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Os causos de Gonzagão

14/12/2008

 

 

Foto: Divulgação

Luiz Gonzaga

José Teles
teles@jc.com.br

Luiz “Lua” Gonzaga, que este mês faria 96 anos, foi um sujeito de pavio curto, irascível. Um homem mandão, coronelesco, e paradoxalmente generoso, amigo, solidário. Enfim, dono de uma personalidade complexa, que nenhuma dos seus biógrafos analisou com maior profundidade. Isto se deve ao fato de consultarem mais parentes próximos, conferir entrevistas, e deixar em segundo plano quem mais convivia com ele no dia a dia: músicos, amigos e compositores. Afinal, Gonzagão passava meses fora de casa, rodando pelo Brasil, patrocinado por empresas como o Colírio Moura Brasil e Banorte. Foi, provavelmente, o artista brasileiro que mais foi até onde o povo estava. Raros foram os municípios do país não visitados por ele. Rara também a cidade na qual ele não tivesse um “compadre”. Nessas andanças não foram poucos os “causos” acontecido com Gonzagão grande parte sem registro em livros. Vamos a alguns.

O COMPADRE

Conta Marcelo Melo, do Quinteto Violado, que fez muita excursão com “seu” Luiz, que certo dia eles iam tocar no interior de São Paulo, e mal entraram na cidade, Luiz Gonzaga mandou que o motorista do ônibus se dirigisse a uma determinada rua onde morava um dos "compadres" dele. O ônibus parou em frente à casa do compadre que, quando viu Luiz Gonzaga perguntou: “Oi, Luiz, o que é que tás fazendo por aqui?!” Luiz Gonzaga respondeu, na bucha: “Vinha fazer um show”. E o compadre, estranhando: “Vinha? Não vai fazer mais não? Por quê?” E o irascível Rei do Baião: “Ôxe, se tu, que é meu compadre, não sabe sobre o show, que dirá o povo! Não vai dar ninguém, e eu vou embora”.

A VOZ DO DONO

Em 1973, Luiz Gonzaga ia casar a filha Rosinha, mas o dinheiro estava curto. A saída foi pedir um adiantamente à RCA, onde estava desde os anos 40. O novo presidente da empresa, um tal Mr. Evans, negou o adiantamento. Gonzagão irritou-se e foi falar pessoalmente com o gringo. Chegou no andar da presidência, foi barrado pela secretária. A iritação virou fúria: “PQP, há mais de 30 anos trabalho na RCA, e só vejo o cachorro, nunca o dono! (o cachorro no caso era o cãozinho latindo para um gramofone, no logotipo da RCA). Dito isto, emburacou no gabinete de Mr. Evans, e pediu rescisão de contrato. Quem lhe conseguiu o adiantamente e um contrato na Odeon, foi o também pernambucano Fernando Lobo (pai de Edu Lobo). Ironicamente, foi o mesmo Fernando Lobo quem havia proibido Luiz Gonzaga de cantar na Rádio Tamoio, da qua era diretor, alegando que ele havia sido contrato como sanfoneiro, portanto só podia tocar sanfona.

O REGGAE

José Oliveira, mais conhecido por Zé da Flauta, como integrante do Quinteto Violado, nos anos 70, fez muita viagens pelo Brasil com Luiz Gonzaga, uma dobradinha musical adorada pelo povo. Mas nunca se aproximou muito de “seu” Luiz, porque este raramente abria a guarda. Uma vez, na estrada, Zé da Flauta notou que Gonzagão tamborilava com os dedos no braço da poltrona do ônibus, acompanhando um reggae de Bob Marley, que tocava no som-ambiente. “Quando a música terminou, eu tentei puxar assunto: e aí, seu Luiz gostou do reggae?”. Luiz Gonzaga voltou-se para ele, com o jeito meio abusado característico, e respondeu: “Que régue, que nada! Isto é só um xote metido a besta!”

RECOLHE O DISCO

De passagem para o Exu, Gonzagão fez uma visita a Onildo Almeida para mostrar seu novo LP. Onildo olhou o disco, e notou um erro na capa: “Comigo ele nunca ficava brabo não. Costumo dizer tudo na cara, e fiz isso naquele dia. Olhei pra ele e falei: Luiz me admiro você, um nordestino, que sabe tudo do Nordeste, deixar que botem um título deste na capa do disco: “De fiá pavi”. Gonzagão pegou o álbum, olhou pra capa, para Onildo e questionou: “Que é que tem de errado?” E Onildo: “Mas, homem, a expressão é de fi a pavi (de fio a pavio, equivalente a de cabo a rabo). Onildo conta que quando Gonzagão se deu conta do erro, ligou para a gravadora a fim de que os LPs fossem recolhidos. Não foram, já estavam distribuídos pela lojas Brasil afora. Até hoje o álbum continua com o título, que não significa absolutamente nada.

