O grupo lança amanhã, no Santa Isabel, um disco em que transita pela música
de raiz, pela erudita e até a circense
José Teles
teles@jc.com.br
O SaGrama
está de volta ao disco com o CD Chão batido, palco, picadeiro (pelo selo
carioca Humaitá Music), que será lançado amanhã no Teatro de Santa Isabel,
às 20h. O sétimo CD do grupo (em dez anos de carreira) é um trabalho
conceitual e com uma sonoridade diferente do que se costuma escutar com em
outros álbuns, mas sem mudanças radicais: “A instrumentação continua quase a
mesma, acrescentamos apenas uma sanfona de oito baixos e contamos com
participações de Wagner Tiso de Yamandu Costa”, comenta Sérgio Campelo,
flautista e diretor musical do SaGrama. Da cena local muita gente veio dar
uma mãozinha ao grupo, entre estes Marcos César, e Marcelo Melo e Toinho
Alves, do Quinteto Violado. Vale lembrar que o disco anterior do SaGrama
privilegiava a música carnavalesca, enquanto este álbum novo tem um
repertorio bem variado onde cabem desde Ernesto Nazareth até Alceu Valença.
Aliás o SaGrama é aberto a músicas e convidados que aparentemente não tem a
ver com sua linha. Em Tábua de pirolito contaram com o Daruê Malungo e o
guitarrista Fred Andrade.
Campello
ressalta o apoio recebido da Petrobras: “É o que sustenta a cultura no país
hoje, os patrocínios”. É isto que viabiliza não apenas turnês do grupo, como
barateia o preço dos discos – o que está sendo lançado custará R$15,
enquanto a entrada é franca. Os ingressos podem ser apanhados na bilheteria
do teatro a partir de duas horas antes do espetáculo.
No título
está explícito os três momentos do disco: “Chão batido seria mais a música
de raiz, do forró aos sons e ritmos da zona rural, enquanto em palco
pendemos mais para o erudito, à música de câmara, embora baseada na música
de raiz. Picadeiro, por sua vez, tem algo de intinerante, fica entre o
popular e o erudito, seria a música dos circos que circulam pelas cidade do
interior”, explica Campelo, lembrando que a SaGrama está com lançamentos
marcados no Rio, São Paulo, Belo Horizonte e Brasília: “A gente tem feito
muita coisa fora de Pernambuco. Lá fora é sempre legal, às vezes a aceitação
chega a ser surpreendente. A cultura pernambucana é muito bem aceita”,
comenta.
O que torna
ainda mais fácil esta aceitação é o fato do SaGrama, embora integrado por
músicos de formação de conservatório passa por longe do hermetismo, e é isto
que ratifica Antonio Nóbrega. “O trabalho do SaGrama vem contrariar esse
conceito tão difundido pela ideologia cultural dominante de que boa arte é
chata. Esse é mais um desses deformados e deformadores conceitos que nos
empurram diariamente pela mídia massificadora e irresponsável”.
É comum em
outros Estados, e não poucas vezes aqui mesmo, se enquadrar o SaGrama nas
hostes do movimento armorial, pelos instrumentos acústicos, pela música
nordestina. Sérgio Campelo garante que isto não incomoda nem a ele nem aos
demais integrantes do grupo, mas o que existe entre o SaGrama e o armorial
são apenas algumas semelhanças: “Fazemos música nordestina, usamos escala
mixolídia, enfim, bebemos na mesma fonte. Com certeza temos algumas
influências do armorial, como temos do Quinteto Violado, da música erudita.
Mas não somos armoriais”.
Ou como diz
Bráulio Tavares na apresentação do álbum: “Este disco do SaGrama tem um
grande número de canções familiares ao público brasileiro: ali estão Luiz
Gonzaga, Alceu Valença, Quinteto Violado. Mesmo quando emergem as
composições originais do grupo, logo percebemos os timbres, as texturas
sonoras, as tensões e resoluções melódicas tão familiares à nossa maneira
nordestina de imaginar a música”. No lançamento de amanhã, o SaGrama não
poderá contar, por questão de agenda, com Wagner Tiso e Yamandu.
Em
compensação arregimentaram uma seleção de grandes músicos locais, começando
por Nilsinho e Enock, da Trombonada (e da Spokfrevo Orquestra), o
bandolinista Marcos César, Viviane e Michele Pimentel. O repertório será
basicamente o do novo disco, com peças de trabalhos anteriores.
