O jornalista Homero Fonseca tomou uma decisão
corajosa. Abandonou um projeto bem sucedido de
revista cultural para se dedicar integralmente à
literatura. Pelo que se pode tomar do seu mais
recente livro, Roliúde, quem poderá sair
ganhando são as letras brasileiras. Nesta
entrevista, concedida ao correspondente do Café
Colombo na Feira do Livro de Porto Alegre, Fábio
Gomes, Homero explica as razões de ter saído da
revista Continente Multicultural, fala da
organização da próxima Bienal do Livro de
Pernambuco e ainda de seus projetos literários.
Por Fábio Gomes
O escritor e jornalista pernambucano Homero Fonseca esteve no Rio Grande
do Sul entre os dias 3 e 5 de novembro, participando da 54ª Feira do Livro
de Porto Alegre, justamente num momento de importantes mudanças em sua vida,
onde a palavra de ordem é “desacelerar”. Três dias antes de viajar ao Sul,
Homero afastou-se do cargo de superintendente de edição da revista
Continente Multicultural, onde trabalhou nos últimos oito anos; e ao
retornar a Pernambuco, passou a dividir sua semana entre São José da Coroa
Grande e o Recife, equilibrando seu tempo entre novos projetos literários e
a curadoria da Bienal Internacional do Livro de Pernambuco, como ele mesmo
nos explica nesta entrevista gravada no último dia de sua recente estada em
Porto Alegre, 5 de novembro.
FABIO GOMES – Quais foram as circunstâncias que levaram o
senhor a optar por sair da revista Continente?
HOMERO FONSECA – Eu passei oito anos na revista, com
muita honra e com muito prazer. Fui primeiro editor executivo, depois
editor, diretor editorial e por último superintendente de edição. E
realmente, foi uma etapa importante da vida. Agora eu estou partindo para
desacelerar um pouco meu ritmo diário de trabalho. Vou morar com minha
esposa em São José da Coroa Grande, mas vou manter um escritório no Recife,
onde irei dois, três dias por semana para fazer contatos. De São José,
continuarei trabalhando no meu laptop, o mundo hoje, a partir do advento da
Internet, é uma aldeia global como (Marshall) McLuhan nunca sonhou. Eu tenho
vários projetos em andamento. O primeiro é a própria curadoria da Bienal
2009, que a partir de agora temos que nos debruçar com muito afinco. Além da
Bienal, eu tenho três projetos de livro em processo de análise no MinC
(Ministério da Cultura), para receber o certificado da Lei Rouanet, que são
sobre toponímia de três estados nordestinos, a exemplo do que eu fiz com
Pernambucânia – O que Há nos Nomes das Nossas Cidades (2006) –
procurando, numa perspectiva multidisciplinar, o significado dos nomes das
cidades do ponto de vista histórico, etimológico, cultural, filológico,
geográfico etc. E tenho o esboço de outro romance, ainda sem título. De São
José eu acho que vou conseguir fazer com mais tempo e com mais
tranqüilidade.
FABIO GOMES – Um dos anúncios que já foi feito aqui na
Feira do Livro de Porto Alegre, relativo à próxima Bienal Internacional do
Livro de Pernambuco, é que o Rio Grande do Sul será o estado homenageado em
2009. Vocês já têm alguma diretriz a seguir para a montagem dessa
programação?
