês do gênero” e promove uma “interseção cultural entre
os gringos e as prostitutas do Recife”, que não têm, necessariamente, um
final feliz: os abismos culturais entre Jéssica e Mark insistem em
separá-los.
O filme levou o prêmio de Melhor Direção no Festival Internacional de
Cinema de Guadalajara e seis Kikitos no Festival de Gramado do ano passado,
inclusive os de Direção, Júri Popular e Prêmio da Crítica.
– A idéia inicial era fazer um filme sobre o tráfico de animais
silvestres no Brasil. Começamos a fazer pesquisas no sertão e um dos
personagens que encontramos no caminho era uma adolescente que que fora
violentada pelo pai e se rendera à prostituição. O caso dela foi ganhando
força dentro da história e acabou virando o foco do nosso projeto – explica
Caldas.
– É um filme que nasceu de nossa indignação com a situação que
testemunhamos em cidades como Recife, que recebe estrangeiros que vêem o
país como um dos paraísos do turismo sexual.
Depois de intensas buscas por uma protagonista, o papel da tímida e
sofrida Jessica ficou com Nash Layla. É a estréia no cinema da jovem atriz,
que vem do teatro.
– Foi difícil encontrar alguém para encarnar um personagem em situações
tão complexas. Por razões legais, ela não poderia ser menor de idade. Ao
mesmo tempo, teria de aparentar 14 anos – lembra o diretor.
– Fizemos testes em Salvador e no Recife e, logo na primeira audição, a
Nash se destacou bastante. Era como se ela encantasse a câmera e vice-versa.
O filme todo dependia da escolha da menina. Se optássemos pela protagonista
errada, prejudicaríamos o filme inteiro. E ela acabou ganhando prêmios em
Paris e em Portugal pelo trabalho.
Enquanto esperava uma brecha no circuito, Caldas rodou um documentário
sobre o cantor Reginaldo Rossi (em finalização) e tocou o roteiro de Amor
sujo, sua segunda incursão na direção-solo na ficção. Do elenco principal
deste último já estão fechados Maria Padilha e Leonardo Medeiros. Hash Layla
também terá um papel na trama, com locações em Minas Gerais e Pernambuco.
– Já captamos mais da metade do orçamento do filme. Espero poder começar
a rodar ainda no início do ano que vem – adianta Caldas, que faz mistério
sobre o enredo de Amor sujo.
– Envolve transplante de rim e um triângulo amoroso entre uma
violoncelista, um médico e um padre. É mais uma história de encontros
improváveis, uma linha de cinema que persigo desde Baile perfumado.
(©
JB Online)
"Deserto
Feliz" aborda o turismo sexual no Nordeste
Por Alysson Oliveira
SÃO PAULO (Reuters) - O título do
premiado "Deserto Feliz", que estréia em São Paulo, Rio de
Janeiro e Recife, registra uma dupla ironia. A história do filme
não tem nada de feliz e o deserto é mais metafórico do que real
- está no interior dos personagens. Dirigido por Paulo Caldas
(co-diretor de "Baile Perfumado", de 1997, ao lado de Lírio
Ferreira), o longa é uma co-produção entre Brasil e Alemanha e
estreou no Festival de Berlim de 2007.
Desde então, acumulou prêmios,
entre eles, diretor, direção de arte, fotografia, música e o da
crítica no Festival de Gramado do ano passado. Já no Festival de
Guadalajara, recebeu o prêmio de direção.
Além da estreante Nash Laila
(premiada no Festival de Cinema Brasileiro de Paris e no
Festival de Cine Luso-Brasileiro), o elenco inclui João Miguel
("Estômago"), Hermila Guedes ("O Céu de Suely") e Zezé Motta
("Xica da Silva").
Os filmes de Caldas - que
também assina "O Rap do Pequeno Príncipe Contra As Almas
Sebosas" (2000), co-dirigido por Marcelo Luna - sempre romperam
com uma linha tênue entre a ficção e o documental. "Deserto
Feliz" não é diferente. O ponto de partida da história veio de
uma notícia de jornal que contava sobre um homem preso depois de
caçar um tatu - bicho protegido pela legislação ambiental - para
alimentar a família.
Mais tarde, no sertão
nordestino, enquanto pesquisava para o roteiro, Caldas percebeu
que a questão do turismo sexual era algo ainda mais forte
naquela região e essa se tornou a espinha dorsal de "Deserto
Feliz".
Jéssica (Nash Laila) tem 14
anos e seu padrasto ganha a vida com o tráfico de animais. Mais
tarde, quando ele a violenta, a garota acaba fugindo para
Recife, onde se torna prostituta. O que a levará a conhecer o
alemão Mark (Peter Ketnath, de "Cinema, Aspirinas e Urubus"),
que a leva para a Alemanha.
Na Europa, mesmo longe de seus
problemas originais, Jéssica enfrenta um forte choque
sociocultural. A garota está sempre melancólica numa Alemanha
cinzenta - longe do colorido e do calor do nordeste brasileiro.
Ela não consegue encontrar seu lugar neste mundo novo que, de
algum modo, também lhe é hostil.