PONTE MUSICAL
Em Chão
batido, palco, picadeiro, o SaGrama, de certa forma, faz uma espécie de
ponte entre o Quinteto Violado, dos anos 70, com o Quinteto Armorial. Não
por acaso, o repertório do CD é aberto com Vaquejada (Marcelo Melo, Toinho
Alves e Luciano Pimentel), que conta com a participação da dupla fundadora
do Quinteto Violado, Marcelo Melo e Toinho Alves, a quem o disco é dedicado
(foi uma de suas últimas gravações). As três faixas seguintes, Banana
machucada, Cuscuz, e Batata doce, são assinadas por Sérgio Campelo, que
colore as melodias com um fole de oito baixos. Mundo do lua é um pot-pourri
de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, que o grupo já vinha fazendo ao vivo. O
trabalho saiu tão redondo que quase não se sente a passagem do chão batido
para o palco e picadeiro, da qual faz parte uma endiabrada interpretação de
Escorregando, de Ernesto Nazareth.
A riqueza
instrumental do grupo, aliada ao talento dos músicos, chega a momentos
surpreendentes e sonoridades originais, como acontece em Moringa de barro,
um baião de Luís Guimarães, simples, mas com acompanhamento complexo e
divertido como algumas peças de Hermeto Pascoal, a bela Porto da saudade, de
Alceu Valença, torna-se ainda mais bela com roupagem de música de câmara. Um
disco em que o SaGrama aprimora ainda mais sua arte.
O grupo instrumental SaGrama dá seqüência ao estudo armorial das músicas
de festas nordestinas. Depois do disco Tenha modos - lançado logo após o
Carnaval do ano passado - o grupo se debruça sobre as músicas do ciclo
junino. Apresenta, no álbum Chão Batido, palco e picadeiro (o primeiro
sob um selo carioca, Humaitá) não só músicas vinculadas a gêneros como
baião, xote e quadrilha, mas faz uma divisão conceitual empírica, ao
relacionar cada parte do título: chão batido, palco e picadeiro, a um
conjunto específico de composições. No geral, é mais um belo disco do
SaGrama.
SaGrama lança álbum
Chão Batido, palco e picadeiro com um show no Teatro de Santa
Isabel.Foto: Helder Ferrer/Divulgação
Mesmo passeando por outros gêneros, a identidade cultural
do grupo formou uma assinatura tão marcante, que transcende à proposta
mais elaborada. O ouvinte tem duas opções: ouvir o álbum e se deixar
levar pelas construções harmônicas, rítmicas e melódicas que estabelecem
ligações diversas com o interior (as festas populares, o circo, etc) ou
apreciar as músicas dentro da sua proposta.
O chão batido, segundo o flautista e arranjador Sérgio Campelo
representa a música mais popular, de raiz mesmo, dos folguedos da Zona
da Mata e Agreste. Palco são as músicas mais intimistas, mais
elaboradas, um erudito experimental criado a partir dos conhecimentos
dos gêneros populares. O picadeiro é o grupo de músicas de
característica mais alegre, itinerante, engraçada. A maior parte das
composições segue a linha do popular, do chão batido. Destaque para
Vaquejada (de Marcelo Mello e Toinho Alves). Foi uma das últimas
participações de Toinho Alves em vida, por isso mesmo, o disco é uma
homenagem a outro importante armorial da música pernambucana. Banana
machucada, Cuscuz e Batata doce são outras três músicas desse universo.
Nas suas células rítmicas correm o DNA do xote, do baião e do "rasta-pé"
ou quadrilha, respectivamente.
Nesta parte tem também a faixas Moringa de Barro (baião de Luis
Guimarães), que exigiu do SaGrama mais uma inovação instrumental. Foram
construídas moringas nos tons médio, grave e agudo, que substituíram as
percussões tradicionais. Como não poderia faltar, já que o assunto é
"chão batido", há o pout-pourri Mundo do Lua, com clássicos de Luis
Gonzaga e Humberto Teixeira. Palco tem versões, como a de Coco da
Saudade (de Alceu Valença), Candeias (do violeiro SaGrama Cláudio
Moura), Morro do Galo (composição do violeiro e arranjador do grupo,
Caçapa), além de Cascalho (também de Cláudio) cuja percussão é feita com
palmas de mão. Roda povo é uma ciranda de Sérgio Campelo, com
participação de Enoc Cgaas no trompete e Nilsinho Amarante no trombone.
A sessão "picadeiro" tem quatro faixas. Escorregando (choro de Ernesto
Nazareth com participação de Yamandu Costa), Samba um (Cláudio Moura),
Carranca (choro baião de Marco César, com o violão solado pelo próprio)
e Picadeiro, outra música do flautista Sérgio, que é uma junção de
vários fragmentos da peça Fernando e Isaura, cuja trilha foi do SaGrama.
Após um ano de elaboração, o SaGrama parte com a turnê do disco, que vai
chegarno Sudeste ano que vem. O cancioneiro festivo de Pernambuco ainda
está na mira. Sem nada definido, mas o SaGrama já começa a voltar seus
conceitos sonoros para músicas adormecidas, da religião e do Natal.
Serviço
Lançamento do CD Chão Batido, palco, picadeiro
Quando: hoje, às 20h
Onde: Teatro Santa Isabel
Quanto: aberto ao público (ingressos devem ser tirados da bilheteria,
duas hora antes do espetáculo)