HOMERO FONSECA – Veja só: em primeiro lugar vamos
ressaltar que nisso há uma recíproca. Houve o convite da Feira do Livro de
Porto Alegre, que já está na sua 54ª edição, é a mais tradicional do Brasil,
provavelmente da América Latina, é um belíssimo evento cultural, e que neste
ano homenageou Pernambuco, proporcionando a vinda de duas dezenas de
escritores, que viemos debater, lançar livros, apresentar nossas obras,
fazer intercâmbio com o público e outros escritores. Como recíproca, como
contrapartida, nós vamos, levar uma delegação gaúcha à próxima Bienal do
Recife. Agora, não podemos adiantar nada, porque vamos formalizar à Câmara
Riograndense do Livro, que é a promotora da Feira daqui, o convite para que
ela lidere esse processo, em articulação com outras entidades locais,
Governo do Estado, Prefeitura de Porto Alegre, para dizer quem serão os
convidados, que elementos culturais gaúchos serão levados para o público
pernambucano. Na nossa participação aqui este ano, a literatura foi o foco,
os escritores foram os protagonistas. Mas isso não é uma coisa isolada. Isso
está dentro do universo cultural geral de Pernambuco. Então nós trouxemos
pra cá a literatura de cordel, as xilogravuras de J. Borges, emboladores,
violeiros, músicos, dançarinos… O Ariano Suassuna deu a aula-espetáculo Nau,
que é uma grande síntese da cultura pernambucana e nordestina, com imensa
receptividade. Isso também nós esperamos que os gaúchos façam, que levem
outros aspectos importantes (de sua cultura), como uma forma de dar maior
conhecimento mútuo de nossas culturas, dos nossos saberes. Pode parecer um
discurso provinciano – mas não é – o fato de que nós denunciamos, e os
gaúchos concordam com isso, essa hegemonia que há séculos se estabelece no
eixo Rio-São Paulo, como se só se escrevesse, houvesse música, houvesse
cultura no Rio e São Paulo. E esse intercâmbio Rio Grande-Pernambuco – e que
vai continuar, tanto aqui quanto lá, com outros estados – vai proporcionar
uma demonstração da diversidade cultural brasileira, que não passa só por
aquilo que é produzido no Rio e São Paulo. Nós não negamos o que é produzido
lá; nós negamos é que seja a única coisa válida em termos de cultura
brasileira.
FABIO GOMES – Eu vi no estande de Pernambuco aqui na Feira
uma entrevista sua à Globo Nordeste, falando que a idéia inicial para seu
romance Roliúde (2007) tem alguma ligação com o grande escritor
pernambucano Hermilo Borba Filho. Qual é a ponte que liga a idéia do romance
a Hermilo, e quanto há de Hermilo no resultado final?
HOMERO FONSECA – Eu não sou o mais indicado a dizer algo
sobre o resultado final, os leitores e os críticos é que vão dizer. Pra mim,
muito me honra qualquer vinculação com Hermilo, que foi não só um grande
romancista e contista, como grande dramaturgo, diretor de teatro, estudioso
da cultura popular, pesquisador, animador cultural – um líder cultural
pernambucano da maior importância. A coisa aconteceu quando eu tava lendo um
livro sobre Pré-História do Nordeste. Veja como são tortuosos os caminhos da
literatura… O livro (Pré-História do Nordeste do Brasil) é de
autoria da professora da Universidade Federal de Pernambuco, Gabriela
Martin. Lá pras tantas, ela se referindo àquelas inscrições rupestres,
àquelas pinturas de caverna, ela diz que aquilo não é arte, as pessoas às
vezes confundem, aquilo é comunicação. Às vezes, comunicação com o sagrado,
às vezes comunicação de documentação da vida cotidiana. A partir daí, ela
faz uma digressão sobre a necessidade humana de se comunicar, de contar
história em variadas circunstâncias… Todo tipo de sociedade tem esses
contadores de histórias, essas pessoas que fazem esse registro da memória
coletiva. E aí diz que Hermilo Borba Filho, certa vez, tinha se referido a
um personagem que ele conheceu na Amazônia que era um contador de filmes,
que ia de barco pelo Rio Amazonas subindo, enveredando pelos igarapés,
parando pelas aldeias e aldeolas e narrando os filmes e ganhando dinheiro.