"Deserto Feliz" poderia ser um
conto de fadas - menina sofredora conhece príncipe que a leva
para a Alemanha. Mas o diretor Paulo Caldas opta pelo realismo,
levantando uma série de questões pertinentes ao Brasil
contemporâneo.
(©
CineWeb)
O lugar onde tudo começa
Deserto feliz, o
novo filme de Paulo Caldas, estréia hoje no Recife
Sem precisar
apelar para cenas explícitas de violência e sexo, o longa-metragem
pernambucano Deserto feliz, dirigido por Paulo Caldas (Baile perfumado),
transporta para a tela de cinema a situação vivida pelas garotas que se
vendem ao turismo sexual.
Nash Laila interpreta
protagonista Jéssica no longa filmado em Pernambuco e na Alemanha.
Foto: Pressbook/Divulgação |
A trajetória de uma menina que se muda de um
lugarejo do Sertão (que dá título ao filme) para a capital em busca de uma
vida mais digna é o fio condutor de uma trama que leva para a ficção
cinematográfica questões como a prostituição na praia de Boa Viagem, o
tráfico de animais no Sertão, o desenvolvimento agrícola do Vale do São
Francisco, o cotidiano do Edifício Holiday e os abusos cometidos na
privacidade dos ambientes familiares.
Deserto feliz ficou pronto em janeiro de 2007, mas só agora estréia nos
cinemas brasileiros. Depois de circular por mais de 50 mostras nacionais e
internacionais, incluindo os festivais de Berlim e Gramado, onde foi o
grande premiado com seis troféus, o filme entra hoje em cartaz em 13 salas.
O percurso de Jéssica (interpretada por Nash Laila), de 15 anos de idade,
começa no Sertão, numa comunidade agroindustrial nos arredores de Petrolina.
A pobreza da família e os abusos cometidos pelo padrasto provocam sua fuga
daquele ambiente opressor. Assim como a região produz frutas que são
exportadas para a Europa, a menina inicia ali uma jornada que passa pelo
Recife e se estende até a paisagem nevada da Alemanha.
A riqueza visual do filme se manifesta desde o início, com belas imagens de
um tatu em movimento com sua armadura e de extensas plantações atravessadas
pela tecnologia. Um estupro é uma das primeiras cenas de impacto, mas ela é
filmada de maneira indireta, desfocada, quase abstrata. A agonia da
personagem, portanto, é transmitida pela composição visual expressionista.
Esses momentos em que a câmera interfere explicitamente na construção
dramática voltam a aparecer ao longo do filme. Paulo Caldas confirma o
virtuosismo visual e sonoro (trilha sonora em alto volume), no limite do
maneirismo, visto no Baile perfumado e no seu segundo longa, O rap do
Pequeno Príncipe contra as almas sebosas, um documentário com recursos de
linguagem de videoclipe. Os efeitos de câmera servem ainda para transmitir a
arquitetura sinuosa do Holiday, o embalo embriagante de uma pista de dança e
a opressão do frio berlinense. No conjunto, se sobressai um cinema pouco
verbal e bastante sensorial, sem grandes diálogos ou reviravoltas e
artimanhas de roteiro.
As cenas mais espontâneas de Deserto feliz se passam no Recife, em Boa
Viagem, onde Jéssica entra em contato com o turismo sexual. Esse segundo ato
é o mais consistente do ponto de vista humano, com um desempenho espontâneo
das atrizes (sobretudo Hermila Guedes), fruto de uma profunda pesquisa junto
a personagens reais, que também foram convidadas para aparecer na tela, se
confundindo com o elenco profissional. (Júlio Cavani)
Saiba mais
Elenco: Com Nash Laila no papel principal, estão em Deserto
feliz a consagrada Zezé Motta e atores ligados ao bom momento do cinema
pernambucano, como Hermila Guedes, João Miguel e Peter Ketnath (trio
revelado por Cinema, aspirina e urubus), além dos sempre expressivos Aramis
Trindade, Servilio de Holanda e Magdale Alves.
Números: O filme custou R$ 2,2 milhões. A equipe técnica
contou com 50 integrantes. O elenco principal tem dez atores e atrizes, mais
figurantes e pequenas pontas. A estréia ocorre hoje em 13 salas de cinema do
Rio, São Paulo e Recife.
Cenários: As plantações de uva do Vale do Rio São
Francisco, nos arredores de Petrolina; a praia de Boa Viagem; o edifício
Holiday, em Boa Viagem; o Bar do Dique, no Porto do Recife; as ruas de
Berlim sob a neve.
Festivais: Participou de mais de 50 mostras de cinema em
países como Espanha, Itália, Holanda, Estados Unidos, Inglaterra, Polônia,
Suécia, México, Cuba, Israel, República Tcheca e Alemanha.
Música: Produzida por Fábio Trummer e Erasto Vasconcelos, a
trilha sonora será lançada em CD, com músicas de DJ Dolores, Eddie, Academia
da Berlinda, Mundo Livre, Chambaril, Kelvis Duran e Junio Barreto.
(©
Diário de Pernambuco)