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Tom Zé investiga a bossa

28/11/2008

 

 

Foto: Divulgação

Tom Zé
 

O baiano apresenta hoje o show de lançamento do seu mais novo trabalho, no qual a bossa nova é fio condutor

José Teles
teles@jc.com.br

A bossa nova não somente inventou o Brasil como contribuiu substancialmente para a modernização da engenharia brasileira. Estas são apenas duas das várias teses lançadas por Tom Zé, no disco Estudando a bossa – Nordeste Plaza (Biscoito Fino), cujo show de lançamento acontece hoje, às 21h, no Teatro da UFPE, com uma banda formada por Lauro Léllis (bateria), Luanda (vocais), Cristina Carneiro (teclados e vocais), Daniel Maia (guitarra e vocais), Renato Léllis (baixo e vocais) e Jarbas Mariz (bandolim, percussão, vocais) Quem abre é a dupla Morse Lyra e Allan Sales.

Em Estudando o samba (1976), Tom Zé dissecou o gênero, e todas suas vertentes, do sambão jóia (ancestral do pagode romântico), ao samba pop à Antônio Carlos & Jocafi. Em Estudando o pagode na opereta segrega mulher, ele lança um olhar sobre o tão detratado subgênero do samba, porém de forma mais complexa, indo além do tema proposto, incursionando pela problemática feminista. Agora, o sempre irrequieto cidadão mais famoso de Irará (BA), nas 14 faixas do novo CD, vai além dos limites dissonantes da bossa nova. Conta o caso como o caso foi antes, durante e depois da BN, em um dos seus melhores trabalhos dos últimos anos. A relação entre os três “estudos” é explicada por ele: “ Comuns são o útero e a negritude fértil. As diferenças são os compartimentos sociais nos quais foram geradas. Cada compartimento, com sua escolaridade diferenciada, pôde manejar diferentes quantidades de bits, diferentes níveis de sofisticação, mas em todos está presente a grande força da consubstância negra brasileira”.

E onde entra a engenharia na música? “Como engenharia é assunto duro para canção, criei uma situação romântico-mitológica entre Rio e Niterói para uma das canções. Esta defende a tese de que foi a BN quem inspirou a engenharia a resolver o problema da ponte. A BN fez, com notas musicais e síncopas (a acentuação no tempo fraco) o que a engenharia fez depois com ferro, aço e concreto: as plataformas flutuantes-sincopadas, frágeis ao sabor das ondas, femininas como a BN, porém suficientemente fortes para o portar o pênis gigantesco, o linga cósmico que foi capaz de estuprar o solo profundo da Baía da Guanabara e construir as fundações da ponte Rio-Niterói”.

E como a bossa nova inventou o Brasil, apesar de inimigos poderosos, da estirpe de Antônio Maria e José Ramos Tinhorão? Tom Zé com a palavra: “Um acontecimento forte, um protótipo como a BN, reverbera como ondas concêntricas na vida da nação, em todos os campos e atividades profissionais, energizando invenções, tiradas, contornos, insights, provocações. Mudaram as revistas, mudaram as roupas, transformou-se o inverno como procedimento social. Ela mudou a confiança conferida ao Brasil pelo exterior, influiu no comércio internacional. Nasceu e cresceu um novo tipo de turismo. Imagina aí, cara, um Brasil sem nada disso. Considere que quando a BN inventou o Brasil nossa capital era Buenos Aires (também bela e querida), e a política dos coronéis e caudilhos exercia-se em plena idade média”. Resumindo a resposta, baianamente explicada. O Brasil começou o ano de 1958 como importador de matéria-prima e começou 1959 como exportador de sofisticados produtos manufaturados.

Para isso foi necessário pôr abaixo belas, mas ultrapassadas, estruturas. É a isto que ele se refere em O céu desabou. O espanto ante a nova batida, outra forma de cantar, a temática das letras e o fim da era do rádio. Chega a ser irônico que uma das rainhas do rádio, Elizeth Cardoso, tenha sido a anunciadora da boa nova, no álbum Canção do amor demais, onde pela primeira vez se ouve a batida demolidora do violão de João Gilberto. “Sempre me comoveu, com alguma dor e até saudade, o terremoto inimaginável que caiu, da noite para o dia, sobe todo aquele elenco de grandes cantores e cantoras, paixão da vida brasileira, que nos auditórios superlotados da Rádio Nacional, Tupi, Mayrink Veiga, encantavam a nação. De repente o céu desabou! Só se queria saber da BN. Só se falava de BN. Para eles, então monarcas instituídos, foi um pesadelo. Um enterro precoce. Porém, com a BN a não mostrou sua fome pelo protótipo, pela aventura sublime da invenção. Pelo sonho de sentir um País pobre impondo ao mundo admirado uma nova linguagem”,

