José Teles
teles@jc.com.br
Luiz “Lua” Gonzaga, que
este mês faria 96 anos,
foi um sujeito de pavio curto, irascível. Um homem mandão, coronelesco, e
paradoxalmente generoso, amigo, solidário. Enfim, dono de uma personalidade
complexa, que nenhuma dos seus biógrafos analisou com maior profundidade.
Isto se deve ao fato de consultarem mais parentes próximos, conferir
entrevistas, e deixar em segundo plano quem mais convivia com ele no dia a
dia: músicos, amigos e compositores. Afinal, Gonzagão passava meses fora de
casa, rodando pelo Brasil, patrocinado por empresas como o Colírio Moura
Brasil e Banorte. Foi, provavelmente, o artista brasileiro que mais foi até
onde o povo estava. Raros foram os municípios do país não visitados por ele.
Rara também a cidade na qual ele não tivesse um “compadre”. Nessas andanças
não foram poucos os “causos” acontecido com Gonzagão grande parte sem
registro em livros. Vamos a alguns.
O COMPADRE
Conta Marcelo
Melo, do Quinteto Violado, que fez muita excursão com “seu” Luiz, que certo
dia eles iam tocar no interior de São Paulo, e mal entraram na cidade, Luiz
Gonzaga mandou que o motorista do ônibus se dirigisse a uma determinada rua
onde morava um dos "compadres" dele. O ônibus parou em frente à casa do
compadre que, quando viu Luiz Gonzaga perguntou: “Oi, Luiz, o que é que tás
fazendo por aqui?!” Luiz Gonzaga respondeu, na bucha: “Vinha fazer um show”.
E o compadre, estranhando: “Vinha? Não vai fazer mais não? Por quê?” E o
irascível Rei do Baião: “Ôxe, se tu, que é meu compadre, não sabe sobre o
show, que dirá o povo! Não vai dar ninguém, e eu vou embora”.
A VOZ DO DONO
Em 1973, Luiz
Gonzaga ia casar a filha Rosinha, mas o dinheiro estava curto. A saída foi
pedir um adiantamente à RCA, onde estava desde os anos 40. O novo presidente
da empresa, um tal Mr. Evans, negou o adiantamento. Gonzagão irritou-se e
foi falar pessoalmente com o gringo. Chegou no andar da presidência, foi
barrado pela secretária. A iritação virou fúria: “PQP, há mais de 30 anos
trabalho na RCA, e só vejo o cachorro, nunca o dono! (o cachorro no caso era
o cãozinho latindo para um gramofone, no logotipo da RCA). Dito isto,
emburacou no gabinete de Mr. Evans, e pediu rescisão de contrato. Quem lhe
conseguiu o adiantamente e um contrato na Odeon, foi o também pernambucano
Fernando Lobo (pai de Edu Lobo). Ironicamente, foi o mesmo Fernando Lobo
quem havia proibido Luiz Gonzaga de cantar na Rádio Tamoio, da qua era
diretor, alegando que ele havia sido contrato como sanfoneiro, portanto só
podia tocar sanfona.
O REGGAE
José
Oliveira, mais conhecido por Zé da Flauta, como integrante do Quinteto
Violado, nos anos 70, fez muita viagens pelo Brasil com Luiz Gonzaga, uma
dobradinha musical adorada pelo povo. Mas nunca se aproximou muito de “seu”
Luiz, porque este raramente abria a guarda. Uma vez, na estrada, Zé da
Flauta notou que Gonzagão tamborilava com os dedos no braço da poltrona do
ônibus, acompanhando um reggae de Bob Marley, que tocava no som-ambiente.
“Quando a música terminou, eu tentei puxar assunto: e aí, seu Luiz gostou do
reggae?”. Luiz Gonzaga voltou-se para ele, com o jeito meio abusado
característico, e respondeu: “Que régue, que nada! Isto é só um xote metido
a besta!”
RECOLHE O
DISCO
De passagem
para o Exu, Gonzagão fez uma visita a Onildo Almeida para mostrar seu novo
LP. Onildo olhou o disco, e notou um erro na capa: “Comigo ele nunca ficava
brabo não. Costumo dizer tudo na cara, e fiz isso naquele dia. Olhei pra ele
e falei: Luiz me admiro você, um nordestino, que sabe tudo do Nordeste,
deixar que botem um título deste na capa do disco: “De fiá pavi”. Gonzagão
pegou o álbum, olhou pra capa, para Onildo e questionou: “Que é que tem de
errado?” E Onildo: “Mas, homem, a expressão é de fi a pavi (de fio a pavio,
equivalente a de cabo a rabo). Onildo conta que quando Gonzagão se deu conta
do erro, ligou para a gravadora a fim de que os LPs fossem recolhidos. Não
foram, já estavam distribuídos pela lojas Brasil afora. Até hoje o álbum
continua com o título, que não significa absolutamente nada.
