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Na levada do coco do Tebei de Taracatu

28/11/2008

 

 

 

Tradição centenária da cultura popular pernambucana, o Tebei de Taracatu chega às lojas em CD e DVD

Aline Feitosa // Diario
aline.feitosa@diariodepernambuco.com.br

No Sítio Olho D'água do Bruno, a 12 quilômetros de Tacaratu, em meio ao cerrado do Sertão de Itaparica, a seca castiga de outubro a abril. Em tempos de chuva, as roças ficam verdes, os açudes se enchem d'água e a população do pequeno vilarejo, que vive em condições econômicas bem modestas, aproveita a boa safra. Neste cenário, em 1938, a equipe da Missão de Pesquisas Folclóricas liderada por Mário de Andrade faz o primeiro registro de uma manifestação popular singular naquela região. Encontra agricultores que, no trabalho da roça, cantam rojões e, na intenção de aplainar o chão de barro das casas de taipa recém-construídas, passam a noite dançando em pisadas fortes, acompanhados por cantos de vozes femininas. Mário de Andrade, em seu pioneiro trabalho, chama atenção para um ritmo de coco diferente, de tradição oral: o Tebei de Tacaratu.

Passam-se mais de sete décadas. Tentando refazer os passos de Mário de Andrade, a Associação Respeita Januário (PE) chega ao Olho D´água do Bruno em 2003. Lá já não existem tantas casas de taipa, mas um pequeno grupo ainda canta e dança. A música daquela distinta comunidade chega ao projeto Responde a roda outra vez, contendo um CD e um pequeno livreto com registros do coco pelo Nordeste, mas com distribuição restrita.


Dança é executada por casais enlaçados, sem umbigada nem roda. Foto: Aline Feitosa/Divulgação

Em 2008, a manifestação centenária, repassada entre várias gerações de famílias do sítio, sai de Tacaratu e dos registros dos pesquisadores. Entra numa etapa artística. O grupo Coco de Tebei chega este mês às lojas de discos com um produto duplo: CD e DVD. Eu tiro o couro do dançador, embalado em capa de bom gosto (projetado pela designer Daniela Brilhante), é mais uma investida em prol da cultura popular da Sambada Comunicação e Cultura - que no ano passado lançou o primoroso projeto Antologia do pastoril profano. Com incentivo do governo de Pernambuco, por meio do Funcultura, e apoio da Associação Respeita Januário e da Cabra Quente Filmes, os produtores Paloma Granjeiro e Pedro Rampazzo (da Sambada) conseguem, desta vez, fechar (ou pelo menos iniciar outra fase) o esforço começado por Mário de Andrade - que com certeza gostaria de ter visto já pronto, ainda na década de 1930, o Eu tiro o couro do dançador.

"Vimos o Tebei pela primeira vez em 2005, durante a Festa da Lavadeira, na Praia do Paiva, Cabo de Santo Agostinho. Achamos maravilhoso e ficamos certos de que queríamos fazer algum trabalho com eles", conta Paloma Granjeiro. A equipe aportou em Tacaratu no final de 2007. Lá, gravou as imagens que compõem o DVD (20 minutos), dirigido coletivamente por Hamilton Costa Filho, Pedro Rampazzo, Paloma Granjeiro e Gustavo Vilar, este último etnomusicólogo da Associação Respeita Januário. O documentário mostra o dia-a-dia da comunidade e a lida na roça e na tecelagem, capta depoimentos dos integrantes do grupos, além de trechos de shows e da gravação do CD.

O disco contém 16 faixas e foi gravado e mixado no estúdio Carranca (Recife) e masterizado no Classic Master (São Paulo). Rojões-de-roça, cocos e valsas compõem o trabalho, que, em algumas músicas, ganha a participação especial de artistas como Sérgio Cassiano, Beto do Bandolim, Maciel Salú, Juliano Holanda e Gilú (Orquestra Contemporânea de Olinda), Nilton Júnior (Pandeiro do Mestre), Chico Correa, Zé Marcolino (sambista de Tacaratu) e Gustavo Vilar, que também assina a direção musical.

Serviço

CD e DVD Eu tiro o couro do dançador, do Coco de Tebei (Sambada Comunicação e Cultura)
Quanto: R$ 25 (preço médio)

Informações: 3429-7625 

(© Diário de Pernambuco)

 


Na pisada do Tebei

Povoado da Aldeia Olho d'Água do Bruno, em Tacaratu (PE), dança um coco que une o trabalho ao prazer da dança

Lembro que há mais ou menos quatro anos, nessas conversas tiradas no meio da noite, Gustavo Vilar me contou sobre o encontro com a comunidade do Olho d’Água do Bruno, em Tacaratu (PE), e da descoberta do Coco de Tebei. Não lembro ao certo as palavras que ele utilizou, mas o seu encantamento e a surpresa com aquela brincadeira mantida e realizada pelos idosos do local fizeram seu tom de voz e brilho no olhar ganharem uma cor diferente.

À época, Gustavo integrava uma equipe da Associação Respeita Januário e do Núcleo de Etnomusicologia da UFPE, que refazia a trilha deixada por Mario de Andrade na sua Missão de Pesquisas Folclóricas de 1938. Em Pernambuco, a Missão trabalhou em apenas três cidades: Recife, Arcoverde e Tacaratu. A pesquisa seguiu esta trajetória e o resultado do estudo pôde ser conferido no álbum Responde a Roda.

Nos arredores de Tacaratu, a equipe enviada por Mario de Andrade gravou os torés e toantes dos índios pankararu e o principal gênero registrado no local: o coco. Mas, de acordo com Gustavo, quando eles chegaram por lá, mais ou menos em 2003, já não se dançava mais o coco como todos conhecem. Entretanto, os moradores da cidade informaram que existia um grupo, no distrito rural do Olho d’Água do Bruno, que cantava e dançava um tipo de coco bem diferente, chamado de “Tebei”.

Qual não foi o meu alumbramento em receber o Eu tiro o couro do dançador, álbum com CD e DVD que registram em sons e imagens a brincadeira daquele povo. Primeiro, por ter em mãos o resultado de uma pesquisa que vai além da musicalidade de um povo. Depois, pelo registro e divulgação da qualidade rítmica do que lá é produzido.

A comunidade do Olho d’Água do Bruno é como muitas que habitam o sertão pernambucano: sobrevivem através do tear e da produção de farinha. Comem aquilo que plantam. Quando chove. “É, quando chove, a gente tira os legumes aqui da roça, mas quando num chove... tem casa que passa o dia sem botar uma panela no fogo”, confessou D. Maria do Carmo em entrevista à equipe da Sambada Comunicação e Cultura, gravada no DVD, realizadora do álbum sob a batuta de Gustavo Vilar. Também tem um certo tom carro-de-boi, aquela lentidão acelerada somente pelas rodas de madeira. E pelos pés que dançam e conversam com casas quando chega a noite estrelada e é hora de assentar o chão de uma moradia de taipa que acaba de ser levantada.

(© Continente Multicultural)


VÍDEO

É de Babadão (Coco de Tebei - Tacaratu/PE)

 

Com relação a este tema, saiba mais (arquivo NordesteWeb)


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