O show de hoje será, obviamente, baseado em Estudando a bossa, com inserções de canções de discos anteriores, que devem remontar ao período tropicalista, e pós-tropicalista, como 2001. Mas poderia se limitar ao repertório do CD, que começa com o célebre motto de Getúlio Vargas, “Trabalhadores do Brasil”, e conta, tim-tim por tim-tim, a aventura da bossa nova, valendo-se dos seus elementos e personagens. Uma das mais bem-resolvidas destas lições está em O filho do pato (com Arnaldo Antunes), na qual estão embutidos praticamente todos os elementos da BN, com o “avô” do pato, “o tico-tico no fubá” ensaiando o vocal. Genial

» Projeto MPB Petrobras com Tom Zé e banda, abertura com Morse Lyra e Allan Sales, hoje, 21h. Teatro da UFPE, campus da UFPE. Ingressos: R$20 e R$10. Outras informações: 3231-5196.

(© JC Online)

 


Estudando os novos elogios de Caetano

Tom Zé refuta os comentários elogiosos do cantor baiano sobre seu novo álbum e lança mais uma polêmica na MPB, aproveitando para lembrar seu longo período de ostracismo

“Ouvi o disco de Tom Zé. Muito legal. Muito ele mesmo. Quando li que se chamava Estudando a bossa, ri, gostei do tom de trilogia com os outros dois ‘estudandos’, e fiquei curiosíssimo para ver como é que ele ia tratar musicalmente o assunto. Diferentemente de mim, de Gil, de Gal e da torcida do Bahia, Tom Zé nunca foi um bossanovista. Comentando o Estudando o samba com David Byrne em Nova Iorque, logo que saiu a primeira coletânea de Tom Zé que ele fez, eu disse: ‘Muito da força desse disco vem de Tom Zé não ser da área do samba: ele não é do Recôncavo, tem sotaque do sertão, não é meio carioca como o povo de Salvador’”... É um comentário de comentários sobre os ritmos do samba, as levadas, as batidas - e é o Rio... Os contrapontos engraçados, os contrapontos inventivos, os contrapontos sofridos, tudo no disco é Tom Zé puro”. Trecho pinçado do comentário no blog Obra em progresso, de Caetano Veloso, dia 19 de novembro.

Os elogios desaguaram na mais nova polêmica do momento. Em seu próprio blog, dias depois, Tom Zé recusou os maiores encômios: “Não, Caetano. Não posso aceitar. Agora estou irremediavelmente desertado e não posso mais voltar para o colo do grupo baiano. Você sabe que seus braços são preciosos e irresistíveis, mas não posso ir comemorar neles este disco, nem com você”, e aí relacionou nomes de amigos que estiveram ao seu lado nos tempos das vacas magras, na década de 80.

Entre esses estiveram o artista plástico Elifas Andreato e o diretor da Som Livre (e da antiga RGE), João Araújo (“que chegou a me mandar, vejam só, dinheiro escondido naqueles tempos.”). Os tempos de que Tom Zé lembra são aqueles em que caiu no ostracismo, enquanto seus conterrâneos tropicalistas eram alçados ao status de superestrelas da música brasileira. Contam que quando David Byrne, encantado com o LP Estudando o samba, que comprou num sebo do Rio, telefonou para Caetano para saber do paradeiro de Tom Zé. Caetano teria dito: “Não seria Tuzé de Abreu?” (nome do músico baiano, que tocou na banda de Caetano)

Em 1993, nos 15 anos do movimento, foi lançado o disco Tropicália 2, no qual quem organizava o movimento e orientava o carnaval era a dupla Caetano e Gil, sem nenhum outro tropicalista de primeira hora participando do disco ou da turnê. Um ano antes Tom Zé, já na Luaka Bop, o selo de David Byrne, havia lançado o disco que marcou sua segunda vinda, The hips of tradition, e rumava para se tornar um dos artistas brasileiros com mais trânsito no exterior. De forma que os elogios de Caetano Veloso chegaram um pouco atrasados – pelo menos 15 anos.