ERRADO ATÉ O
FIM Sérgio Gonzaga, filho de Chiquinha Gonzaga, única irmã de Gonzagão que
se tornou cantora (e ainda continua na profissão, aos 82 anos), nos anos 70
trabalhou com o tio, como zabumbeiro e motorista do automóvel que o levava
para shows pelo interior do Nordeste, em época de vacas magérrimas para o
Rei do Baião. Uma noite, voltavam para Exu, onde Gonzaga já havia montado
casa, no hoje parque Aza Branca (com Z mesmo). Acontece que há dois caminhos
para chegar à cidade. Um deles, que passa por Bodocó, alonga o trajeto em 60
quilômetros. Sonolento, Sérgio Gonzaga pegou o caminho errado. Quando notou,
já havia dirigido uns dez quilômetros. Respirou fundo, tomou coragem e
falou, “Tio, peguei o caminho errado. Volto?” E Gonzagão, sem nem sequer
olhar pra ele: “Não. Agora vai errado até o fim!”
FISCAL
FULEIRO
Luiz Gonzaga,
instrumentista intuitivo, músico desde menino, aprendendo de ouvido, não
tinha a menor paciência com os burocratas da ordem dos músicos. Certa vez,
nos estúdios da RCA, no Rio ameaçou bater num fiscal que lhe exigia a
famigerada carteirinha da ordem. Não se sabe como o fiscal entrou no
estúdio. Quando Gonzagão entendeu o que ele queria, e que o sujeito ameaçava
parar a gravação se não visse as carteiras da ordem, Gonzagão correu atrás
dele. Acuado num canto da sala, o fiscal afinou: “Seu Luiz, pelo amor de
Deus não faça nada comigo não, Sou seu fã. Lá em casa tem até um pé de
laranja que tem seu nome!”
FISCAL
FULEIRO 2
Outro
episódio com fiscal da Ordem dos Músicos aconteceu em Arcoverde, no Agreste
pernambucano. Quem conta o caso é Arlindo dos Oito Baixos, sanfoneiro que
acompanhou Luiz Gonzaga em shows pelo Nordeste durante 18 anos. “A gente ia
tocar em praça pública, em cima de um caminhão. Quando seu Luiz ia subindo
um rapaz falou com ele. Queria ver a carteira da ordem”. O que Gonzagão
mostrou ao rapaz foi um gesto universal. Estendeu-lhe a mão, com o dedo
médio em riste e foi curto e grosso: “Aqui pra tu, ó!”
ANTES SÓ
A pior fase
na carreira de Luiz Gonzaga, ao menos em termos econômicos, aconteceu nos
anos 70. Curiosamente, depois do show Volta pra curtir, no Rio, a sua
redescoberta pela classe média urbana, que só o curtiu mesmo durante alguns
meses. Depois disto, seu Luiz teve que retornar para os grotões sertanejos,
onde estava o povão que nunca o esqueceu, no meio do qual nunca deixou de
fazer sucesso.
Era comum,
por volta de 1974, 75, Luiz Gonzaga viajar sem conjunto. Apenas com a
sanfona. Ivan Bulhões, que apresenta um programa de forró, na Radio Jornal,
de Caruaru (antiga Rádio Difusora) há 45 anos (o mais antigo do gênero),
teve sua época de produtor, inclusive agenciando shows de Gonzagão. Uma
noite, ele foi esperar o Rei do Baião na rodoviária da cidade, nesta época
ainda no Centro. Seu Luiz desceu do ônibus sozinho, com o instrumento a
tiracolo. Querendo agradá-lo Bulhões falou: “Sozinho, seu Luiz?” A resposta:
“Antes só que mal acompanhado!”
EU SOU O
FORRÓ
Ainda Ivan
bulhões. Ele conta que em meados dos anos 70 contratou um show para Luiz
Gonzaga, numa cidade no interior da Paraíba. Um show em praça pública.
Depois da apresentação, ele foi convidado pelo prefeito para o clube da
cidade, onde acontecia uma festa. Lá pras tantas, pediram que Luiz Gonzaga
desse uma canja, coisa que ele raramente aceitava fazer. Mas daquela vez
pegou sua sanfona e cantou de graça. Os casais todos dançando o melhor forró
do mundo, e nem aí para Gonzagão. Ele notou que ninguém dava a mínima para
ele, ninguém o olhava. Em dado momento, perdeu a paciência. Deesceu do
palco: “Ô bando de fi duma égua, tão ligando pra mim não é? Pois saiba que
quem inventou isso fui eu, o baião, o xote, o xamego...” E se foi, porta
afora.