ERRADO ATÉ O FIM Sérgio Gonzaga, filho de Chiquinha Gonzaga, única irmã de Gonzagão que se tornou cantora (e ainda continua na profissão, aos 82 anos), nos anos 70 trabalhou com o tio, como zabumbeiro e motorista do automóvel que o levava para shows pelo interior do Nordeste, em época de vacas magérrimas para o Rei do Baião. Uma noite, voltavam para Exu, onde Gonzaga já havia montado casa, no hoje parque Aza Branca (com Z mesmo). Acontece que há dois caminhos para chegar à cidade. Um deles, que passa por Bodocó, alonga o trajeto em 60 quilômetros. Sonolento, Sérgio Gonzaga pegou o caminho errado. Quando notou, já havia dirigido uns dez quilômetros. Respirou fundo, tomou coragem e falou, “Tio, peguei o caminho errado. Volto?” E Gonzagão, sem nem sequer olhar pra ele: “Não. Agora vai errado até o fim!”

FISCAL FULEIRO

Luiz Gonzaga, instrumentista intuitivo, músico desde menino, aprendendo de ouvido, não tinha a menor paciência com os burocratas da ordem dos músicos. Certa vez, nos estúdios da RCA, no Rio ameaçou bater num fiscal que lhe exigia a famigerada carteirinha da ordem. Não se sabe como o fiscal entrou no estúdio. Quando Gonzagão entendeu o que ele queria, e que o sujeito ameaçava parar a gravação se não visse as carteiras da ordem, Gonzagão correu atrás dele. Acuado num canto da sala, o fiscal afinou: “Seu Luiz, pelo amor de Deus não faça nada comigo não, Sou seu fã. Lá em casa tem até um pé de laranja que tem seu nome!”

FISCAL FULEIRO 2

Outro episódio com fiscal da Ordem dos Músicos aconteceu em Arcoverde, no Agreste pernambucano. Quem conta o caso é Arlindo dos Oito Baixos, sanfoneiro que acompanhou Luiz Gonzaga em shows pelo Nordeste durante 18 anos. “A gente ia tocar em praça pública, em cima de um caminhão. Quando seu Luiz ia subindo um rapaz falou com ele. Queria ver a carteira da ordem”. O que Gonzagão mostrou ao rapaz foi um gesto universal. Estendeu-lhe a mão, com o dedo médio em riste e foi curto e grosso: “Aqui pra tu, ó!”

ANTES SÓ

A pior fase na carreira de Luiz Gonzaga, ao menos em termos econômicos, aconteceu nos anos 70. Curiosamente, depois do show Volta pra curtir, no Rio, a sua redescoberta pela classe média urbana, que só o curtiu mesmo durante alguns meses. Depois disto, seu Luiz teve que retornar para os grotões sertanejos, onde estava o povão que nunca o esqueceu, no meio do qual nunca deixou de fazer sucesso.

Era comum, por volta de 1974, 75, Luiz Gonzaga viajar sem conjunto. Apenas com a sanfona. Ivan Bulhões, que apresenta um programa de forró, na Radio Jornal, de Caruaru (antiga Rádio Difusora) há 45 anos (o mais antigo do gênero), teve sua época de produtor, inclusive agenciando shows de Gonzagão. Uma noite, ele foi esperar o Rei do Baião na rodoviária da cidade, nesta época ainda no Centro. Seu Luiz desceu do ônibus sozinho, com o instrumento a tiracolo. Querendo agradá-lo Bulhões falou: “Sozinho, seu Luiz?” A resposta: “Antes só que mal acompanhado!”

EU SOU O FORRÓ

Ainda Ivan bulhões. Ele conta que em meados dos anos 70 contratou um show para Luiz Gonzaga, numa cidade no interior da Paraíba. Um show em praça pública. Depois da apresentação, ele foi convidado pelo prefeito para o clube da cidade, onde acontecia uma festa. Lá pras tantas, pediram que Luiz Gonzaga desse uma canja, coisa que ele raramente aceitava fazer. Mas daquela vez pegou sua sanfona e cantou de graça. Os casais todos dançando o melhor forró do mundo, e nem aí para Gonzagão. Ele notou que ninguém dava a mínima para ele, ninguém o olhava. Em dado momento, perdeu a paciência. Deesceu do palco: “Ô bando de fi duma égua, tão ligando pra mim não é? Pois saiba que quem inventou isso fui eu, o baião, o xote, o xamego...” E se foi, porta afora.

 

(© JC Online)

 


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