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Roque Pereira Araújo, o braço direito de Glauber

14/12/2008

 

 

Foto: ABCV

Roque Araújo, 50 Anos de Cinema
 

Baiano de 71 anos conta como trabalhou ao lado do cineasta Glauber Rocha, fala do raro acervo que guarda do diretor e lembra de bastidores de grandes clássicos do cinema nacional

José Teles
teles@jc.com.br

O baiano, de Salvador, Roque Pereira Araújo, 71, trabalhou no set de grande parte dos mais importantes filmes rodados no Brasil desde final dos anos 50, com ênfase nos anos 60. O que significa dizer que ele foi figura onipresente no Cinema Novo e, em especial, na obra do mais importante diretor dessa fase, Glauber Rocha: “Dos filmes de Glauber eu só não participei do primeiro, O pátio, um curta-metragem”, adianta-se Roque, entrevistado, no mês passado, em Juazeiro (BA), durante o festival de cinema Vale Curtas, no qual ele foi um dos dois homenageados (o outro foi o pernambucano Fernando Spencer). Magro, alto, jeito de índio, cabelo comprido, com rabo-de-cavalo, Roque Araújo tem aparência, maneiras e sotaque de personagem de Jorge Amado. É meio desconfiado, malandro (no bom sentido do termo). Certifica-se de que pisa em terreno seguro, então começa a falar. E aí é difícil interrompê-lo. Nem interessa fazê-lo, porque sua carreira está inserida em alguns dos capítulos mais importantes da história do cinema brasileiro, e ele gostar de falar sobre ela.

“Comecei meio por acaso, em 1957, 58, quando Roberto Pires foi filmar cenas de Redenção (não confundir com a novela homônima, dos anos 60) no Teatro Castro Alves que ainda estava em construção. A autorização foi dada com a condição de que o eletricista fosse funcionário da Secretaria de Vias e Obras Públicas do estado. O eletricista fui eu”, conta Roque Araújo. Vale lembrar que Redenção foi o primeiro longa-metragem baiano (foi com sobras deste filme, que Glauber fez O pátio). Pires foi também o diretor do segundo longa da Bahia, A grande feira, no qual Roque Araújo trabalhou como eletricista. Roberto Pires (falecido em 2001), é o iniciador do importante ciclo baiano de cinema na década. Ele, em 1962, angariou os recursos para Glauber Rocha, então jornalista, continuar Barravento, que outro cineasta baiano, Luiz Paulino dos Santos, abandonara ao se desentender com os atores. Roque Araújo seria o eletricista em Barravento, encetando uma amizade com Glauber Rocha que só terminaria em 1981, com a morte prematura do cineasta.

Como eletricista e pau para toda obra, ele trabalhou, entre outros, em Tocaia no asfalto (Roberto Pires), O pagador de promessa (Anselmo Duarte), Sol sob a lama (Alex Viany), Os fuzis (Ruy Guerra), Menino de engenho (Walter lima Júnior), e praticamente todos os filmes do ciclo do cangaço: “A primeira vez que vim a Juazeiro foi em 1962, para as filmagens de Seara vermelha, de Alberto D’Aversa. A equipe ficou hospedada no prédios dos Correios. Logo depois fiz Lampião o rei do cangaço, de Carlos Coimbra. Em 67, recebo um telegrama de Francisco Ramalho para trabalhar com ele, em São Paulo, no filme Anuska, manequim e mulher, que foi o primeiro de Francisco Cuoco no cinema”, segue ele detalhando cada um desses filmes antológicos.

Volta no tempo, a 1963: “Glauber ia começar em Deus e o diabo na terra do Sol e me chamou.” Neste ínterim, já pessoa de confiança do diretor, Roque Araújo exercia outras funções além de eletricista. Era o homem de confiança de Glauber, suas funções iam de contra-regra a tesoureiro. Era ele o responsável por pagar as contas não apenas das filmagens, mas também despesas pessoais do diretor e sua família. Foi nesta época que ele passou a morar no Rio, no início, hospedado na casa de Luis Carlos Barreto, o “Barretão”, na época fotógrafo.  

(© JC Online)

 


“Éramos como dois irmãos”

As filmagens de Deus e o diabo na terra do Sol, trabalho mais popular de Glauber Rocha, em Monte Santo, no sertão baiano foram dureza, recorda Roque Araújo: “A cidade não tinha hotel, ficamos na casa da paróquia. De manhã era tanta névoa que não dava pra se ver nada. Aquela morro onde tem a capela, eu subia aquilo umas quatro, oito vezes por dia, e eram três quilômetros. Na primeira etapa saíam eu, Geraldo Del Rey, Maurício do Vale e Glauber. Eu subia com equipamento, câmeras. Depois descia e apanhava outro material. Tornava a descer... O que pouca gente sabe é que a cena da morte do beato não pôde ser filmada lá. Não se podia filmar um crime dentro de uma igreja. Esta cena foi feita em Salvador, na igreja do Museu de Arte Moderna da Bahia, que estava fechada, porque houve um assassinato de verdade lá dentro.”

“Éramos como dois irmãos, ele tinha uma confiança completa em mim. Me entregou todos os troféus que recebeu, cartas, que ainda hoje estão comigo, documentos. Toda família sabe, ele entregou tudo na frente de dona Lúcia, de Paloma, a filha. Tem documento que se cair em outras mãos podem dar o maior rebu. São coisas do partido, o PC, naquela época ilegal. Coisas de pessoas que estão hoje no poder. Falando no assassinato de fulano de tal, afirmando que fulano foi quem mandou. Daria o maior rebu.” Roque Araújo tem em seu poder algo ainda mais precioso do que estes documentos: todos os originais dos filmes de Glauber Rocha.

Ele trabalhou com Glauber mundo afora, mas o período mais intenso foi no último e mais polêmico filme do diretor, Idade da terra, iniciado em 1978: “Ele pretendia fazer o Idade da terra 2. A idéia foi fazer a história de Cristo dos onze aos 33 anos. Ficou com quatro horas e meia. Teve uma discussão com Roberto Farias. Antes de uma viagem à Europa, me disse: ‘Pega este material, derrete, vende. Me deu o que sobrou do filme, 38 horas de copião’. Com parte deste material, Roque Araújo faria, anos mais tarde, o elogiado documentário Tempo de Glauber.

Araújo tem um conhecimento empírico da arte de cinema. Aprendeu tudo na prática. Com o passar dos anos foi se familiarizando com equipamentos, luzes. Sabe diferenciar câmeras, fala de cátedra sobre a diferença do cinema digital e o feito com película, esta última ainda sua “preferência”.

Hoje ele ocupa uma função na Diretoria de Artes Visuais e Multimeios, ligada a Fundação de Cultura do Estado da Bahia, dirige, fotografa, faz a música dos seus filmes e cuida do seu hobby: colecionar equipamento de cinema, com uma considerável e preciosa coleção de câmeras, algumas do começo do século passado.

(© JC Online)


VÍDEO

Cena de Deus e o diabo na terra do Sol

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