Tom Zé voltou a recusá-los, domingo passado (dia 23), em show no Ibirapuera, em São Paulo, usando, mais ou menos, os mesmos termos que empregou no blog e uma expressão mais, digamos, apimentada. Caetano, com uma complacência que, normalmente, não é do seu feitio quando é fustigado, contemporizou: “Eu não sou o grupo baiano. Eu sou eu. E você não precisa recusar um abraço meu para ser grato a quem o ajudou. Eu gosto de você. Não precisamos desses surtos de ressentimento.” A tréplica até o momento não veio, talvez nem venha. Tom Zé disse, pelo visto, só umas reprimidas e merecidas “poucas e boas”. (J.T.)

(© JC Online)


Doce bárbaro

Cantor e compositor Tom Zé mistura amor e ironia em Estudando a Bossa, show que apresenta hoje no Teatro da UFPE

Michelle de Assumpção // Diario
michelle.assumpcao@diariodepernambuco.com.br

O cantor e compositor baiano Tom Zé é sério candidato a receber os prêmios de "melhor de disco do ano" com o seu Estudando a Bossa - Nordeste plaza (Biscoito Fino).

Baiano interpreta canções do novo disco e clássicos de sua carreira. Foto: André Conti/Divulgação
Isso se ele também não descolar o primeiro lugar na categoria "personalidade musical" nas listas dos críticos e do público. O disco, lançado justo quando se comemora os 50 anos da Bossa Nova, é uma declaração de amor ao movimento musical recoberta por um véu de ironia refinada e complexa.

A provável boa repercussão desse novo trabalho deve ampliar as lotações das apresentações desse baiano de Irará. Sua inquietude, dinamismo e, vamos lá, genialidade, transformam as performances ao vivo em um espetáculo que transfigura o que é registrado em CD. Os recifenses que o aguardam hoje, no palco do Teatro da UFPE (projeto MPB Petrobras), podem comprovar: Tom Zé é também um mutante. Não será supresa se o show aqui seguir um roteiro bem diferente do registrado em outras capitais.

Ocerto é que, além do repertório de Estudando a Bossa, Tom Zé tem cantado pérolas do sua carreira. Também parece ter esgotado o arsenal de respostas a Caetano Veloso, depois que este rasgou elogios ao disco no seu blog e e deflagrou uma polêmica. Tom Zé surpreendeu a todos com o tom ressentido de um comentário feito depois de um show ("vá tomar no..."). Afinal, nas declarações anteriores sobre o Estudando a Bossa, ele elogiou (ou ironizou?) Caetano e Gil, a quem chamou de "verdadeiros homens finos# depurados, muito perto da compreensão do que Tom Jobim, João Gilberto e Carlos Lyra estavam fazendo". Ele, Tom Zé, por outro lado, diz ter feito música "crua e bárbara".

Esse suposto primitivismo é redimido com Estudando a Bossa, um olhar enviesado, mas sem nada de indigesto, sobre a suavidade da bossa nova. Se chegou perto da "coisa fina" com Estudando a Bossa, Tom Zé diz que foi graças ao tipo de leitura que tem feito, ao tai chi chuan que pratica e à mulher culta com quem é casado (Neusa Martins, também sua produtora). Tudo isso, segundo ele, gerou a transformação capaz de lhe permitir criar um disco de bossa nova.

Sem os experimentos verbais, harmônicos e melódicos esse seria apenas um disco de ótimas, refinadas e bem acabadas canções. Mas só quem não conhece Tom Zé para imaginar que essa subtração fosse possível. Na versão para o palco, além do próprio cantor-ator, estão os músicos-vocalistas de sua banda: Cristina Carneiro (teclados), Luanda (vocais), Lauro Léllis (bateria), Renato Léllis (baixo), Daniel Maia (guitarra) e Jarbas Mariz (percussão e bandolim). O repertório traz canções como Brazil - Capital Buenos Aires, Salvador Bahia de Caymmi, Outra Insensatez, Barquinho-Herói, Filho do Pato e Roquenrol Bim-Bom.

São faixas que remetem ao universo da Bossa Nova, mas encantam pela maneira crítica com que foram compostas. É certamente o seu disco/ show mais inventivo desde que foi (re) descoberto por David Byrne nos anos 90. Somado ao fato de ter sido lançado num ano de homenagens e reverências muito sérias e "finas", traz também a dose certa de escracho e devoção; o contraponto necessário de um artista que, felizmente, nunca soube (ou tentou) ser diferente do que continua a ser.

Serviço

Show Tom Zé - Estudando a Bossa
Quando: Hoje, às 21h (abertura com Morse Lyra e Allan Sales)
Onde: Teatro da UFPE
Quanto: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia)

(© Diário de Pernambuco)


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