Quando eu li esse trechinho do livro da Pré-História nordestina, eu digo
“Nossa Senhora! Que personagem maravilhoso! Que personagem de ficção! Como
se pode desenvolver a história de um camarada desses!” E comecei a esboçar o
romance. Aliás, esse romance que eu vou concluir agora, eu já vinha
começando a pensar nele, abandonei porque esse (Roliúde) veio mais
forte. E comecei a me dedicar a construir o personagem, um contador de
história. Teria que ser um personagem pícaro, de grande oralidade, de grande
verve pra poder prender e fascinar as platéias a ponto de viver disso,
ganhar dinheiro com isso. Só que no iniciozinho eu já percebi que não podia
fazer exatamente como Hermilo tinha falado, na Amazônia, porque eu não
conheço a Amazônia, não conheço os costumes, a mentalidade, a fauna, o
meio-ambiente… como é que ia ser? Então eu vi que poderia ser no Nordeste,
onde é comum ter contadores de filmes amadores, nas casas de família, nos
colégios, nas praças e tal; apenas o transformei num profissional. E por
esse caminho tortuoso eu produzi Roliúde, tendo esse personagem picaresco,
Bibiu, como protagonista. E diria que o que há de comum com Hermilo – que em
nenhum momento eu tomei como modelo, nada disso -: eu sempre li Hermilo,
conheço boa parte da obra dele, admiro muito, mas sem dúvida a temática tem
a ver, o homem inserido naquele seu espaço regional sem ser regionalista,
sem ser provinciano, em nenhum momento negando sua configuração própria, o
seu caráter próprio e ao mesmo tempo universal.
FABIO GOMES – Já falamos de Pernambucânia e
Roliúde. Antes desses, o senhor lançou outros quatro livros, Viagem
ao Planeta dos Boatos (1996), A Vida é Fêmea (2000), Mário
Melo: A Arte de Viver Teimosamente (2001) e Pequeno Teatro da Vida
(2002). Um livro-reportagem, uma biografia, e dois livros de contos e
crônicas.
HOMERO FONSECA - Mário Melo é um perfil, não
chega a ser uma biografia. Viagem ao Planeta dos Boatos é um
livro-reportagem. Eu sempre amei a literatura, mas enveredei pelo jornalismo
para ganhar a vida. São duas atividades paralelas, ambas trabalham com a
palavra, mas não se confundem em nenhum momento. E de um campo você aprende
pra ir para o outro. Por exemplo: da literatura, eu aprendi para o
jornalismo a tentar escrever de maneira mais elegante, de maneira menos
comum. Do jornalismo para a literatura, eu aprendi a observação da vida, dos
tipos humanos, que vão ser minha matéria-prima para a ficção. Agora, a
literatura exige sugestão, exige ambigüidade, exige que o leitor tenha uma
parcela de construção do texto, do conteúdo, do personagem, enquanto que no
jornalismo é o contrário: você tem que ter o possível de precisão, de
objetividade, de deixar claro para o leitor os fatos que aconteceram. Essas
duas vertentes então sempre estiveram próximas a mim. O primeiro livro foi
justamente um livro-reportagem, sobre um fenômeno que aconteceu no Recife em
1975. Foi uma grande enchente, seguida de um boato de que a barragem do
Tapacurá havia estourado, provocando um pânico coletivo na cidade. Fiz
matéria pro jornal, na época eu trabalhava no Estadão. Em seguida, fui
aprofundando, vendo aquilo à luz da psicologia social, da sociologia, do
jornalismo, da política, da cultura, comparando com outros casos semelhantes
de pânico produzidos por rumores e produzi esse primeiro livro. Meu segundo
livro foi de contos, A Vida é Fêmea. São contos de uma temática só: mulheres
em ação erótica, urbanas, liberadas, com nível de informação muito grande,
com o grande problema da responsabilidade por sua liberdade, que é a
essência da questão existencial, e também com suas indecisões. É bem
diferente de Roliúde. Aí não tem nada a ver com cultura popular nem com
oralidade. Há outra oralidade… (risos).